A empresa que quer tornar o Piauí um hub global de hidrogênio verde

Plano da holandesa GEP, em fase de estudos, prevê uma planta com capacidade de 10 GW – um dos maiores projetos do mundo

Imagem ilustrativa de hidrogênio verde
Imagem ilustrativa de hidrogênio verde
A A
A A

Quando se fala em produção de hidrogênio verde no Brasil, o nome mais mencionado é o Porto de Pecém, no Ceará. Mas, pelo menos no papel, o projeto mais ambicioso em termos de tamanho fica no vizinho Piauí.

É lá que a holandesa Green Energy Park quer investir € 18 bilhões em uma unidade que atingirá 10 GW de capacidade em 2035. Como comparação, a capacidade instalada da usina de Itaipu é de 14 GW.

(Usinas de hidrogênio verde são tipicamente medidas de acordo com o consumo de eletricidade, o insumo mais importante nesses empreendimentos.)

“O Piauí ticou todos os itens da nossa lista”, diz ao Reset Bart Biebuyck, CEO da GEP. Um dos pontos decisivos, segundo ele, foi a abundância de água fresca.

O plano básico da empresa é obter o hidrogênio por meio da eletrólise da água: com a aplicação de uma corrente elétrica (de fonte limpa), a molécula H2O é separada em seus dois componentes.

A maioria dos projetos em fase de avaliação envolve a dessalinização da água do mar. Essa etapa não é particularmente complicada nem implica aumento significativo de custo, diz Biebuyck, mas pode criar outro tipo de problema.

“Você vai ficar com enormes quantidades de sal, e não pode simplesmente despejá-lo no mar.  Isso geraria regiões com concentrações muito altas de sal, o que pode representar um risco para a vida marinha.”

Apesar do hype em torno da economia do hidrogênio, o executivo diz que provar o business case de grandes empreendimentos ainda não é coisa simples. “Foi por isso que tentamos eliminar todo custo extra e todo risco potencial.”

Ele descreve o cenário atual em números: dos cerca de 1.400 projetos em fase de estudos de viabilidade econômica ao redor do mundo, somente 3,6% receberam a decisão final de investimento.

No Brasil, frequentemente apontado como um dos países mais bem posicionados na corrida por esse vetor da descarbonização, nenhum grande empreendimento recebeu o sinal verde definitivo até agora.

Biebuyck afirma não ter dúvidas de que o país segue entre os favoritos. “O Brasil apareceu no radar mundial um pouco mais tarde, mas conta com algo que os outros não têm, que é a disponibilidade de renováveis agora.”

Piauí-Croácia

A GEP pretende exportar o hidrogênio na forma de amônia do Porto Luís Correia para um hub na ilha de Krk, na Croácia. Ambas as instalações ainda estão em construção. Do porto croata, a ideia é enviar a amônia para consumidores industriais na região sudeste da Europa.

Outra possibilidade é utilizar o hidrogênio na fabricação de metanol verde ou combustível sustentável de aviação, para descarbonizar o transporte marítimo e aéreo, respectivamente.

No cronograma da GEP, a produção começaria em 2028, com uma capacidade de 1,8 GW, passando para 3,6 GW em 2030, 5,4 GW em 2032 e chegando aos 10GW em 2035.

Parte do financiamento vai vir do programa Global Gateway, da União Europeia. Em visita ao Brasil em meados de 2023, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyden, afirmou que o país deve receber € 2 bilhões do bloco para o desenvolvimento da infraestrutura de hidrogênio.

Em novembro, Von der Leyden confirmou que a GEP será uma das companhias a receber recursos da iniciativa europeia. O apoio indica o trânsito de Bierbuyck nos corredores de Bruxelas.

Antes de comandar a GEP, Biebuyck foi diretor-executivo da Clean Hydrogen Partnership, uma parceria público-privada para incentivar inovações de descarbonização baseadas nesse novo vetor energético.

Ele diz ter “boa visibilidade” das possíveis fontes de financiamento para o projeto no Piauí. Junto com o Global Gateway, bancos de desenvolvimento serão chave para ajudar o investidor privado a superar eventuais hesitações.

A companhia espera anunciar um comprometimento definitivo na segunda metade de 2025. “Estamos tentando nos mover muito rápido. Já temos o design conceitual pronto e estamos começando a produzir as versões detalhadas.”

Otimismo cauteloso

Apesar dos prazos agressivos, Biebuyck reconhece que as expectativas de uma produção de hidrogênio em escala no fim desta década estavam provavelmente exageradas.

“Provavelmente não teremos tanto quanto se esperava, principalmente para a Europa”, diz. A explicação passa pela mudança do cenário macroeconômico, com inflação e juros em alta, e também pela ausência de regulação específica em boa parte do mundo, inclusive no Brasil (o marco legal deve ser aprovado nos próximos meses).

Um outro fator é a novidade. “Se você vai a um banco pedir dinheiro emprestado para uma usina solar, eles dizem: ‘OK. Já tenho todas as referências aqui’. No caso do hidrogênio, não.”

Além disso, apesar de elegante e simples na teoria, a eletrólise da água na escala que se projeta é um pouco mais complicada que o que se ensina nas aulas de química, afirma ele.

A GEP firmou na semana passada uma carta de intenções com a americana Baker Hughes, uma das maiores fornecedoras de serviço de engenharia para o setor petroleiro. O objetivo é colaborar no desenvolvimento de toda a cadeia de valor do hidrogênio.

“O mundo das moléculas é muito diferente do mundo dos elétrons. Estamos falando de gente que tem experiência com terminais e tanques de amônia, gasodutos. Não se trata só de instalar painéis solares e plugar os eletrolisadores.”

Impulso para as renováveis

Mas painéis solares (ou turbinas eólicas) são indispensáveis, e essa é uma vantagem brasileira. Biebuyck diz que a eletricidade para a primeira fase de seu projeto já está disponível na rede.

O fornecimento vai ter de aumentar e muito para atender a demanda futura, mas o crescimento dessa nova indústria vai destravar automaticamente novos

investimentos em solar e eólica, pois haverá mais compradores, diz o holandês.

O desafio será garantir que a rede comporte essa carga adicional. “Temos de trabalhar junto ao governo para garantir essa conexão. Isso será extremamente importante. Extremamente importante.”