
A adoção de uma taxa de carbono sobre o transporte marítimo internacional, esperada para esta sexta-feira (17), naufragou. Os Estados Unidos conseguiram o barrar o acordo após fazer ameaças aos países que apoiassem a medida. A decisão foi adiada por um ano.
A proposta é discutida há anos na Organização Marítima Internacional (OMI), uma agência ligada à ONU, e ganhou apoio internacional em abril deste ano. O objetivo da medida é acelerar a descarbonização do setor, chegando a emissões zero até 2050.
Na semana da votação, divergências entre os países membros impediram a formação de um consenso. Na sexta-feira, Cingapura (anteriormente apoiadora do plano) propôs que o adiamento. A proposta recebeu o apoio da Arábia Saudita, que já era contra a regra.
O fracasso em aprovar a taxa é considerado um revés para os esforços multilaterais pelo clima às vésperas da COP30.
A Câmara Internacional de Navegação, que representa cerca de 80% da frota mundial de navios, lamentou o resultado e alertou que a incerteza sobre o futuro do plano ameaça os investimentos necessários para descarbonizar o setor.
“A incapacidade da OMI de adotar a estrutura nesta semana representa um fracasso da agência em agir de forma decisiva diante das mudanças climáticas”, disse Ralph Regenvanu, ministro das Mudanças Climáticas de Vanuatu, à Bloomberg.
Com a taxa, a estimativa era arrecadar cerca de US$ 10 bilhões anuais para compensar 1 bilhão de toneladas de emissões das frotas marítimas. A medida buscava acelerar a substituição do petróleo como principal combustível da navegação e estimular o uso de alternativas mais limpas, como a amônia verde.
Pressão dos EUA
Embora os Estados Unidos tenham anunciado sua saída do Acordo de Paris (a retirada formal só ocorrerá em 2026), o país segue exercendo influência significativa nas decisões climáticas internacionais.
No caso da proposta de taxar o carbono no mar, o argumento americano é que a medida elevaria os custos do setor em 10% ou mais, impactando os preços e o comércio global.
Para conquistar aliados, Trump chegou a ameaçar retaliações, incluindo tarifas portuárias, restrições de visto para tripulações marítimas e sanções a funcionários.
Na noite anterior à votação, ele publicou em sua plataforma Truth Social que os EUA não “vão tolerar este novo imposto global e fraudulento sobre o transporte marítimo” e conclamou outros países a “votarem NÃO em Londres amanhã”.
As tensões entre os países cresceram ao longo da semana, e na sexta-feira ficou evidente que a votação sobre a adoção do imposto estava seriamente comprometida. China, Grécia, Índia e Panamá – que haviam apoiado os planos em abril – optaram por adiar a decisão ou se abstiveram na votação.
Além da pressão direta, os EUA propuseram barreiras processuais para dificultar a implementação da taxa: mesmo com uma votação favorável, cada país teria que confirmar formalmente sua adesão, em vez de a medida entrar automaticamente em vigor por aceitação tácita. Esse passo extra tornaria mais lento e complexo o alcance global da taxa.
A influência americana superou os esforços europeus, que buscavam liderar a precificação do carbono no transporte marítimo. A União Europeia, que já calcula o carbono da sua frota, não conseguiu reunir apoio para aprovar o imposto.
“A decisão de adiar a votação mostra claramente que a liderança europeia nas negociações climáticas internacionais não é suficiente”, afirmou o vice-ministro do Clima da Polônia, Krzysztof Bolesta à Bloomberg. “Precisamos da cooperação de outros países, e eles ainda não são numerosos o bastante.”
Após a votação, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, comemorou o adiamento da decisão sobre o plano, em uma postagem na rede social X (antigo Twitter).
“Esta é mais uma grande vitória para o presidente Trump. Graças à sua liderança, os Estados Unidos impediram um enorme aumento de taxas da ONU sobre os consumidores americanos, que teria financiado projetos climáticos progressistas. Nosso país continuará liderando o caminho e colocando os Estados Unidos em primeiro lugar”, escreveu.
Problema climático
O setor marítimo responde por mais de 80% do comércio global e por 1% a 3% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, segundo a OMI.
A indústria libera cerca de 1 bilhão de toneladas de gases por ano – equivalente às emissões combinadas do Canadá e do México –, de acordo com a Clarkson Research, empresa especializada em dados sobre frota, comércio marítimo, tarifas de frete e transição energética.
A maior parte das embarcações ainda depende de combustíveis fósseis, e mesmo navios capazes de operar com alternativas mais limpas frequentemente não o fazem, devido a custos, disponibilidade limitada ou barreiras tecnológicas.
Agora, esse cenário parece estar mais distante.
“Estamos decepcionados que os Estados-membros não tenham conseguido chegar a um acordo sobre um caminho a seguir nesta reunião”, disse o Secretário-Geral da Câmara Internacional de Navegação, Thomas Kazakos, em um comunicado.
“A indústria precisa de clareza para poder fazer os investimentos necessários para descarbonizar o setor marítimo, em linha com as metas estabelecidas na estratégia de GEE da OMI”, disse.