O fato de a COP deste ano acontecer em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, já indicava uma presença maior que a usual da indústria do petróleo na conferência do clima da ONU. O país é um dos cinco maiores exportadores de combustíveis fósseis do mundo.
Quando os anfitriões indicaram o sultão Ahmed Al Jaber para presidir o evento, uma atribuição que normalmente cabe a políticos ou diplomatas, as suspeitas se intensificaram. Al Jaber é CEO da petroleira estatal emiradense, a ADNOC.
Esta semana, em sua primeira parada de uma “turnê global” de promoção da COP28 – e para a surpresa de ninguém, é razoável afirmar –, Al Jaber defendeu a indústria do óleo e gás.
“O mundo ainda precisa de hidrocarbonetos e precisará deles para fazer a ponte do atual sistema de energia para o novo. Não podemos desconectar o sistema atual antes de construirmos o novo”, disse ele.
É evidente que é preciso trazer a indústria de petróleo – e outros setores altamente poluentes – para a mesa quando o assunto é descarbonização.
Mas, com os maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa jogando em casa, possivelmente com um apito amigo, muitos temem que o resultado da reunião global que tenta combater a mudança do clima já esteja decidido.
Conter o aquecimento é uma questão cada vez mais urgente. O objetivo de limitar a 1,5°C o aumento da temperatura global até o fim do século, expresso no Acordo de Paris, depende de um corte pela metade do lançamento de CO2 na atmosfera até o fim desta década.
Além do combate ao desmatamento (principal contribuição brasileira), serão necessários enormes investimentos em energias renováveis, incluindo uma transição por parte da indústria de óleo e gás.
Mas a crise energética global precipitada pela guerra na Ucrânia trouxe consigo lucros recordes para as petroleiras – e também mudanças de planos.
A britânica BP anunciou esta semana que vai desacelerar o ritmo da redução na produção de petróleo que estava prevista para esta década. Em vez de um corte de 40% em 2030, a companhia vai mirar em 25%.
Tom conciliador
Além de presidir uma petroleira, Al Jaber também é o chefe do Masdar, um veículo subsidiário do fundo soberano dos Emirados e responsável por mais de US$ 30 bilhões de investimentos bilionários em tecnologias de energia limpa.
Em sua aparição na cidade indiana de Bengaluru, o sultão tentou imprimir um tom conciliador à sua fala.
“Não é conflito de interesse [da indústria do petróleo com os objetivos globais de descarbonização]. A presidência da COP está ouvindo e pronta para dialogar.”
Como é impossível simplesmente abandonar a gasolina, os produtores do Golfo Pérsico, em especial os Emirados Árabes, argumentam que a saída é minimizar as emissões associadas a todas as etapas do processo, da extração ao refino.
“Temos de minimizar a pegada de carbono, só investir nos barris menos intensivos em carbono”, afirmou Al Jaber.
É a mesma estratégia traçada pela Petrobras em seus planos estratégicos mais recentes.
Mas ambientalistas e cientistas afirmam que isso é insuficiente, já que a maior parte das emissões dos combustíveis fósseis ocorrem no momento do consumo.
Uma COP crítica
A conferência do clima deste ano acontece entre 30 de novembro e 12 de dezembro, um pouco mais tarde que o normal por causa do calor naquela parte do mundo.
Além da sequência nas negociações sobre os mecanismos de compensação para os países mais vulneráveis, chamado de perdas e danos, a COP28 vai realizar o primeiro inventário global (global stocktake) desde o Acordo de Paris, em 2015.
Trata-se de um levantamento para determinar o progresso dos 193 países em relação às metas estabelecidas no documento.
No ano passado, às vésperas da reunião realizada no Egito, a ONU anunciou que os compromissos de cortes de emissões apresentados pelas partes da conferência estavam muito aquém do necessário.
Na forma atual, se cumpridos eles representariam um aumento de 2,5°C em 2100 em comparação com a era pré-industrial.