Com caixa recheado, Auren mira M&As e transmissão

Em cenário mais desafiador para expansão, empresa prepara dividendo extraordinário de R$ 1,5 bi, diz o CEO Fabio Zanfelice

Foto de perfil de Fabio Zanfelice, CEO da Auren Energia, em preto e branco, sobre fundo azul.
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Resultado da fusão dos ativos de energias renováveis de Votorantim e do Canada Pension Plan (CPP) no Brasil com a antiga Cesp, a Auren Energia fechou há poucos dias uma operação que vai rechear seu caixa com R$ 4,2 bilhões. 

Trata-se do adiantamento, mediante uma operação de securitização, da indenização que a empresa tinha a receber ao longo das próximas décadas do governo federal pelo fim antecipado da concessão da hidrelétrica de Três Irmãos, que pertencia à Cesp desde quando era uma estatal paulista de energia. 

Mas, mesmo estando com liquidez abundante num mercado de juros altos e dinheiro escasso, a empresa está bastante seletiva para novos projetos de geração de energia no médio prazo.

Num cenário de chuvas volumosas e de sobreoferta de energia que deve se prolongar pelos próximos anos, a expectativa é de preços baixos, o que torna o cenário de expansão mais desafiador, disse ao Reset o CEO da Auren, Fabio Zanfelice. 

“Estamos sempre olhando oportunidades de crescimento. Hoje, na nossa análise, a fonte mais competitiva para a expansão do setor elétrico brasileiro é a solar fotovoltaica. Mas, em relação ao que todo mundo tem dito sobre o mercado futuro, vemos o preço abaixo do que viabilizaria essa fonte”, afirma o executivo. 

Nesse contexto, a Auren deve seguir com sua estratégia de aumentar a remuneração para os acionistas. 

A companhia fez uma distribuição extraordinária de R$ 1,5 bilhão em dividendos no ano passado e já havia sinalizado que repetiria a dose em 2023. Com a indenização de Três Irmãos este número poderia ser maior? “A gente está trabalhando com esse número, é o que está dentro das nossas projeções”, respondeu Zanfelice. 

Sobre o cenário de preços futuros, num ano em que é esperado um El Niño forte, que costuma trazer chuvas para Sudeste e Sul e seca para o Nordeste, um dos principais fatores que a companhia tem olhado na tentativa de antecipar possíveis reversões no cenário de preço é a temperatura do Oceano Atlântico. 

“Em 2021, nós tivemos uma crise hídrica. Em 2022, tivemos uma baita de uma chuva. E eram dois anos de La Niña, mas a temperatura do Atlântico na costa do Brasil em 2021 estava mais fria. A frente fria desviava para o Atlântico. Em 2022, estava mais quente e criou um canal para a formação de chuvas”, diz. 

“[Este ano] se o Atlântico estiver aquecido, vai ser um ano de bastante chuva de novo. Se não, pode ser um El Niño em que a chuva fique um pouco mais para baixo [do mapa]”. 

Solar na frente

Com 70% da sua capacidade de 3 GW de geração vinda de hidrelétricas, principalmente a de Porto Primavera, no interior de São Paulo, a Auren também já tem em operação um portfólio de quatro parques eólicos localizados entre o Piauí e Pernambuco. 

Agora, a companhia está crescendo na fonte solar, com um projeto de 626 MW-pico (MWp) no Norte de Minas Gerais, além de um projeto de 58 MWp no Piauí, associado às usinas eólicas. 

Com isso, para o próximo ano, a expectativa é que as hidrelétricas representem cerca de 58% da capacidade, seguidas por 27% das eólicas e 15% da fonte solar. Em encontro com investidores em março, a Auren já havia sinalizado que seu portfólio “ideal” tem uma fatia de 50%, 30% e 20%, respectivamente. 

“O preço das fontes solar e eólica aumentou muito após a pandemia, especialmente pelo custo de equipamentos. Mas, agora, a solar tem demonstrado uma tendência de queda de preço mais rápida”, afirma Zanfelice. 

Construída por meio da compra de diversos projetos já em operação ou em desenvolvimento, a Auren segue olhando para oportunidades de fusões e aquisições, afirma o executivo. 

“Só que temos uma disciplina financeira bastante grande, ou seja, só vamos fazer transações que estejam alinhadas com a expectativa de retorno dos acionitas”, pondera Zanfelice. 

Entrada em transmissão

A companhia chegou a participar do leilão de transmissão que ocorreu no fim do mês passado, o que poderia marcar sua entrada na construção de linhões, mas, em meio aos fortes deságios oferecidos pelos concorrentes, não levou nenhum lote.

Votorantim e CPP já vêm estudando movimentos de fusão e aquisição nesse setor há algum tempo, desde antes da formação da Auren, mas nunca chegaram a concluir uma transação. “Sempre procuramos uma plataforma que nos desse escala e competitividade neste negócio”, diz o CEO da companhia. 

O último leilão marcou a primeira tentativa de participação da Auren em projetos greenfield, que são construídos do zero. A empresa acreditava que havia uma oportunidade de entrada porque os lotes ofertados eram grandes, o que por si só trazia uma escala importante, e também porque outros competidores já estavam com bastante capital comprometido com outros projetos em desenvolvimento – o que a princípio parecia abrir caminho para retornos interessantes, afirma Zanfelice.

Ele não descarta, contudo, a entrada em outros certames. Com oportunidades escassas na geração por conta do momento de mercado, a entrada no segmento de transmissão vem sendo apontada como um importante vetor de crescimento pelo mercado. 

“A transmissão faz parte do nosso planejamento. A gente continua olhando, mas o desafio é sempre o retorno”, reitera o executivo, repetindo o mantra de ‘disciplina de capital’ da companhia. 

Um novo modelo para as hidrelétricas? 

Uma das principais geradoras hídricas do país, a Auren vem defendendo um novo modelo para a remuneração das usinas hidrelétricas, de forma que elas sejam pagas pelo serviço de prover resiliência e flexibilidade para o sistema em meio ao aumento da participação das fontes intermitentes, como eólica e solar. 

Nos momentos de pico de demanda, são as térmicas ou hidrelétricas as responsáveis por atender o sistema – uma função que acaba sendo cumprida pelas últimas em um cenário de reservatórios cheios e preços baixos. 

Segundo ele, é preciso remunerar as hidrelétricas para que elas se adequem a esses movimentos. O ponto é que, quando o modelo de remuneração foi pensado, o sistema era exclusivamente hidrotérmico, de forma que as hidrelétricas sempre operaram próximas de seu ponto ótimo

“Com essas rampas, as máquinas estão sempre fora desse ponto e a consequência é que gastamos mais água por MWh que gastávamos no passado”, explica. 

“Precisamos ter uma discussão de quem paga essa conta, porque podemos acabar numa situação em que diminui o apetite do investidor por hidrelétricas e pode levar a um subinvestimento no futuro”.

Créditos de carbono

Seguindo uma tendência cada vez mais presente no setor, a Auren tem buscado alavancar sua presença como fornecedora de energia para atuar também como provedora de outros serviços relacionados à sustentabilidade, como a comercialização de créditos de carbono

Uma das maiores geradoras de créditos de energia eólica no Brasil, a companhia já vendeu mais de 3 milhões de créditos de carbono para 40 contrapartes em 12 países. Até 2022, a margem acumulada nesse segmento era de R$ 28 milhões. 

O plano é seguir aprofundando essa vertical, o que inclui a possibilidade de entrada em projetos de reflorestamento e preservação de florestas. 

“Estamos avaliando se faz sentido investir, se faz sentido ser offtaker do crédito de carbono”, diz Zanfelice. Um offtaker é alguém que fecha contrato para compra do fluxo futuro de créditos de carbono de um projeto, garantindo a demanda para que ele seja financiado e saia do papel. 

“Nós não vemos no futuro os produtos verdes dissociados de energia, essas coisas vão andar juntas”, aponta o executivo. “E enquanto a eletricidade é um mercado doméstico, o mercado de créditos de carbono é internacional.”