TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Com jogo de empurra, SP está longe de meta de ônibus elétricos

Plano da Prefeitura prevê ampliar frota elétrica para 2,9 mil veículos até 2028, enquanto lei de mudança climática da cidade prevê necessidade de 6 mil ônibus

Com jogo de empurra, SP está longe de meta de ônibus elétricos

São Paulo é a quarta cidade mais poluidora do Brasil, atrás apenas de municípios amazônicos que sofrem com desmatamento – responsável por metade das emissões de gases de efeito estufa do país. Conhecida como “motor” da economia brasileira, o município tem justamente a queima de combustíveis como a principal fonte de emissões. 

Parte do problema está na frota de ônibus, que usa principalmente o diesel. Uma solução, porém, já foi endereçada (pelo menos no papel): a troca gradual dos veículos por modelos menos poluentes, como os elétricos, o que está previsto na Lei de Mudanças Climáticas do município, de 2009. 

Mas 15 anos depois o jogo de empurra-empurra entre Prefeitura, operadores de linhas e a concessionária de energia elétrica Enel resultou em resultados fracos. 

Um dos principais marcos da legislação é a necessidade de redução de 50% das emissões de carbono na frota de ônibus. Isso se traduziu, nas metas do executivo, em renovação de 50% da frota até 2028, o que somaria pouco mais de 6 mil veículos. A três anos do prazo, hoje a cidade tem apenas 728 ônibus elétricos (527 a bateria e 201 trólebus), cerca de 5% do total. E, pelos planos oficiais, a cidade não vai chegar nem na metade da meta.

A gestão do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) divulgou na última semana sua primeira versão do Plano de Metas deste mandato com o compromisso de entregar 2.200 ônibus elétricos ou de baixa emissão até o ano de 2028. 

Nunes culpa a Enel pelo ritmo lento. A concessionária de energia estaria demorando a criar a infraestrutura elétrica necessária para que as empresas de ônibus sejam capazes de carregar os veículos.

Um dos casos emblemáticos foi o da operadora MobiBrasil, que atua principalmente na zona sul da cidade. A empresa afirmou à imprensa em fevereiro que não conseguiria colocar 37 ônibus novos em circulação devido ao risco de causar um apagão no bairro do Jabaquara se ligasse os carregadores de bateria.

Também na semana passada, Nunes entregou 115 ônibus elétricos à frota da cidade, em evento no Sambódromo do Anhembi. E voltou a criticar a concessionária. “Poderiam ser 165 ônibus, mas 50 não estão aqui porque não tem energia para recarregar. Só temos os que amanhã estarão na rua porque já tem a infraestrutura”, disse. 

Questionada pelo Reset, a Enel diz que está acelerando investimentos em bairros onde estão as garagens das empresas de ônibus. Para ter os veículos rodando, elas precisam fazer investimentos internos, como totens de carregamento, e solicitar à concessionária maior oferta de energia. A Enel informou que atendeu a demanda de seis empresas em 2024 e de mais dez no primeiro trimestre deste ano. 

Na Justiça

Há, no entanto, uma tentativa de mudar a legislação. A Câmara Municipal de São Paulo aprovou em dezembro do ano passado uma flexibilização da Lei de Mudanças Climáticas: retirou a meta de redução de emissões em 50% até 2028 e manteve apenas o objetivo de 100% até 2038. 

Uma decisão da Justiça, porém, derrubou a tentativa. Ricardo Nunes disse, em janeiro, que iria recorrer e chamou a meta de “utópica”.

Questionada pelo Reset, a Prefeitura esclareceu que o município não possui legitimidade para recorrer da liminar por se tratar de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) em trâmite no Tribunal de Justiça de São Paulo. Assim, a prerrogativa é da Procuradoria Geral do Estado. Até que uma decisão final seja tomada, a meta de 50% até 2028 segue valendo.

Soluções possíveis

Esse desencontro na eletrificação é um dos principais desafios na transição energética das cidades. O problema não é exclusivo da capital paulista. Apesar do gargalo, a cidade lidera o ranking de maiores frotas de ônibus elétricos no Brasil. Em segundo lugar está Salvador (BA), com 20 veículos.

Dos 5.571 municípios brasileiros, apenas 25 contam com ônibus elétricos em circulação, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), sendo só seis com mais de 10 veículos na frota.

Apesar das dificuldades, a tecnologia com uso de baterias é a mais madura, segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, da sigla em inglês).

No caso de São Paulo, o diagnóstico é que faltou planejamento e coordenação entre Prefeitura, empresas operadoras e a distribuidora de energia. “Nenhum dos grandes exemplos internacionais fizeram uma transição de forma isolada, com esforços só na compra de veículos ou na operação na rua. Existe um descompasso entre o planejamento da área de transportes e o planejamento energético”, diz Aline Leite, coordenadora de transporte público do ITDP.

O financiamento da transição foi bem equacionado. A Prefeitura cobre a diferença do valor de compra entre o ônibus a diesel (R$ 800 mil, em média) e o elétrico para as operadoras, que custa três vezes mais. Isso permite que as empresas façam a substituição da frota, segundo Francisco Christovam, diretor-executivo da NTU, associação que representa as operadoras.

Nas contas do executivo paulistano, o custo dessa subvenção será compensado com a redução do subsídio que a Prefeitura dá para o combustível do transporte público – em 2025 o orçamento da cidade prevê R$ 6,5 bilhões para isso. A estimativa é que um ônibus gaste R$ 25 mil em diesel por mês, conta que cai para R$ 5 mil com energia nos modelos elétricos. 

Entre os fornecedores de ônibus elétricos para os operadores paulistanos estão as brasileiras Eletra, Caio e Marcopolo e as estrangeiras Mercedes e BYD. 

Para as empresas de ônibus, o principal problema é a incerteza no planejamento da substituição da frota, uma vez que há o gargalo no fornecimento de energia. Um decreto executivo feito para o cumprimento da Lei de Mudanças Climáticas determina que todos os novos ônibus adquiridos pelas empresas de ônibus tenham que ser elétricos. Para resolver a demanda por renovação natural da frota no curto prazo, a Prefeitura estendeu o limite de uso de ônibus na cidade de 10 anos para 13 anos.

Parcerias público-privadas são outra das soluções apontadas para a infraestrutura elétrica de carregamento, que exigem subestações. “Poderiam ser construídos também hubs de recarga compartilhados por diferentes operadores. Isso pode reduzir os custos e acelerar a transição”, recomenda Leite, do ITDP. 

Christovam, da NTU, alerta para os riscos com a proximidade do fim da concessão da Enel, o que ocorrerá em 2028. Segundo ele, isso pode ser um impeditivo para que a concessionária faça grandes investimentos porque não teria tempo para amortizá-los.

A substituição de combustíveis fósseis por outros de baixa emissão, como biogás, também são estratégias defendidas pelos especialistas para acelerar a descarbonização. Segundo a Prefeitura, essas opções estão em estudo.

Por que usar ônibus elétrico

Das 14,4 milhões de toneladas de gases de efeito estufa emitidos por São Paulo em 2022, 9,4 milhões foram devido à queima de combustíveis, conforme a plataforma SEEG, do Observatório do Clima. Os maiores emissores são os carros, seguidos por caminhões, aviões e ônibus. 

Apesar de não ser a maior fonte, reduzir as emissões dos ônibus é fundamental para a saúde pública. “Focamos na redução das emissões, mas há também uma urgência de saúde pública e cidades respiráveis. O diesel emite um material particulado fino e óxido de nitrogênio, poluentes altamente tóxicos e penetram profundamente nos pulmões e na corrente sanguínea. São alarmantes os números de pessoas que morrem [em decorrência da poluição]”, alerta Leite. 

Segundo ela, em Santiago (capital do Chile) foi a qualidade do ar que acelerou a eletrificação dos ônibus. 

Outra razão para a renovação da frota é o compromisso climático. O uso do diesel é a terceira maior fonte isolada de emissões no Brasil, quando o recorte considera produtos específicos. Só fica atrás de desmatamento e gado.

Segundo o ITDP, o transporte urbano de passageiros precisaria reduzir suas emissões para “apenas” 2 bilhões de toneladas de carbono acumuladas até 2050 para o país alcançar a meta de net zero. No ritmo atual, nosso saldo será de 3,4 bilhões.