No passo mais concreto até agora na sua agenda de sustentabilidade, o Banco Central divulgou hoje um conjunto de regras relativas a riscos e oportunidades ambientais e climáticas, trazendo a questão ESG para o centro de regulação bancária.
Foram divulgadas quatro resoluções que tratam do gerenciamento de riscos sociais, climáticos e ambientais por parte dos bancos e que estabelecem regras para um reporte dessas questões que passará a ser obrigatório para as instituições financeiras a partir de 2023.
Outra normativa traz uma série de impedimentos de ordem socioambiental para a concessão de crédito rural, num primeiro passo para a construção do que o BC vem chamando de ‘birô verde’, uma ferramenta para dar mais transparência à concessão de crédito para o agronegócio e estimular práticas sustentáveis.
Gestadas há um ano, as medidas partem do entendimento de que a questão climática é um dos pilares para a estabilidade do mercado financeiro — e chegam num momento em que eventos climáticos estão afetando de forma significativa a inflação de preços.
“Ondas de calor, geadas, secas e outros eventos têm afetado os preços de alimentos e energia, com impactos significativos sobre a inflação brasileira”, disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto, na manhã de hoje. “No longo prazo, esses choques podem ter efeitos duradouros: afetam a produtividade, o crescimento econômico de longo prazo e a taxa de juros neutra.”
O regulador pretende incorporar as questões climáticas na gestão das reservas internacionais e quer rodar um teste de estresse para riscos climáticos até abril do próximo ano.
Clima é risco
Na essência, as resoluções divulgadas hoje têm pouca diferença em relação aos textos colocados em consulta pública ao longo dos últimos meses.
Na frente de gerenciamento de riscos, o BC está equiparando as dimensões sociais, ambientais e climáticas a outras já consideradas na gestão de risco tradicional das instituições financeiras.
Na prática, o BC está demandando que os bancos determinem de forma mais prospectiva possíveis perdas com fatores socioambientais e climáticos.
Desde 2014, a regulação exige que os bancos incorporem nas suas análises “riscos socioambientais”, mas a definição era muito abrangente. Agora, a regulação tipifica e estabelece exemplos para cada um desses riscos.
A lista inclui não só os riscos físicos, como gerados por eventos extremos como secas e enchentes, mas também os de transição, relativos à forma como os setores vão evoluir numa transição para baixo carbono — o que pode, por exemplo, reduzir o valor atribuído a reservas de combustíveis fósseis.
Os bancos de maior porte precisarão rodar testes de estresse para saber o que acontece se a mudança climática se materializar e avaliar fatores como concentração de risco em regiões ou setores mais suscetíveis a danos ambientais e climáticos.
“As instituições vão ter algum tempo para adaptar suas políticas e modelos de gerenciamento e tenho certeza que isso vai trazer muito mais segurança em relação a esses riscos”, afirmou o diretor de regulação, Otávio Damaso.
A nova regulação propõe estruturas de governança específicas a serem exigidas das instituições financeiras para gerir riscos sociais, ambientais e climáticos, e dá mais transparência às políticas que hoje são autodeclaradas, estabelecendo que elas precisam ser divulgadas a todo o mercado, com obrigação de estabelecimento de ações específicas para combater os riscos identificados.
TCFD ‘turbinada’
Outro conjunto de normativas estabelece as regras para a divulgação de informações sobre riscos sociais, ambientais e climáticos pelas instituições financeiras.
As informações serão consolidadas num novo relatório anual obrigatório, batizado pela sigla de GRSAC, a ser publicado em 2023, com informações relativas a 2022.
Trata-se de uma Task-Force on Climate-Related Disclosures (TCFD) ‘turbinada’. Enquanto o padrão de reporte internacional trata apenas de riscos e oportunidades climáticas, o BC brasileiro foi além para pedir informações sociais e ambientais mais amplas.
O Brasil está na vanguarda dos países que estão exigindo a divulgação de forma obrigatória nas instituições financeiras. Na maior parte das jurisdições, a adoção ainda é voluntária. Como os bancos precisam das informações dos clientes da sua carteira de crédito para avaliar o risco, a tendência é que haja um efeito-cascata, com maior adoção desse tipo de reporte também por parte das empresas não financeiras.
Outra diferença importante em relação às recomendações internacionais é que o BC está tentando colocar um padrão mais definido para a apresentação das informações, em tabelas.
“Estamos definindo algumas tabelas que devem ser padronizadas. Isso é relevante, porque ajuda a comparação pelos agentes financeiros e demais stakeholders que estão olhando as atitudes das instituições financeiras”, afirmou Damaso.
Nesta primeira etapa, está sendo contemplado apenas o aspecto qualitativo, referente à governança do gerenciamento desses riscos, incluindo as atribuições e responsabilidades do conselho de administração e da diretoria da instituição. Além disso, as instituições precisarão ainda apontar estratégias e processos para gerenciamento de risco e de capital no curto, médio e longo prazo, considerando cenários adversos.
Na segunda fase, com parâmetros a serem estabelecidos pelo BC até o fim do próximo ano, será obrigatória a divulgação de informações quantitativas, com metas e métricas.
Bola preta no crédito rural
Outra resolução divulgada hoje estabelece os parâmetros para operações de crédito rural que serão vetadas pelo Banco Central. São impedimentos que já existem, mas estão dispersos em várias leis e disposições infralegais e que o BC está trazendo para um único normativo — e, mais que isso, automatizando o Sistema de Operações de Crédito Rural (Sicor), de forma que ele consiga apontar operações assim que elas forem fechadas.
A ideia é ser uma “segunda linha de defesa” contra concessões de crédito para tomadores que não estão em conformidade com a legislação socioambiental.
“As instituições financeiras já têm que observar isso, mas, se por algum motivo passar, o próprio sistema vai reconhecer o risco, alertar os bancos e em alguns casos impedir mesmo a operação”, afirmou Damaso.
Por ora, já estão automatizadas as informações do número do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e de trabalho em condições análogas à escravidão.
O BC se comprometeu a incluir também informações sobre unidades de conservação, terras indígenas, terras quilombolas e áreas embargadas na Amazônia até junho de 2022, antes do próximo Plano Safra (que sempre tem início no começo de junho).
O regulador também está trabalhando numa segunda etapa do chamado “birô verde”de crédito, que é o estabelecimento de critérios que caracterizam práticas sustentáveis do agronegócio. O plano é concluir essa conceituação até o fim do ano.
Todas as informações do birô verde devem estar disponíveis no formato de open finance, mediante o consentimento do tomador do crédito. O plano é que as informações estejam abertas para instituições financeiras até o fim do ano e para qualquer outra empresa até o segundo trimestre de 2022.
O regulador entende que, de posse dessas informações, os credores poderão tomar decisões mais bem informadas e precificar adequadamente os empréstimos. “Isso inclusive vai possibilitar a emissão de green bonds lastreados em créditos que atendam a critérios de sustentabilidade”, diz Damaso.
O BC estuda junto com o Ministério da Agricultura e da Economia incentivos que possam ser concedidos dentro do Plano Safra a partir de critérios de sustentabilidade.