Pauta racial não avança nos bancos, diz diretor de pacto de equidade

Passado um ano de seu lançamento, Pacto de Promoção da Equidade Racial continua esperando a adesão do mercado financeiro – especialmente dos bancos

Pauta racial não avança nos bancos, diz diretor de pacto de equidade
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O Pacto de Promoção da Equidade Racial foi criado com o objetivo de colocar a desigualdade racial no centro da agenda ESG das empresas brasileiras.

Passado um ano de seu lançamento formal – e com a adesão de 20 empresas, algumas de grande porte –, o diretor-executivo da ONG, Gilberto Costa, demonstra grande frustração com um setor em particular: o financeiro.

A pauta da inclusão racial nos bancos e demais instituições do mercado é particularmente cara a Costa, que é negro e trabalha em bancos há 30 anos. Hoje, ele é executivo do private banking do J.P. Morgan.

Enquanto empresas como Ambev, Gerdau, Suzano e Vale já assumiram o compromisso, até agora apenas o Banco Fibra, instituição de médio porte controlada pela família Steinbruch, e a XP aderiram ao pacto.

“A quantidade de horas que a nossa equipe aloca para falar com os bancos é gigante. Mas nenhum dos grandes aderiu. Nem Itaú, nem Santander, nem Bradesco, nem Caixa Econômica, nem Banco do Brasil”, diz ele, dando nomes aos bois. “Todo mundo com quem a gente conversa fica andando em círculos”, completa.

Segundo ele, a apatia em relação à pauta não está só nos bancos. “É o mercado financeiro como um todo. B3, Anbima, Febraban. A B3, que é nossa apoiadora institucional, nunca mais voltou para falar sobre o assunto.” (Veja posicionamento da B3 ao fim da reportagem)

A última conversa com a bolsa para tratar da adesão da empresa, diz, aconteceu há seis meses.

Para ele, a razão para a pauta travar no setor financeiro está na liderança – ou na ausência dela.

“Aqui é a liderança. A liderança de Ambev, Vale e Gerdau foi quem puxou a agenda. A liderança dos bancos não está puxando essa agenda. Estão fazendo ação afirmativa achando que vai resolver. E não vai.”

O ponteiro deve começar a se mover, acredita, quando os investidores passarem a cobrar as empresas. 

“Diferentemente do mercado americano e europeu, onde os reguladores estão cobrando, aqui ninguém está cobrando ninguém. Volta e meia sai uma fotinho aqui [só com pessoas brancas], uma fotinho ali, dá um bafafá e depois passou, acabou.”

No ano passado, a XP Investimentos foi duramente criticada nas redes sociais depois que um de seus escritórios de agentes autônomos postou a foto de um encontro com colaboradores exclusivamente brancos e, em sua maioria, homens.

A companhia aderiu ao Pacto de Equidade logo após Costa conceder a entrevista ao Reset, no começo do mês.

Medir para avançar

Idealizado pelo empresário Jair Ribeiro, o pacto atraiu o endosso de 180 representantes de coletivos negros, empresas, investidores e acadêmicos, que colaboraram para a sua concepção. 

Diferentemente de outras entidades que atuam em torno da causa racial, sua proposta é bastante objetiva: atribuir uma nota às empresas com base na mensuração da desigualdade racial entre seus colaboradores e também nas ações tomadas por elas para combatê-la. 

A ideia é oferecer uma ferramenta que apoie os avanços de maneira prática.

Isso está empacotado dentro do Índice ESG de Equidade Racial, que faz um retrato da composição racial das empresas em três níveis hierárquicos distintos; avalia ações afirmativas, como a criação de programas de recrutamento exclusivos para negros; e também avalia os investimentos sociais privados feitos, por exemplo, em educação, empreendedorismo negro e formação técnica.

Um modelo matemático pondera tudo isso e resulta em uma nota para a empresa.

O índice é calculado pelas empresas, com apoio do pacto, mas tem que ser auditado anualmente por uma certificadora independente.

Empresas como Price, Deloitte, Bureau Veritas, MR Consulting, Diálogo Entre Nós, Educafro, Instituto Diversidade, Unegro estão iniciando agora o processo para se tornar certificadoras do índice.

Costa espera que até o fim de 2022 as primeiras empresas já comecem a divulgar seus índices.

Essa medição só vai se firmar como uma referência entre empresas e investidores se tiver uma elevada taxa de adesão. A meta declarada é ter entre 500 e 600 empresas participantes no prazo de até cinco anos.

Retrato setorial

Recentemente, o pacto lançou índices setoriais para servirem de parâmetro para as empresas. 

“Pegamos a RAIS dos últimos anos e apuramos o índice de equidade racial para cada setor da economia nos últimos 10 anos, em cada região do país”, explica o executivo.

A RAIS é a Relação Anual de Informações Sociais, documento com informações trabalhistas submetido anualmente pelas empresas ao Ministério do Trabalho e Emprego.

A expectativa é que isso dê mais conforto às empresas, permitindo que elas se comparem regionalmente e também setorialmente. A lógica é que uma indústria não quer ser comparada a um banco, por exemplo.

Mais uma vez, Gilberto Costa volta aos bancos. “Apuramos o índice para todos os bancos nos últimos dez anos e sentamos com a Febraban para apresentar, por banco de atacado e de varejo.”

Ele diz que a entidade foi receptiva. “Através da diretoria de sustentabilidade e de diversidade e inclusão, a Febraban ajudou e se mostrou aberta, mas os bancos não aderiram.”

O estudo mostra que, entre 25 subsetores, o segmento chamado de instituições de crédito, seguros e capitalização, que representa o setor financeiro como um todo, não está tão mal na foto. 

Mas, quando são analisados os bancos especificamente, os índices são bem piores.

O índice vai de ‘-1’, para uma composição totalmente branca, a ‘+1’, supondo uma composição 100% negra. Quanto mais próximo de zero, maior a equidade. 

Para o setor financeiro como um todo, em 2020, o índice de desigualdade racial estava em ‘-0,51’, ou seja havia 51% mais brancos do que negros no setor.

Nos bancos múltiplos, o índice em 2020 estava em ‘-0,8’, chegando a ‘-0,87’ nas diretorias. O quadro piora nos bancos de investimento, com índice geral de ‘-0,92’ e de ‘-0,99’ na diretoria –  ou seja, quase 100% de brancos nas posições da alta liderança. 

Posicionamento da B3

Em nota, a B3 afirma:

“O tema da Diversidade e Inclusão, além de ser uma prioridade desde 2018, faz parte das metas corporativas da Companhia desde 2020. A meta é definida juntamente com o Conselho de Administração e impacta 100% da organização, dos estagiários ao C-level, influenciando inclusive o pagamento da PLR. Ela acompanha anualmente o indicador de aumento de representatividade de públicos específicos, dentre eles pessoas negras, na B3.

O percentual de pessoas pretas e pardas, em todos os níveis da Companhia, passou de 11%, em 2019, para 20% em julho de 2022.

A participação de pessoas negras em vagas de estágio passou de 10%, em 2018, para 35% em 2021. Desses candidatos, 60% já foram contratados.

A entrada da B3 como apoiadora institucional do Pacto de Equidade Racial, em novembro de 2021, se soma a outras iniciativas da bolsa para a indução dessa agenda não apenas internamente, mas para todo o mercado.

Na mesma época, também anunciamos um programa de capacitação para pessoas negras voltado à atuação no mercado financeiro, com foco em empregabilidade. Tivemos 4.475 inscritos e, ao longo do programa, 125 participantes foram selecionados para a etapa final.

Os melhores alunos receberam uma bolsa para cursos preparatórios de importantes certificações, como CPA 20, broker, analista de investimentos e outras, abrindo novas possibilidades de atuação no mercado financeiro.

Na agenda de indução de mercado, a B3 está lançando, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e a Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, um Programa de Formação de Conselheiros Negros, com o objetivo de ampliar a diversidade nos conselhos de administração das companhias.”