‘Birô verde’ do BC vetou R$ 726 milhões em crédito rural em 2024

Agenda de sustentabilidade do regulador avança também na construção da taxonomia verde e monitoramento de riscos climáticos 

‘Birô verde’ do BC vetou R$ 726 milhões em crédito rural em 2024
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Um dos destaques da agenda de sustentabilidade do Banco Central, o ‘birô verde’ começa a mostrar seus primeiros resultados. 

Espécie de ‘Serasa da sustentabilidade’ para o crédito rural, ele bloqueou 1.235 registros de operações que estavam em desconformidade ambiental ou social em 2024 até junho, no valor de R$ 726 milhões, segundo a quarta edição do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos do Banco Central, publicada no dia 28. 

O regulador investiu, nos últimos quatro anos, em tecnologia e cruzamento de dados com outros órgãos (como o Ibama, Funai e Ministério da Justiça) para construir o sistema, diz Claudio Filgueiras, chefe do departamento de regulação, supervisão e controle das operações do crédito rural e do Proagro do Banco Central. 

“Hoje conseguimos fazer 1300 verificações em tempo real de qualquer crédito rural”, diz.

O birô analisa, no momento da contratação, se a propriedade financiada pelo crédito rural não tem sobreposição com terras indígenas, quilombolas, unidades de conservação, áreas embargadas, florestas públicas, além da situação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e existência de trabalho escravo. 

O crédito rural tem papel de destaque na agenda do BC devido à sua importância para a economia e para o sistema financeiro, representando 11,8% da carteira total de empréstimos dos bancos. Além disso, o setor agropecuário é fundamental nos esforços de mitigação das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

Com o tratamento e a análise de dados pelo BC, os bancos passaram a ser confrontados com indícios de operações com maiores riscos frente às próprias políticas e limites internos.

Além das operações bloqueadas, o birô evitou a efetivação de outras 30.609 tentativas de registro de crédito rural com inconsistências no CAR, como área do empreendimento fora do cadastro ou com o respectivo CAR sem relação com a área do empreendimento, num total de R$ 6,3 bilhões. 

O banco pode efetivar o registro de operações bloqueadas por inconformidades sociais ou ambientais e inconsistências no CAR, desde que saneie o problema identificado pelo BC. 

O que está por vir

Agora, o BC trabalha em um sistema de monitoramento das operações de crédito rural pós-contratação, para acompanhar de forma automatizada a conformidade do crédito durante toda a sua vigência. 

Desde seu lançamento, a ideia é que o birô funcione também como um ‘cadastro positivo’ por meio do open finance desses dados. Para isso, o BC está desenvolvendo um sistema de consultas a informações creditícias e ambientais dos credores rurais. Mediante autorização dos mutuários, ele permitirá que terceiros consultem seus dados de crédito, informações ambientais relativas às propriedades, assim como o CAR e embargos.

No pilar dos incentivos, o birô quer identificar práticas sustentáveis nas operações de crédito rural. A ideia é que as informações possam simplificar os processos de certificação para emissão de títulos verdes, além de servir de subsídio para políticas governamentais de incentivo ao crédito rural que possuam adicionalidades sociais e ambientais. 

Nesse ponto, a ação tem conexão com outra agenda, a da taxonomia sustentável brasileira

Taxonomia verde

Em finanças sustentáveis, os países têm adotado sistemas para classificar empreendimentos e atividades econômicas de acordo com seus efeitos ambientais, sociais e climáticos, para incentivar a destinação de recursos para aqueles com impacto positivo.

No primeiro trimestre de 2024, o financiamento global por meio de instrumentos financeiros sustentáveis – títulos de dívida e crédito bancário – foi de US$ 6,7 trilhões, segundo dados do Environmental Finance.

A taxonomia do Brasil deve ter sua primeira versão colocada em audiência pública entre o fim deste ano e início do próximo. “Pelo cronograma inicial, a implementação deve levar entre um ano e um ano e meio para letramento e adaptação”, diz Isabela Damaso, chefe de sustentabilidade e da gerência de relacionamento com investidores internacionais do BC. 

Desenhada por um grupo de trabalho liderado pelo Ministério da Fazenda, a taxonomia busca refletir os desafios sociais, além dos ambientais, comumente tratados em outros países. A brasileira pretende adotar objetivos sociais, como a redução de desigualdades regionais, de gênero e raciais. 

Balanço

O ‘birô verde’ e a taxonomia fazem parte da agenda de sustentabilidade do BC lançada em 2020. Ela contempla políticas que alinham o regulador brasileiro às políticas de outras autoridades monetárias mundo afora, ao reconhecer a questão climática como risco ao sistema e à política monetária. 

“Essa é uma agenda transversal no Banco Central, que precisa ter uma visão holística sobre o sistema”, diz Damaso. A agenda é formada por 21 ações, das quais 12 já foram concluídas.

Para 2025, o BC planeja revisitar as estimativas de impacto da materialização dos riscos de secas e chuvas intensas sobre as instituições financeiras. A ideia é agregar novas metodologias e cenários que estão sendo desenvolvidos no pela Network for Greening the Financial System (NGFS), que o BC brasileiro passou a integrar em 2020. 

No relatório de estabilidade financeira de maio de 2023, o BC apresenta uma análise da exposição da carteira de crédito das instituições financeiras em municípios brasileiros que apresentam risco de chuvas intensas. A projeção é que os bancos terão 15,5% da sua carteira de crédito em municípios expostos ao risco alto, chegando a 32,9% no cenário de 2050. 

O BC ainda planeja desenvolver soluções para georreferenciar exposições de crédito a riscos climáticos físicos. “À exceção do crédito rural, em que temos a coordenada geodésica [de onde o crédito é aplicado], monitorar a exposição é um desafio”, diz Sérgio Sequeira, chefe de subunidade do departamento de gestão estratégica e supervisão especializada do BC. 

O caminho tem sido fazer as instituições informarem a localização do projeto financiado no documento de risco social, ambiental e climático (DRSAC), que são obrigadas a submeter semestralmente ao regulador.

“As instituições têm obrigação de ter essa informação; o risco de crédito é dela, é ela quem conhece o cliente e onde aquele dinheiro está sendo alocado”, afirma Sequeira. Caso a instituição não tenha a informação da localização geográfica exata, o BC pede para informar o município ou Estado onde os recursos serão aplicados. 

As informações serão utilizadas para identificar entidades supervisionadas mais expostas a cada tipo de risco climático, apoiando o direcionamento das ações de supervisão.