COLUNA - CAROLINE DIHL PROLO

Hora da verdade no combate ao greenwashing

União Europeia adota novas regras de proteção ao consumidor que proíbem afirmar sem provas que produtos ou serviços são 'carbono neutro' ou 'verde'

Greenwashing
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Uma nova norma adotada pelo Parlamento Europeu pretende combater a prática de greenwashing e proteger consumidores de afirmações enganosas que fabricantes e comerciantes fazem sobre atributos ambientais, sociais e climáticos  de seus produtos e serviços.

A norma bane a utilização de adjetivos genéricos e de alegações não comprovadas sobre atributos socioambientais, e proíbe o uso de expressões como “carbono neutro” baseadas em compensação de emissões via compra de créditos de carbono.

A regulação é muito bem-vinda em um contexto de inconsistência entre as normas de autorregulação, ao mesmo tempo em que o greenwashing vem se disseminando e sendo duramente escrutinizado e combatido nos tribunais. Informação é poder, e o poder de escolha, seja sobre a compra de produtos, de serviços ou de ações de empresas em bolsa, é fundamental na transição para uma economia de baixo carbono, mais resiliente e justa.

A União Europeia não poderia ter criado um nome mais oportuno para sua proposta de diretiva: “Empoderando Consumidores para a Transição Verde” (“Empowering consumers for the green transition”).

Proteção do consumidor

A norma consiste de uma reforma na legislação atual de proteção do consumidor, por meio da alteração dos artigos 6 e 7 da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Ela foi adotada pelo Parlamento em 17.01.2024, mas ainda precisa ser aprovada pelo Conselho Europeu.

A norma vai ser complementar à Diretiva sobre Alegações Ambientais (“Green Claims Directive”) – em tramitação no Parlamento Europeu –, que será mais específica e abordará as condições para as alegações ambientais de forma mais detalhada.

A diretiva parte da premissa de que, para conciliar o bom funcionamento do mercado interno com um alto nível de proteção ao consumidor e de proteção do meio ambiente, e ao mesmo tempo avançar na transição ecológica, é essencial que os consumidores possam tomar decisões de compra informadas.

Em contrapartida, os comerciantes têm a responsabilidade de fornecer informações claras, relevantes e confiáveis. Do ponto de vista da concorrência, o objetivo da norma é permitir que os comerciantes operem em condições de igualdade e que os consumidores escolham produtos que sejam realmente melhores para o meio ambiente do que os produtos concorrentes.

Um dos destaques da norma é a proibição de alegações sobre metas futuras relacionadas a transição para neutralidade de carbono ou de emissões em uma determinada data. Tais alegações criariam a impressão de que os consumidores, ao adquirir tais produtos, estão contribuindo para uma economia de baixo carbono.

Provas

A diretiva requer que tais afirmações sejam baseadas em compromissos claros, objetivos, verificáveis e delineados em um plano de implementação detalhado, que preveja a devida alocação de recursos financeiros e seja disponibilizado ao público. Além disso, tais alegações devem ser verificadas por uma auditoria de terceira parte, também disponível publicamente.

Também ficam proibidas alegações genéricas sem um desempenho ambiental de excelência reconhecido que seja relevante para a alegação.

“Amigo do meio ambiente”, “verde”, “ecológico”, “biodegradável” e outras caracterizações do tipo são proibidas quando não for possível demonstrar um desempenho ambiental notoriamente excelente, por meio de um selo reconhecido, por exemplo.

É vedada também a exibição de selos de sustentabilidade que não sejam baseados em um sistema de certificação ou estabelecidos por autoridades públicas.

Eis um exemplo de uma afirmação permitida: “100% da energia usada para produzir esta embalagem provém de fontes renováveis”. Por outro lado, alegação considerada genérica também é a de produtos “sustentáveis”. Aqui não apenas há um problema com a necessidade de se comprovar essa excelência, mas também o fato de que esta alegação está relacionada tanto às características ambientais como às sociais de um produto.

Também são proibidas alegações de que um produto ou serviço tem um impacto neutro, reduzido ou positivo sobre o meio ambiente em termos de emissões de gases de efeito estufa, como o famoso “carbono neutro”, a partir de compensações de emissões. Segundo a diretiva, essas alegações dão a falsa impressão aos consumidores de que o consumo do produto não tem impacto ambiental.

Elas só são permitidas se forem baseadas no impacto real no ciclo de vida do produto inteiro, e não na compensação de emissões de gases de efeito estufa fora da cadeia de valor do produto, por meio da compra de créditos de carbono, por exemplo.

Créditos de carbono

Isso não significa que as empresas não possam investir em atividades fora da cadeia de valor, incluindo projetos de crédito de carbono, mas não podem atribuir a isso um papel de neutralidade dos impactos específicos do produto.

Ainda que essa vedação ao uso de offsets se aplique especificamente no contexto de produtos e serviços, é inegável que também  poderá haver repercussões sobre alegações de neutralidade de carbono em compromissos empresariais, com potenciais impactos na demanda e uso de créditos de carbono no mercado.

A Science-Based Targets initiative (SBTi) já vem também restringindo a abordagem de compensação com créditos de carbono como prática que tenha a capacidade de “neutralizar” as emissões de uma companhia dentro de seus planos de transição climática.

Para o SBTi, compensação é definida como “ações que uma empresa adota para oferecer mitigação fora de sua cadeia de valor como um substituto para a rápida redução das emissões da cadeia de valor”, mas as empresas não podem atingir suas metas baseadas na ciência por meio da compensação.

Por outro lado, a ABNT no Brasil adota entendimento diverso. A Prática Recomendada PR 2060 entende que a condição de carbono neutro pode incluir compensação de carbono, definida como “mecanismo pelo qual se compensa as emissões de GEE geradas em decorrência das atividades por meio de suas próprias reduções, remoções contabilizadas em seu inventário ou mediante aquisição de créditos”.

Nos tribunais

Em meio a essas inconsistências nas abordagens propostas pelos standards de mercado, dá para entender por que também as empresas possam ter dificuldades para não incidir em greenwashing.

A resposta a isso tem vindo na forma de um movimento intenso de casos de litigância de greenwashing. Conforme reportado pelo Grantham Research Institute no estudo anual Global trends in climate change litigation: 2023 snapshot, houve um crescimento de litígios de “climatewashing”.

Dentre eles, destacam-se os casos que questionam a veracidade dos compromissos climáticos corporativos, especialmente quando não são respaldados por planos e políticas adequados. Mas o maior número de casos envolve questionamentos sobre declarações ambientais relacionadas a produtos que alegam ser “carbono neutros”, incluindo casos em órgãos administrativos relacionados a direitos do consumidor e propaganda enganosa.

Dessas alegações, nem a ONU escapa. Investigação da The New Humanitarian em parceria com a agência de notícias Mongabay em setembro de 2023 questionou a integridade do compromisso de neutralidade climática da ONU, que teria afirmado ser pelo menos 95% neutra em todos os anos desde 2018, em grande parte por meio do uso de créditos de carbono.

Além de questionar a metodologia de compensação por meio de créditos de carbono, a matéria aponta que, desses créditos, mais de 2,7 milhões teriam sido emitidos por projetos que, segundo especialistas, não representariam reduções reais de emissões.

É importante olhar para a transição de baixo carbono sob a perspectiva da demanda. Quem compra produtos, quem usa créditos de carbono, quem investe em um negócio dito “carbono neutro” importa.

Essa demanda existe ou por razões regulatórias – leis e exigências governamentais – ou por uma escolha consciente dos atores de mercado, baseada na consciência ambiental e/ou na consciência dos riscos financeiros atrelados a mudança do clima.

Mas se esses agentes não tiverem as informações adequadas para exercer uma escolha consciente, o que acontece com a demanda por esses produtos/serviços/investimentos? A demanda vai simplesmente acabar porque as pessoas vão desistir de usar critérios ambientais para fazer suas compras? Será que essa consciência simplesmente vai desaparecer, ou os consumidores vão ficar cada vez melhores em identificar produtos vencedores, e o mercado vai se tornar mais competitivo, em uma corrida para o topo? Minha opinião é: o escrutínio só vai aumentar.

A regulação da União Europeia é um avanço mais do que necessário. Uma lei de prevenção ao greenwashing serve para guiar todos nós em um novo mercado em que atributos ambientais e climáticos em produtos, serviços e investimentos são desejados. Precisamos de harmonização dessas regras para garantir que a economia do consumo sustentável não vai piorar a situação do planeta.

Os desafios da taxonomia sustentável ainda são enormes, e os consumidores são os mais afetados. Mas também são os investidores, parceiros comerciais, cidadãos e eleitores. Informação é poder, e vai ajudar a sociedade e o mercado a melhorar e prosperar em um clima estável e um meio ambiente equilibrado.