O Brasil tem liderança reconhecida na tecnologia e nas matérias primas necessárias para transformar material orgânico em combustíveis.
É assim com o etanol, com o biodiesel e com o biometano, e a expectativa é que seja também com a nova geração de renováveis, que inclui o diesel e o querosene de aviação verdes.
Mas a BSBios, líder nacional na produção de biodiesel e que faturou R$ 8,5 bilhões no ano passado, decidiu fazer sua aposta no Paraguai.
A empresa de Erasmo Carlos Battistella encabeça um projeto de US$ 1 bilhão numa unidade capaz de produzir 1 bilhão de litros desses novos combustíveis de baixas emissões na região de Villeta.
A expansão no país vizinho é o primeiro passo para concretizar a ambição final de Battistella: ser um dos líderes mundiais dos combustíveis de origem orgânica.
“Não sou o cara iludido que acha que vamos parar de consumir diesel ou gasolina. Vamos precisar desses fósseis por muito tempo”, afirma ele. “Mas vamos ter de usar tudo o que tivermos de renováveis para mitigar as emissões. É um caminho sem volta.”
A urgência da descarbonização dos transportes, acentuada com a potencial crise energética global causada pela guerra na Ucrânia, vai criar a demanda para os dois principais produtos da biorrefinaria paraguaia: diesel verde (HVO) e combustível sustentável de aviação (SAF).
Como o biodiesel que conhecemos hoje, ambos são produzidos a partir de gorduras: óleos vegetais (soja, canola, milho e assim por diante), banha animal ou óleo de cozinha reciclado.
Mas o processo industrial do diesel verde é mais parecido com o de uma refinaria petroquímica, e o resultado final são hidrocarbonetos que em alguns casos podem simplesmente substituir os de origem mineral.
O diesel verde pode ser colocado no tanque de carros, caminhões e máquinas sem nenhuma adaptação nos motores. Já existem pelo menos 600 postos que oferecem HVO na bomba nos países nórdicos.
O SAF ainda tem de ser misturado ao querosene de aviação, mas as fabricantes de motores já estão em fases de testes. O setor aéreo tem a meta de atingir a neutralidade de carbono em 2050. Dada a dificuldade de eletrificar os aviões, combustíveis alternativos serão cruciais para a descarbonização dos voos.
A promessa dessa nova geração de combustíveis verdes é uma redução de até 90% das emissões de CO2, do campo até o tanque. Agora, só falta produzi-la.
Made in Paraguay
Batizado de Omega Green, o projeto da BSBios fica às margens do rio Paraguai, a cerca de 45 km de Assunção.
Depois de atrair dois parceiros para o negócio recentemente, Battistella terá 60% do capital da nova empresa, chamada BSBios Paraguay. Os outros 40% estão divididos entre a espanhola Cobra e a paraguaia Copetrol.
A escolha dos sócios foi estratégica. Os espanhóis são especialistas em engenharia e construção; os paraguaios são os maiores distribuidores de combustíveis do país e dominam a logística, especialmente a fluvial.
A expectativa é que entre 60% e 70% do US$ 1 bilhão sejam financiados por dívida. A necessidade de capital (equity) já está equacionada.
A decisão de instalar um projeto desse porte fora do Brasil não foi difícil, afirma Battistella. A planta terá condições de zona franca e pagará apenas 3% de impostos “all in” durante 30 anos, diz o empresário.
“Olhamos 40 regiões no Brasil, mas as que ofereciam as melhores condições teriam rentabilidade entre 30% e 35% mais baixa”, afirma Battistella.
A disponibilidade de matéria-prima (principalmente o óleo vegetal) e o custo competitivo da mão-de-obra também pesaram na decisão. E a matriz elétrica quase 100% limpa foi outro fator fundamental na escolha do país vizinho, que gera quase toda a energia consumida na usina hidrelétrica de Itaipu.
A contabilidade das emissões de CO2 dos biocombustíveis é complexa, dependendo do mix das diferentes gorduras usadas na produção.
As exigências de cada mercado comprador também devem variar. Os europeus, por exemplo, querem combustíveis limpos – mas desde que não haja competição com a produção de alimentos.
Battistella afirma que a “receita” de seus produtos pode ser adaptada de acordo com demandas específicas e que também haverá certificações.
“Temos de atender o cliente, até porque estamos falando de um produto caro.”
Hoje um litro de HVO custa pelo menos o dobro de um litro de diesel comum, estima Battistella, emendando com uma série de ressalvas.
“Não podemos comparar banana com abacaxi, e o abacaxi é o fóssil”, diz ele. “Primeiro, a indústria do petróleo tem 200 anos e até hoje recebe incentivos.”
E essa nova geração de biocombustíveis ainda não atingiu a escala necessária para que os preços possam ficar mais competitivos.
De qualquer modo, 90% da produção dos primeiros cinco anos já foram vendidos em dois contratos, com a British Petrol e com a Shell.
Haja óleo
Os biocombustíveis serão necessários para chegarmos a um mundo de neutralidade de emissões, mas não suficientes.
“Seria possível substituir todo o diesel consumido pela frota brasileira por HVO, mas provavelmente criaríamos um problema ambiental ainda maior”, diz Fernando Martins, consultor da Bain&Company.
O problema? Não há matéria orgânica suficiente que dê conta de um volume tão grande de combustíveis. Seria necessário plantar mais – e, portanto, abrir mais espaço para a agricultura em biomas ameaçados.
Martins é um dos autores de um estudo recente realizado pelo Pacto Global da ONU e pela fabricante de caminhões Scania para apontar possíveis saídas para a descarbonização do transporte rodoviário comercial no Brasil.
No mundo ideal, afirma ele, o HVO seria utilizado em longas distâncias e para abastecer as frotas legadas, que hoje dependem de diesel fóssil.
Já aplicações urbanas, como ônibus e entregas de última milha, poderiam ser atendidas por veículos elétricos.
Num cenário mais ou menos otimista para 2050 – com inovações do setor privado, mas sem políticas públicas específicas –, o estudo estima que o HVO responderia por 22% da energia da frota rodoviária brasileira. O diesel tradicional ficaria com 21%.
Um dos motivos é a competição dos compradores estrangeiros. “Pensando no balanço da massa (de energia disponível), deveríamos resolver nosso próprio problema (de emissões). Mas vai vir uma demanda enorme de fora”, diz Martins.
A decolagem do SAF
Só as empresas aéreas já dão uma ideia do tamanho potencial do mercado para os produtos da BSBios (a nova planta será “flex”, ou seja, poderá optar entre a produção de HVO ou de querosene de aviação verde).
Um levantamento da empresa de pesquisas Research and Markets estima que o mercado de SAFs pode passar dos cerca de US$ 220 milhões no ano passado para US$ 15,7 bi no final da década.
Hoje, já são permitidas misturas de até 50% de SAF nos tanques dos aviões. As aéreas vêm realizando experimentos com proporções menores de SAF, mas a tendência é clara.
Singapore Airlines, Turkish Airlines e Air France-KLM, entre outras, já anunciaram projetos piloto com o novo combustível.
“Estamos falando de um volume gigante”, diz Battistella. “Não tem capacidade instalada no mundo que dê conta do consumo atual. E temos que considerar que esse consumo vai continuar aumentando.”
Um pé lá fora
Em março, a companhia anunciou a aquisição da MP Biodiesel, uma empresa suíça que produz biodiesel à base de óleo de canola.
Diante do tamanho da operação da BSBios no Brasil, a nova integrante do grupo é pequena: os 5,6 milhões de litros anuais são uma gota diante dos 895,5 milhões produzidos pelas duas unidades da empresa, em Passo Fundo (RS) e Marialva (PR), no ano passado.
Mas a internacionalização é definitivamente uma das prioridades da companhia. Já os planos de ir à bolsa, não, diz o fundador e CEO: “Olhamos os mercados de capitais sempre como uma oportunidade”.
Os investimentos no Brasil também estão em compasso de espera. A companhia anunciou a suspensão dos projetos no país quando o governo limitou a 10% a mistura do biodiesel em 2022. A programação original previa 13% em janeiro e fevereiro e a partir deste mês, 14%.
“Se acharmos que o governo está disposto a retomar [o aumento da mistura], vamos descongelar os investimentos.”