Na cabeça da maioria dos brasileiros, etanol é sinônimo de cana-de-açúcar. Mas cerca de 10% desse biocombustível vendido no país já vem de milharais – e a primeira usina a produzi-lo não tem nem sequer cinco anos de operação.
Quando a FS inaugurou a planta pioneira, em Lucas do Rio Verde (MT), a ideia de produzir etanol de milho no Brasil era quase uma ousadia. Hoje, a empresa está erguendo sua terceira unidade, um investimento de R$ 3,2 bilhões.
“Tem muito milho no Mato Grosso e ainda temos muito espaço para crescer”, diz Daniel Lopes, vice-presidente executivo de sustentabilidade e novos negócios da FS.
Os planos da companhia se apoiam na transição energética, mais especificamente na evolução dos mercados de carbono, e na importância cada vez mais decisiva das credenciais de sustentabilidade do agronegócio.
Com a inevitabilidade da precificação do carbono, a produção com baixa emissão de gases de efeito-estufa do Centro-Oeste pode tornar o produto brasileiro competitivo até mesmo nos Estados Unidos, a terra do etanol de milho, diz Lopes.
Mais que isso, a FS aposta no etanol como um produto capaz de ajudar a induzir a transformação sustentável de outras culturas, entre elas a soja, considerada vilã do desmatamento por muitos dos compradores lá fora.
A matéria-prima da empresa é uma segunda cultura para os produtores de soja – e isso significa que as exigências feitas para os fornecedores de milho da FS também terão impacto nesta outra cadeia do agronegócio.
Esse poder de pressão foi determinante para que a companhia obtivesse um empréstimo do fundo de capital majoritariamente holandês &Green. Diante dos R$ 6,6 bilhões que a FS faturou no ano passado, os US$ 30 milhões do cheque não parecem muita coisa.
Mas a chancela do &Green, um fundo conhecido por seu rigor na due diligence socioambiental, pode abrir as portas de outras alternativas de financiamento mais vantajosas e inacessíveis para quem não estiver preparado para esse novo tipo de demanda de certos investidores.
“É a dívida que vai nos dar mais trabalho, mas estamos aprendendo”, afirma Lopes. “Negociamos durante dois anos para mostrar que somos um caso diferenciado na região e estamos prontos para atender às exigências estritas dos europeus.”
Do milho aos milhões
Lopes calcula que, só no Mato Grosso, 4 milhões de hectares de fazendas de soja ainda não façam rotação de culturas. Em outras palavras, a produção de milho pode crescer sem que seja necessário abrir um único hectare adicional para a agricultura.
É uma mudança e tanto em relação a 2014, quando foi fundada a companhia, então FS Bioenergia (controlada pelo grupo americano Summit Agricultural Group). Na época, não era incomum ver milho descartado na beira das estradas da região, diz o executivo.
Hoje, o etanol de milho já faz parte da estratégia de grandes grupos sucroalcooleiros. Há um ano, o grupo São Martinho, um dos maiores do setor no país, anunciou uma planta de R$ 640 milhões em Quirinópolis, em Goiás.
O grupo CerradinhoBio, outra empresa importante do mundo sucroalcooleiro, anunciou recentemente um aumento da capacidade de sua usina de processamento de milho, também em Goiás.
Mas a liderança no etanol pertence à pioneira FS. A empresa processou 1,3 milhão de toneladas do cereal no ano fiscal de 2021 (encerrado em março) e produziu 1,4 bilhão de litros em suas duas usinas. A previsão é que a chegue a 2 bilhões de litros este ano.
Esses números, mais um Ebitda que cresceu 120% e chegou a R$ 2,6 bi, explicam parte do interesse repentino num negócio que até bem pouco tempo atrás era “coisa de americano”.
Os grandes produtores de etanol de cana são donos de fazendas (tipicamente eles compram de terceiros somente um terço da matéria-prima que processam) e têm de lidar com os custos agrícolas. A FS e suas concorrentes diretas, como a Inpasa, não precisam se preocupar com isso.
O crescimento rápido da oferta de matéria-prima e os potenciais ganhos de produtividade são outra razão para o crescimento do etanol de milho no Brasil. “Estamos no único lugar do mundo em que você tem duas safras por ano”, afirma Lopes.
A sobra do milho também tem destino certo. No caso da FS, uma parte desse subproduto é vendida para um cliente da companhia que fica literalmente do outro lado da estrada: uma unidade de processamento de aves e suínos da BRF.
Somente o amido é utilizado para a produção do etanol. As proteínas, fibras e gorduras do milho são transformadas em ração e óleo. A FS tem quatro produtos destinados à alimentação animal.
O negócio de nutrição animal representa 25% das receitas da companhia, mas a importância dele vai além da receita, afirma Lopes.
A segunda vida da matéria-prima como base de proteína animal garante à empresa um ótimo argumento na discussão sobre a disputa por espaço entre colheitas de biocombustíveis e de alimentos.
O CO2 no balanço
Mas é uma outra dimensão da sustentabilidade que está no centro da estratégia da FS.
O Brasil já tem hoje uma espécie de mercado regulado de carbono no setor de combustíveis. É um sistema pequeno e ainda imperfeito, mas, para quem polui – ou ajuda a evitar a poluição –, o preço do carbono é parte importante do negócio.
As produtoras de biocombustíveis do país recebem créditos de descarbonização, os CBIOs, de acordo com a pegada de seus sistemas produtivos. A conta vai da plantação à bomba.
O etanol da FS emite 17 gramas de CO2 para cada mega Joule de energia gerado na queima. Lopes afirma que sua usina de Lucas de Rio Verde é a mais eficiente do país e, portanto, recebe mais créditos por litro.
Mas a ambição da companhia vai muito além. A FS está investindo R$250 milhões de reais num sistema inédito no país de sequestro e armazenamento de carbono.
Grosso modo, o projeto envolve capturar o CO2 emitido durante a produção do etanol e enterrá-lo no subsolo.
A tecnologia é considerada uma das soluções potencialmente mais importantes na luta contra a mudança climática, especialmente em setores difíceis de descarbonizar, como a indústria pesada. Mas há um problema: ela é complexa e exige enormes investimentos.
No caso do etanol, a conta é um pouco diferente, afirma Lopes. “Num projeto de uma petroleira, por exemplo, o maior custo está em ‘limpar’ o CO2 antes de armazená-lo de forma permanente. O CO2 que emitimos tem 98% de pureza.” A parte mais custosa, portanto, é enterrar o carbono.
A companhia contratou a francesa Schlumberger, a maior fornecedora do mundo de serviços e equipamentos para a exploração de petróleo no fundo do mar, para fazer uma avaliação geológica do terreno e perfurar um poço piloto na usina de Lucas do Rio Verde.
A avaliação inicial é que o reservatório onde o CO2 será armazenado – a mais de 2 km de profundidade – tem as condições geológicas ideais. Ainda faltam alguns testes, mas Lopes afirma que a FS já recebeu “várias luzes verdes”.
Se for capaz de enterrar o CO2, a FS passará a vender um etanol de pegada negativa de carbono: -13 gramas por litro. Isso significa que, contando a cadeia produtiva inteira, o combustível da empresa vai retirar, não colocar mais, CO2 na atmosfera.
O objetivo é aumentar a competitividade de seu produto não só dentro do país (a empresa vende quase a totalidade do seu etanol no Brasil), mas em todos os mercados em que o carbono é precificado.
Considerando o uso de biomassa (versus o gás natural usado pelos americanos), o CO2 sequestrado, o menor uso de fertilizantes (a rotação com a soja significa um solo com mais nutrientes) e eventualmente até créditos de desmatamento evitado, Lopes afirma que o etanol de milho do Mato Grosso pode competir com o de Iowa dentro do mercado americano.
“O carbono já é parte da nossa estratégia e, num futuro não muito distante, pode ser um negócio de bilhão”, afirma ele. “Estamos acompanhando de perto a evolução dos mercados de carbono, pois eles é que vão justificar que a nossa produção seja cada vez mais verde.”