OPINIÃO

Empresas brasileiras precisam olhar com atenção as leis da UE

Obrigações vão além da regra antidesmatamento (por enquanto adiada) e atingirão cadeias de fornecimento inteiras

Bandeiras da União Europeia
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Nos últimos cinco anos, a União Europeia aprovou uma série de legislações que estabelecem obrigações relacionadas à sustentabilidade corporativa ambiental e social.

São elas o Regulamento sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), a Diretiva de Due Diligence em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), a Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) e o Regulamento sobre Taxonomia para Atividades Sustentáveis (Regulamento da Taxonomia).

Tais normas impactam não apenas empresas situadas na Europa, mas também aquelas sediadas fora do bloco que fazem parte da cadeia de valor de empresas europeias, a exemplo de fornecedores brasileiros.

Este conjunto de normas faz parte do Pacto Ecológico Europeu, uma agenda política multidisciplinar que visa promover a transição europeia para uma economia mais sustentável, com metas ambiciosas para a redução das emissões de gases de efeito estufa até 2050. EUDR e CSDDD têm especial relevância pelo impacto significativo sobre empresas brasileiras integradas à cadeia de suprimentos de empresas europeias. Em linhas gerais: 

  • A EUDR proíbe a entrada no mercado da UE de commodities e produtos derivados (soja, carne bovina, borracha, cacau, óleo de palma e carne, madeira) cuja produção esteja associada a desmatamento legal ou ilegal. Para atingir esse objetivo, exige que os importadores estruturem sistemas de due diligence robustos para prevenir riscos de descumprimento por parte de seus fornecedores. 
  • A CSDDD exige que empresas conduzam um abrangente processo de due diligence de direitos humanos e ambientais, considerando não apenas suas próprias atividades, mas as operações de fornecedores ao longo de toda a cadeia de valor.

Ambos os normativos estão em vigor e, a princípio, apenas aguardam o início do período de implementação. No entanto, seguem em destaque na agenda política europeia, já que, nas últimas semanas, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco, sinalizaram a intenção de revisar alguns aspectos.

CSDDD e EUDR: o que está na pauta do dia

Em 14 de novembro, o Parlamento Europeu aprovou mudanças no EUDR, em especial o adiamento do prazo de início de aplicação de 30 de dezembro de 2024 para 30 de dezembro de 2025.

A prorrogação de 12 meses havia sido originalmente proposta pela própria Comissão Europeia, em resposta à pressão de diversas partes interessadas, incluindo importadores e autoridades fiscalizadoras nacionais, devido ao desafio de adequação às novas exigências dentro do prazo originalmente previsto.

O Parlamento aproveitou a oportunidade para introduzir emendas relevantes ao conteúdo, particularmente a criação de um novo nível de “risco zero” no sistema de classificação dos países produtores. Originalmente havia apenas três categorias: baixo, padrão e alto risco. Essas alterações estão em discussão entre o Parlamento, o Conselho e a CE. O chamado Trílogo precisa alcançar um consenso sobre o tema até o final do ano.

Quanto à CSDDD, também em novembro Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, anunciou a intenção de consolidar a CSDDD, a CSRD e o Regulamento da Taxonomia em uma única legislação, com o objetivo de eliminar redundâncias e simplificar as obrigações de monitoramento e reporte.

Ela enfatizou que a proposta preservará a essência do conteúdo e dos objetivos visados por cada um dos normativos, mas tornará o seu cumprimento menos burocrático.

A nova legislação deve ser apresentada ao Parlamento Europeu em 2025. Se isso se concretizar, a reabertura do processo legislativo abre espaço para que parlamentares introduzam outras emendas.

Entender o contexto de ambos normativos e a forma com que se relacionam é importante não apenas para se preparar para a aplicação, mas para participar das discussões sobre possíveis reformas.

Escopo de aplicação

Embora EUDR e CSDDD utilizem critérios distintos para definir o seu âmbito de aplicação, algumas empresas podem ser direta ou indiretamente abrangidas por ambos os atos. 

A EUDR aplica-se diretamente a qualquer empresa, independentemente da sua dimensão, que disponibilize e comercialize produtos relevantes no mercado da União (ou seja, importadores, distribuidores, varejistas).

Os requisitos de due diligence e as responsabilidades são mais rigorosos para aqueles responsáveis pela introdução dos produtos no mercado da UE. A regra impacta indiretamente os produtores e a todas as empresas que exportam produtos relevantes para a UE, pois devem fornecer aos importadores – seus clientes – a documentação necessária para provar a conformidade dos seus produtos.

Uma novidade da CSDDD é sua aplicação extraterritorial, ou seja, a empresas estrangeiras. A CSDDD responsabiliza diretamente empresas que fazem negócios na UE, mesmo que tenham sede fora da UE.

Para empresas sediadas no Brasil, a diretiva poderá ser aplicada a partir de 2027, de forma gradual, sobre as que gerarem receita líquida na UE superior aos seguintes limites: € 1,5 bilhão (2027); € 900 milhões (2028); € 450 milhões (2029 em diante). 

Obrigações

A CSDDD descreve as etapas essenciais para que as empresas integrem o due diligence em seus planos operacionais e estratégicos. Isso inclui processos para identificar riscos, definir prioridades, prevenir e mitigar impactos potenciais, bem como solucionar, minimizar, remediar e reparar impactos negativos reais, em suas próprias atividades e nas de parceiros comerciais, ao longo de suas cadeias de valor (tanto fornecedores quanto prestadores de serviço de transporte, ou distribuidores). 

No âmbito da EUDR, os importadores serão obrigados a implementar um sistema que previna e mitigue quaisquer riscos de violação, muitos dos quais coincidem com os cobertos CSDDD, como a prevenção do desmatamento, os direitos fundiários, os direitos dos povos indígenas e a proibição do trabalho forçado ou infantil.

Somente produtos com risco nulo ou insignificante poderão ser importados, mediante uma “declaração de due diligence” (na prática, um atestado de conformidade) emitida pelo importador durante o processo alfandegário para liberação da carga.

Em ambos os casos, o importador precisa implementar medidas claras para identificar, prevenir e mitigar riscos de violações potenciais. Ao contrário da CSDDD, o EUDR não prevê obrigações para minimizar, remediar e reparar impactos negativos reais.

Em outras palavras, o sistema de due diligence do EUDR é mais restrito, com maior ênfase na identificação rigorosa de riscos para evitar infrações (e, se necessário, bloquear fornecedores), e menos na colaboração com fornecedores para resolver impactos negativos já existentes.

O impacto para os brasileiros

Fornecedores brasileiros fora do escopo de aplicação direta da CSDDD podem ser indiretamente afetados se integrarem a cadeia de valor de empresas abrangidas. A CSDDD exige que as empresas responsáveis adotem procedimentos rigorosos de monitoramento sobre sua cadeia de suprimentos.

Isso trará repercussões aos contratos comerciais, com obrigações de fornecer informações, direito por reparação por danos, bem como exigir garantias de comprometimento com o código de conduta da empresa.

A interrupção da relação comercial com o fornecedor é apresentada como último recurso, em casos de não conformidade continuada e quando os impactos negativos reais ou potenciais forem muito graves. A regra é a do engajamento, buscando uma solução conjunta para os riscos de não conformidade da cadeia.

No contexto do EUDR, embora as obrigações de atestados de conformidade recaiam exclusivamente sobre o importador europeu, na prática, o importador exigirá que o exportador brasileiro apresente um sistema de documentação e due diligence alinhado aos critérios do regulamento, no qual o importador possa se basear.

Em outras palavras, o exportador deverá ser capaz de fornecer ao importador europeu toda a documentação necessária para garantir a conformidade. Do contrário, o importador não consegue emitir a declaração de due diligence, o que acarreta bloqueio imediato no acesso do fornecedor ao mercado europeu.

O desafio da adequação

A proteção de bens e direitos ambientais e sociais cobertos pelo EUDR e pela CSDDD exige que as empresas desenvolvam programas robustos de integridade considerando suas cadeias de valor.

Empresas não conformes podem enfrentar ações de responsabilidade civil, multas administrativas e/ou riscos de interrupção do acesso ao mercado europeu. Em vista das sobreposições entre os dois regulamentos, é mais eficiente que as empresas exportadoras mapeiem sua exposição tanto à CSDDD quanto ao EUDR, adotando uma estratégia de adequação integrada.

Isso significa que, apesar do período de implementação de três a cinco anos para a CSDDD, especialmente para as empresas também impactadas pelo EUDR (cuja implementação começará antes), é crucial iniciar as discussões o quanto antes. Engajar-se com parceiros comerciais, grupos multisetoriais e fóruns setoriais facilitará a estruturação e a alocação eficaz dos recursos necessários para garantir a conformidade.

* Bruno Galvão, special counsel do escritório alemão Blomstein, é advogado especializado em ESG e comércio internacional. Ana Carolina Vidal, também do Blomstein, é especializada em ESG e direito concorrencial