Estudo aponta híbrido flex como rota mais eficiente para descarbonizar carros

LCA e MTempo calcularam impacto econômico da transição e benefício climático em comparação com veículos elétricos

Plantação de cana-de-açúcar
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Um estudo realizado a pedido de uma ampla coalizão da indústria automobilística e sua cadeia produtiva conclui que a maneira mais eficiente para o país reduzir as emissões de gases de efeito estufa das ruas e estradas envolve carros híbridos com motores flex.

Com décadas de desenvolvimento na cadeia produtiva do etanol e liderança tecnológica nos motores flex, o Brasil “se antecipou à agenda climática, ainda que com outros objetivos”, afirma o estudo.

O levantamento, que será divulgado na íntegra hoje, foi realizado pelas consultorias LCA e MTempo, sob encomenda do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil, ou MBCB.

O grupo reúne montadoras, indústria de autopeças, setores sucroenergético e de biogás e associações de engenheiros e sindicatos de trabalhadores, entre outros.

Embora tenha entre os membros a chinesa BYD, especializada em elétricos, a associação é majoritariamente composta pelo establishment do setor automobilístico brasileiro – que já deixou clara sua preferência por uma transição baseada nos híbridos flex, sem a ruptura tecnológica do motor elétrico.

Fernando Camargo, sócio-diretor da LCA e um dos autores do estudo, diz que o trabalho foi realizado com independência e, desde a concepção, havia a preocupação de não escolher rotas tecnológicas: “Todas são necessárias. Não podemos nem devemos abrir mão de nenhuma delas”.

Antes mesmo da publicação do estudo completo, alguns dados haviam sido divulgados há um mês, no lançamento oficial da coalizão, em Brasília.

O evento contou com a presença do primeiro escalão do governo federal, incluindo o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, além do presidente da Câmara, Arthur Lira, e o ministro Gilmar Mendes, do STF.

Alckmin, que também é ministro da Indústria e do Comércio, encabeça o programa Mobilidade Verde (Mover), que inclui incentivos de até R$ 19 bilhões para que a indústria automobilística invista em eficiência energética e descarbonização.

Impacto econômico 

Em projeções para os próximos 25 anos, o estudo aponta uma diferença marcante nos impactos econômicos da rota híbridos flex em comparação com um futuro de carros elétricos.

Considerando a cadeia completa de produção – começando na plantação de cana ou na extração de minérios para baterias –, os híbridos flex resultariam num acréscimo de 877 bilhões no PIB e gerariam cerca de 1,1 milhão de empregos entre 2020 e 2050.

Caso o país trilhe o caminho dos elétricos (100% ou híbridos plug-in, carregáveis na tomada), o saldo seria negativo: uma perda de R$ 5,04 trilhões na produção total, e o desaparecimento de quase 600 mil empregos.

Os cálculos são extrapolações da realidade atual da indústria. No caso dos elétricos, baterias e seus componentes seguiriam sendo importados, e partes essenciais e complexas dos carros atuais, como a caixa de câmbio, ficariam no passado.

Emissões de CO2

Além dessa “pegada econômica”, o estudo também olhou para as emissões de gases de efeito estufa das diferentes alternativas, mas as conclusões são apresentadas com ressalvas importantes.

Considerando somente a rodagem, a vantagem dos 100% elétricos é indiscutível. Os veículos 100% a bateria emitiriam 0,14 tonelada de CO2 anuais, contra pouco mais de 1 tonelada para os híbridos flex.

(No caso de um carro a gasolina, o total fica em 2,5 toneladas.)

Esta é a medida “do poço à roda”. Mas a conta que deve ser feita, argumentam os autores, é a do “berço à roda”, incluindo o impacto climático da agricultura (no caso dos biocombustíveis) ou da fabricação das baterias.

Desse ponto de vista, o carro híbrido flex ficaria com a vantagem – mas o dado não pode ser considerado definitivo, diz Fernando Camargo, sócio-diretor da LCA e um dos autores do estudo.

Trata-se de uma conta complexa e que ainda não foi padronizada globalmente. O estudo utilizou um trabalho de pesquisadores das universidades USP, Unicamp e Unesp.

“A inclusão das emissões no processo de fabricação da bateria piora a vida para o carro elétrico. Por outro lado, não foi considerado o impacto do uso da terra para a produção de biocombustíveis”, afirma Camargo.

E também seria necessário levar em conta as proporções de uso da gasolina pelos donos de carros flex em comparação com o etanol: os cálculos dos pesquisadores consideraram carros flex abastecidos somente com o biocombustível.

Incentivos cruzados

O trabalho recomenda uma série de políticas públicas “neutras”, ou seja, que não elejam uma rota tecnológica ganhadora.

Uma delas diz respeito ao Mover. O programa não faz distinção entre os vários tipos de motores híbridos, o que significa que os benefícios fiscais seriam os mesmos independentemente do ganho de eficiência. A variação entre dois híbridos flex pode ser considerável, afirma Camargo.

Os incentivos que existem hoje para os combustíveis fósseis também vão no sentido oposto da descarbonização, diz Camargo. “Na produção, no transporte, no financiamento tem, segundo levantamentos do governo e de empresas independentes, R$ 100 bi de incentivos”, afirma o consultor.

“Nas cadeias de biocombustíveis também tem alguma coisa, mas não chega nesse volume.”

Caminhos paralelos 

Quanto à diferença de entre a tecnologia dos híbridos flex versus os elétricos, Camargo diz que não se trata necessariamente de uma oposição.

Nos países ricos e na China, a opção pelas baterias foi feita e será forçada por regulamentações que proibirão a venda de carros com motor de combustão em algum ponto da próxima década, caso da União Europeia.

Mas Camargo diz que o Brasil não vai se tornar uma ilha e que o carro híbrido flex não é uma jabuticaba. Países como Índia e Indonésia, grandes produtores de cana-de-açúcar, podem seguir um caminho semelhante, o que abriria um enorme mercado para inovações brasileiras.

“Não estamos falando só da Colômbia ou do Panamá. É outra ordem de grandeza.”

Por outro lado, as montadoras chinesas, em uma corrida global para se estabelecer diante de companhias centenárias como GM e Volkswagen, estariam dispostas a trazer para cá pelo menos parte da fabricação das baterias.

Mas essa é uma perspectiva distante, e a dinâmica geopolítica não pode ser ignorada, acredita o consultor.

Parte importante do pacote verde americano são incentivos para a fabricação local de baterias e para a adoção dos carros a bateria pelos consumidores.

Diante dessa disputa entre as duas superpotências econômicas, hoje a instalação de fábricas de baterias por aqui parece pouco provável. 

Se o país optar pelos híbridos flex, “teremos carros um pouco diferentes do que americanos e europeus, é verdade, mas são [veículos] sofisticados, eletrônicos e eficientes”, diz Camargo. “E com uma capacidade de geração de valor adicionado e de empregos muito maior.”

O estudo está disponível neste link.