Está na mesa do governador da Califórnia uma lei aprovada pelo legislativo estadual que vai exigir das empresas e do setor financeiro algumas das divulgações climáticas mais estritas do mundo.
Caso seja sancionada, a legislação obrigará todos os negócios presentes no Estado e com faturamento superior a US$ 1 bilhão a informar suas emissões de gases de efeito estufa diretas e também indiretas.
Para os bancos, a regra institui reportes das “emissões financiadas”, ou seja, o carbono despejado pelas companhias das carteiras de empréstimo e de investimentos das instituições.
Dois motivos explicam por que a lei vem atraindo as atenções do mundo corporativo, mesmo sem a certeza de que vá entrar em vigor.
A Califórnia é o maior Estado americano em população e, se fosse um país, entraria em quinto lugar no ranking das maiores economias do mundo.
O Estado também está sempre na vanguarda das legislações ambientais americanas – muitas regras que surgem por lá influenciam decisões no resto do país.
A Califórnia lançou há dez anos seu mercado regulado de carbono, que impõe limites a companhias de setores altamente poluentes.
A lei aprovada esta semana, porém, tem um alcance muito maior.
Estima-se que cerca de 5.400 companhias se enquadrem nos critérios estabelecidos, incluindo gigantes como Walmart, Disney, Apple e Google.
“Precisamos de um retrato completo para fazer os profundos cortes de emissões que os cientistas afirmam ser necessários para evitar os piores impactos da mudança climática”, afirmou em comunicado o autor da lei, o democrata Scott Wiener.
O governador Gavin Newsom, também do Partido Democrata, tem até o dia 14 de outubro para sancionar a legislação.
O desafio do escopo 3
O nome oficial da legislação é Lei da Responsabilidade sobre os Dados Climáticos Corporativos.
Além de traçar uma linha de corte baseada no tamanho das empresas, não em volume de emissões, ela entra no controverso terreno do chamado escopo 3.
Este é o nome técnico para todo o carbono associado à cadeia de valor completa de uma empresa, da origem da matéria-prima ao descarte final do produto.
O cálculo é complexo por natureza – e hoje ainda baseado em extrapolações e dados setoriais ou regionais.
O texto aprovado pelo legislatura estadual prevê o início das divulgações obrigatórias de emissões diretas em 2026 e, em 2027, as indiretas.
A Securities and Exchange Commission (SEC), o órgão que regula o mercado de capitais americano, também quer tornar mandatórios esses relatos para companhias de capital aberto de um certo tamanho.
A proposta da SEC, apresentada há um ano e meio, foi recebida com críticas por políticos conservadores e também por algumas empresas, que afirmam que fazer a medição será complicado e caro demais.
Os bancos que têm negócio na Califórnia fazem a mesma queixa. “É extremamente difícil para as instituições financeiras calcular e relatar emissões de escopo 3 com alto nível de confiança”, afirmou ao Financial Times Sonja Gibbs, diretora do Institute of International Finance, uma entidade setorial.
Um levantamento do Federal Reserve, o banco central americano, indica que só 8 dos 30 maiores bancos do mundo medem seu escopo três, e ainda assim de maneira incompleta.
Já o setor de tecnologia, um dos mais importantes na economia local, apoiou o plano.
A Apple, que se compromete a atingir a neutralidade de suas emissões diretas e indiretas até 2030, foi uma das empresas que fizeram campanha pela lei.
Do outro lado, uma coalizão de negócios que inclui empresas de petróleo e gás, hospitais e do setor agrícola se formou para combater a proposta.
Mesmo com a assinatura do governador, já há especulações sobre as opções de contestação judicial. Eis uma das possiblidades: a regulação vai caber a uma agência ambiental californiana, que não teria poderes sobre companhias cuja sede fica fora do Estado.