Brasília – O marco legal do hidrogênio de baixo carbono foi sancionado em agosto em uma cerimônia concorrida no Palácio do Planalto. Em discurso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou o protagonismo do Brasil na nova fonte energética e a previsão de investimentos da ordem de US$ 30 bilhões, ajudados por R$ 18 bilhões em incentivos fiscais ao longo de cinco anos.
“Quando vejo esse pessoal falar de hidrogênio verde, de energia solar, eólica, biomassa, hidrogênio verde, eu fico pensando: qual país do mundo que pode competir com o Brasil? Qual é o país que tem condições de competir com o nosso nessa questão da transição energética?”, disse Lula.
A resposta a essa pergunta do presidente é simples: um país que tenha um órgão de controle efetivamente estruturado para regular, implementar e fiscalizar o assunto. E este não é o caso do Brasil.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é hoje um órgão esvaziado, sem condições orçamentárias e sem os recursos humanos para lidar de forma plena com suas responsabilidades atuais, quanto mais a nova tarefa de assumir uma série de novas atribuições.
Em entrevista ao Reset, o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, descreveu o quadro atual da agência. A ANP conta com 597 servidores ativos, dos quais 51 estão lotados em outros órgãos. Outros cem funcionários, entre terceirizados e estagiários, completam os quadros.
Com essa estrutura de pessoal, a agência já está descumprindo a lei de maio de 2004 que instituiu 780 cargos de servidores para a ANP – ou seja, há 132 cargos em aberto.
E as atribuições do regulador aumentaram e muito nos últimos 20 anos. Desde 2005 está sob sua alçada o biodiesel. Em 2021 foram colocadas sob sua responsabilidade novas atividades relacionadas ao mercado de gás natural.
Além da responsabilidade sobre as regras do hidrogênio de baixa emissão de carbono, a ANP também terá de definir e fiscalizar a introdução de outras fontes de energia na matriz nacional.
O PL do Combustível do Futuro, aprovado no Congresso no mês passado, estabelece mandatos para a nascente indústria do biometano, e a implementação caberá à ANP.
Por fim, a mesma legislação trata da tecnologia de captura, uso e armazenamento de carbono (CCUS), que permite o sequestro de gases do efeito estufa na fonte de emissão. Estabelecer as regras – e garantir seu cumprimento – também serão tarefas para a ANP.
É trabalho para mais servidores do que as 132 posições vagas, afirma Saboia.
“No último levantamento interno, realizado antes do recebimento da nova atribuição de regular o hidrogênio de baixa emissão de carbono, foi indicado um déficit de 379 profissionais”, diz o diretor-geral da ANP.
Baixo orçamento
O estrangulamento também fica evidente quando observada a situação financeira da agência. O orçamento deste ano representa menos de um terço do valor disponibilizado em 2013, o equivalente a apenas 18% do valor recebido naquele ano levando em conta a inflação. “Isso impacta as atividades da agência, de modo geral, e certamente impactará as novas atribuições recebidas”, afirmou Saboia.
A lista é extensa. Entre as necessidades que demandam recursos financeiros estão, por exemplo, capacitação do corpo técnico e compra de equipamentos para laboratório. Parte do trabalho da agência envolve testes regulatórios nos combustíveis comercializados hoje – e naqueles que virão por aí.
Os novos serviços também exigirão a estruturação de sistemas de computação capazes de receber, armazenar e analisar grandes volumes de dados, entre outras demandas que sejam identificadas como essenciais para as atividades ao longo do processo de regulamentação.
Nada disso é novidade, afirma Saboia. “A agência tem buscado alertar ao governo sobre as dificuldades que vem enfrentando”, afirmou.
Em julho, cortes orçamentários levaram a ANP a reduzir a abrangência da pesquisa do Levantamento de Preços de Combustíveis (LPC) que realiza semanalmente no país. O número dos postos revendedores de combustíveis automotivos ou gás de cozinha caiu de 10.920 para 6.255 (-43%). O número de cidades foi reduzido de 459 para 358 municípios.
Como já fez em outros anos, a ANP encaminhou este ano um novo pedido de autorização de concurso público ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, “A agência aguarda retorno sobre o pleito”, declarou a ANP. Procurado pela reportagem, o MGI não se manifestou até a publicação deste texto.
No geral, o quadro atual da ANP é adequado em termos de capacitação técnica, segundo Saboia. Mas a quantidade é insuficiente, e novos contratados em concurso público têm de passar por curso de formação interno – ou seja, a solução leva tempo.
No caso de tecnologias novas – como o hidrogênio verde – serão necessários recursos adicionais para capacitação de pessoal. O mesmo deve acontecer com a captura de carbono. Ambas são climáticas em desenvolvimento e constante atualização no mundo inteiro.
Pilotos
A ANP já elegeu medidas iniciais de reestruturação, como a revisão do regimento interno para reconhecer a regulação por “sandbox regulatório”. Trata-se de projetos piloto de regulação, até que todo o arcabouço normativo seja finalizado.
Além disso, será preciso estabelecer as competências de cada área da agência em relação à nova indústria. Saboia diz que será feito um novo estudo, para redimensionar a força de trabalho necessária.
O Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), elaborado pelo governo federal, prevê a criação de fontes de recursos para a transição energética, a partir do uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono. A ideia é oferecer incentivos para a pesquisa no setor e o apoio à indústria nacional, incentivando inovação tecnológica e desenvolvimento regional.
Pelo modelo, empresas produtoras de hidrogênio de baixo carbono poderão receber incentivos em ações como compra e importação de máquinas, por exemplo, além de materiais para construção de projetos no setor.
A lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo governo define o conceito de hidrogênio renovável como aquele de baixa emissão de carbono, um combustível ou insumo industrial coletado como hidrogênio natural ou obtido a partir de biomassa, etanol e outros biocombustíveis.
Essa lista também inclui o “hidrogênio eletrolítico”, produzido por eletrólise da água usando energias renováveis tais como solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano e geotérmica. Neste tipo de hidrogênio não podem ser utilizadas fontes fósseis como gás natural, ainda que se faça a captura e estocagem de carbono.
O hidrogênio é o mais leve dos elementos químicos e o gás mais abundante no Universo. Segundo relatório da ANP, seu conteúdo energético por unidade de massa é cerca de três vezes superior ao da gasolina automotiva. O hidrogênio é um combustível atrativo do ponto de vista ambiental, porque, durante a geração de energia, o produto gerado com a reação de oxidação do hidrogênio é apenas a água.