A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), xerife do mercado de capitais brasileiro, acaba de criar uma divisão de inovação e finanças sustentáveis para impulsionar todos os aspectos dessa agenda dentro do órgão, da regulação à supervisão.
A nova área fica dentro da Superintendência de Proteção e Orientação a Investidores, comandada por Nathalie Vidual.
“Esse é um assunto muito transversal na CVM, mas faltava uma coordenação para compilar todas essas informações e dar robustez a tudo o que é feito e para ser o canal de interlocução com os agentes externos sobre o tema”, diz Vidual. A ideia, diz, é conseguir ter uma atuação mais especializada.
“Ainda é um projeto embrionário, porque tem poucas pessoas trabalhando dentro da coordenação. Mas a ideia é que ela cresça e a gente faça a articulação de tudo que é necessário dentro da CVM para promover as finanças sustentáveis.” A chefia da área é exercida por Michele Faria, funcionária concursada da autarquia, com passagem anterior pela Eletrobras.
Duas das primeiras missões da nova área são participar da elaboração da taxonomia de finanças verdes que o Ministério da Fazenda está comandando e coordenar o plano de ação que vai dar corpo à política de finanças sustentáveis divulgada pela CVM no início deste ano. Trata-se das diretrizes que vão pautar a atividade do órgão nesta frente, um trabalho em estágio avançado de elaboração, segundo Vidual.
O plano terá um cronograma definido e envolverá as áreas de normas, de relações com empresas, de fundos e de contabilidade. “Será um plano bastante amplo, inclusive com iniciativas internas da própria CVM, em termos de capacitação dos seus profissionais para as finanças sustentáveis”, afirma Vidual
Na frente da SEP, superintendência responsável pela supervisão das companhias de capital aberto, por exemplo, o plano deverá trazer o passo a passo de como deverá ser feita a supervisão temática da agenda ESG, das informações que passaram a ser divulgadas no formulário de referência a partir deste ano.
“Também queremos levantar quais as melhores práticas de reporte. Porque estamos percebendo que muitas empresas realmente querem reportar os dados de forma correta e é nosso papel auxiliar na construção desse conhecimento, de como você traz cada métrica, quais os parâmetros.”
Em outra frente, diz ela, haverá aprimoramentos de registro e mensuração contábil de ativos sustentáveis.
Créditos de carbono no balanço
A CVM acaba de colocar em consulta pública (até 20 de outubro) uma orientação técnica sobre como empresas e fundos devem fazer a contabilização de créditos de descarbonização.
“São ativos cada vez mais demandados e que, por isso, precisam ser trazidos para dentro do balanço. A orientação não está inventando nenhuma regra contábil nova; está se apoiando em diretrizes que já existem, do CPC [Comitê de Pronunciamentos Contábeis] e do IFRS, tomando como base a essência econômica da operação”, diz Vidual.
Ela explica que a recomendação engloba todos os tipos de ativos de descarbonização: crédito de carbono, CBIOs e até as allowances, que serão as permissões para emitir CO2 concedidas às empresas que farão parte do mercado regulado de carbono brasileiro, cuja proposta tramita no Congresso.
E todos os participantes do mercado também foram contemplados. “A orientação diz como você contabiliza se for um originador de crédito de carbono, se for um trader ou um beneficiário final. Foi um apanhado bem desenhado de todos os diferentes atores e dos produtos que possam ser negociados.”
Nessa frente, em breve a CVM pode ganhar um novo papel, se tornando o órgão oficialmente responsável pela regulamentação da negociação dos créditos de carbono no Brasil. O projeto de lei para criar o mercado regulado deve definir a natureza jurídica dos créditos de carbono, e a versão atual do texto estabelece que se trata de um valor mobiliário, ou seja, um ativo sob as regras do xerife do mercado.
Vidual diz que esse martelo ainda terá que ser batido, uma vez que o projeto está em discussão no Congresso. “Mas estamos acompanhando as discussões para dar seguimento à normatização e exercer nosso papel se assim ficar definido.”
Taxonomia verde
A ideia por trás de uma taxonomia verde é criar uma classificação de atividades econômicas sustentáveis e dar os parâmetros para orientar o fluxo de capital para o combate às mudanças climáticas. A União Europeia foi pioneira nisso, mas a China também já criou a sua e até na América Latina outros países saíram na frente.
No grupo de trabalho coordenado pela Fazenda e que envolve todas as entidades do sistema financeiro nacional, Nathalie Vidual representa a CVM e faz a articulação com as demais áreas da casa.
“Se vamos derivar para algum tipo de supervisão, vamos envolver também a área de companhias abertas e de fundos. Se precisamos trabalhar algum aspecto de regulamentação, envolvemos a Superintendência de Desenvolvimento de Normas.”
Quem coordena os trabalhos na Fazenda é Cristina Reis, subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável, da Secretaria de Política Econômica.
Vidual não detalha o que está sendo discutido. Mas diz que um roadmap para a construção da taxonomia oficial é o trabalho realizado nessa frente pelo LAB, o Laboratório de Inovação Financeira, fórum de interação do setor público e privado para promover as finanças sustentáveis e do qual a CVM é uma das coordenadoras, ao lado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e do GIZ, agência alemã que coopera com outros governos para promover o desenvolvimento sustentável.
O LAB tem feito um estudo faseado. No segundo relatório sobre o tema, publicado em maio deste ano, foram mapeadas as taxonomias desenvolvidas por outras jurisdições. “A ideia foi entender as particularidades de cada uma, qual foi o aprendizado e quais foram as dificuldades enfrentadas, para que possamos aproveitar essas experiências aqui no Brasil, considerando as nossas especificidades”, explica Vidual.
Segundo ela, a ideia é que a taxonomia nacional observe aspectos comuns com outras taxonomias, “para garantir a interoperabilidade”, mas que também respeite as particularidades locais. “Se não for assim não conseguiremos endereçar as melhorias e os avanços que a gente precisa fazer aqui dentro. Por exemplo, temos uma matriz energética limpa, mas temos questões sociais.”
No aspecto social, Vidual diz que uma importante referência para o Brasil deve ser a taxonomia do México, lançada este ano e que não entrou no relatório do LAB. Já a da Colômbia, criada no ano passado, incorporou um objetivo sobre uso sustentável do solo, que também tem relevância no contexto de política climática brasileira, onde a agricultura e o desmatamento são as principais fontes de emissões de gases do efeito estufa.
O próximo relatório do LAB terá uma abordagem mais prática e deve avançar no detalhamento das resoluções a serem adotadas pelo sistema financeiro brasileiro de forma ampla, não apenas no âmbito do mercado de capitais. “O LAB tem como membros também o Banco Central, o BNDES, a Susep e outros integrantes do sistema financeiro.”
“O LAB vai propor agora quais seriam os setores prioritários, quais seriam os objetivos dessa taxonomia local para mitigação de efeitos climáticos. Na Europa, por exemplo, o foco é na mitigação dos efeitos e riscos climáticos e começou por setores mais poluentes. O Brasil vai seguir a mesma lógica?”