Quando inaugurou seu terceiro mandato, em 1º de janeiro deste ano, Lula escolheu “Reconstrução e União” como lemas de seu governo. Para estrear a nova caneta de presidente, escolheu assinar atos importantes, como dar vida a uma Esplanada dos Ministérios onde a agenda indígena ganhou status político e o Meio Ambiente recuperou competências originais.
É notável que o Presidente fez um esforço significativo para reconstruir a reputação do Brasil no cenário internacional nos seis primeiros meses de governo. A projeção das ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, que acompanharam Lula em suas viagens ao exterior, serve de evidência de que o Brasil está empenhado em mudar sua imagem ambiental. No entanto, palavras devem ser apoiadas por ações.
Enquanto isso, o Congresso Nacional decidiu desafiar os limites políticos dessa agenda. Mais especificamente, algumas bancadas influentes, como a ruralista, elaboraram uma estratégia de contestação com impacto concentrado. A Medida Provisória da Esplanada, que esteve em vigor desde 1º de janeiro e foi submetida à apreciação do Congresso na última semana, ilustra a complexidade do jogo.
A medida visava reconstruir políticas socioambientais, realocando competências e organismos relacionados ao meio ambiente e aos povos indígenas. No entanto, o relatório do deputado Isnaldo Bulhões Jr (MDB-AL) aprovado na Comissão Mista indica um desmantelamento parcial dessas propostas, prejudicando a reconstrução das agendas.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que contou com o apoio do governo para sua reeleição, também abriu caminho para outras medidas, como pautar o requerimento de urgência do projeto de lei (PL) sobre o marco temporal às vésperas do julgamento sobre o mesmo assunto no Supremo Tribunal Federal. E o plenário aprovou modificações prejudiciais à Mata Atlântica por meio de PL.
E tudo isso não é um problema individual da ministra Marina Silva ou de qualquer outro ministro, mas sim do jogo no Congresso Nacional. O governo não tem uma estratégia pró-clima e pró-indígena no Parlamento para contrariar a oposição organizada e direcionar sua própria base. Os articuladores do governo seguiram a cartilha da realpolitik ao preferir abrir mão de alguns aspectos do MMA e do MPI para manter outras peças de seu interesse.
A desunião no seio governista resultou em um grande retrocesso para aqueles que buscavam a “reconstrução” das agendas socioambientais. Tudo foi perdido? Não. Tudo está perdido? Também não. Ainda há espaço para remendos no Congresso e também por meio das ações do presidente. Um eleitorado furioso observa atentamente os próximos passos do governo e sabe que a oposição no Congresso não vai parar por aqui.
Antes disso, a possibilidade de explorar petróleo na bacia da foz do Amazonas já havia levantado tensões na base governista. O Ibama negou o pleito da Petrobras, por entender que essa deveria desenvolver e apresentar uma avaliação ambiental sedimentar adequada para tal empreendimento ser considerado.
A negativa arvorou alguns políticos amazônicos, que, contrariados, passaram a atacar o núcleo ambientalista do governo de forma estridente e polarizar a opinião pública. Um desses parlamentares foi tão longe na desinformação que até o ex-ministro Ricardo Salles o acolheu no “time anti-meio ambiente” pelo Twitter.
Esse exemplo ilustra que cada vez mais pessoas se unem ao coro em prol do clima, mas nem todas estão dispostas a participar da construção de uma “onda” climática. Alguns querem apenas surfá-la, sem avançar além do status quo. E aparecem nas COPs, ano atrás de ano, buscando colocar um crachá climático no pescoço. Com o arco de negociações de Dubai até Belém, cada vez mais esses surfistas serão instados a fazer mais do que subir na prancha.
Infelizmente, esses surfistas ocasionais passam para a sociedade um sinal trocado: de que não há urgência e que não é necessário um grande alinhamento das decisões de desenvolvimento do país com o que a ciência requer, como o abandono gradual dos combustíveis fósseis e o fim do desmatamento o mais breve possível.
Continuaremos a ver as divisões nítidas entre quem defende uma agenda climática verdadeira no governo federal e aqueles que ainda preferem que seja apenas um elemento periférico ou insignificante no sistema. Espero que o mínimo denominador comum não prevaleça, pois seria um desastre se os mais ambiciosos moderassem seus passos para acomodar a politicagem do atraso.
Estamos lidando com as consequências de décadas de inação e, portanto, agora precisamos de uma Política climática com “P” maiúsculo, que tome decisões pragmáticas levando em conta os custos socioambientais a longo prazo.
As forças no Congresso são bem conhecidas e o governo está em desvantagem numérica. Será necessário que o presidente compareça, demonstrando mais força política em relação à agenda do que fez até agora. Embora existam riscos, os sinais concretos sugerem que a aliança entre Lula e as ministras Marina Silva e Sônia Guajajara é forte.
O pedido do Ibama para que a Petrobras apresente seu pleito para explorar a bacia da foz do Amazonas com os devidos ajustes e as declarações do presidente de que ele vetará algumas das medidas discutidas no Congresso sugerem um compromisso com a agenda climática e socioambiental. Isso será mantido?
Talvez dure um pouco, se o governo conseguir se afastar da realpolitik e deixar de usar as lentes do crescimento econômico como se estivéssemos habitando um mundo imune ao aquecimento global. Com base em todos os fatos científicos conhecidos e reconhecidos, sabemos que esse mundo não existe mais.
Não estou convencida de que o presidente esteja alinhado com os defensores do clima. No entanto, acredito que, devido à sua estatura política, Lula faz leitura de mundo e sabe que precisa da aliança política com a ala socioambiental, mais do que nunca. A “reconstrução” ambiental nestes 4 anos dependerá de uma liderança capaz de montar um bom tabuleiro para o jogo.
(Crédito da imagem: Matt Paul Catalano/Unsplash)