COLUNA - PAULA DE SANTIS

Sustentabilidade no centro da maior feira de livros infantis do mundo

61ª edição da Feira de Bolonha faz acordo de cooperação com a ONU e escolhe o mar como tema de grandes questões ambientais e sociais

Feira de Livros Infantis de Bolonha
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Os livros infantis falam sobre sustentabilidade há muitos anos, no mundo todo. São inúmeras as obras de ficção, biografias, quadrinhos e informativas que abordam temas sensíveis para o futuro do planeta e de seus habitantes, com o objetivo de sensibilizar, informar e engajar leitores o mais cedo possível.

Este ano, pela primeira vez, o tema vai para o centro do palco da Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha, na Itália. Para a 61ª edição, que vai de 8 a 11 de abril, os organizadores fizeram um acordo de cooperação com as Nações Unidas e apresentarão dois debates internacionais e uma exposição de títulos de diferentes países dedicados aos desafios de sustentabilidade.

No primeiro dia do evento, o painel “Lendo para o planeta: livros infantis para um futuro sustentável” vai debater como os livros para jovens leitores podem levantar ideias complexas sobre o impacto de nossas ações no meio ambiente e fortalecer as crianças para que se sintam capazes de fazer a diferença em suas comunidades desde muito cedo. Participarão da discussão representantes da International Publishers Association, da Nações Unidas e da Unesco Greening Education Partnership (iniciativa global da entidade que ajuda países a lidar com a crise climática por meio da educação), assim como autores e editores.

No dia seguinte, a conversa gira em torno do tema “Planeta Oceano: ciência, política e cultura do mar nos livros infantis”. Uma mesa redonda vai explorar como os livros de hoje relacionam os mares com a vida humana e com a sociedade, considerando os oceanos como um habitat natural, realçando o problema dos microplásticos, as questões de fronteiras geopolíticas e imigração.

Em paralelo às discussões, além da exposição de títulos dedicados ao tema, haverá uma leitura coletiva da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1989 e assinada por 196 países, com a participação de autores e ilustradores de todo o mundo, cada um lendo em seu próprio idioma.

Um livro sobre o mar

A coluna deste mês aproveita a brisa salgada que vem de Bolonha e apresenta um livro bem brasileiro sobre o mar, os perigos que ele corre e a esperança de que ainda se pode fazer muito.

Maré, criado pelo autor e ilustrador carioca Mateus Rios, publicado em 2022 pela Editora Biruta, é um livro-imagem que narra um dia na vida de um pai e de uma filha que se preparam para uma manhã de surfe. Tirando a capa e a ficha catalográfica, o livro não tem palavras. Mas conta muita coisa.

A história começa com a imensa expectativa dessa garotinha enquanto seu pai a faz viver, sem pressa, alguns rituais antes da chegada à praia. Toda a preparação, porém, se transforma em uma enorme decepção ao constatarem, com os pés na areia, que o mar sumiu.

Poderia ser uma narrativa futurista, não fosse o peso do presente e das mudanças climáticas batendo à nossa porta todos os dias. Há lugares onde o mar já engole praias e a beirada de cidades, e outros onde é engolido pelo homem, literal e simbolicamente.

Depois de investigar, os personagens encontram sobre a areia animais enrolados em plásticos e muita sujeira. O recado é claro: a destruição do meio ambiente será (é?) o fim de todos nós. Contudo, assim como na Feira de Bolonha, a ideia é colocar o leitor para pensar e agir. Apenas as atitudes poderão mudar esse destino. E, sem precisar de nem uma palavra, o autor convida o leitor a fazer algo.

Com delicadeza. Dando ênfase à conexão e à bonita relação da menina com seu pai. E à de ambos com o mar.

Nessa obra, é preciso passar devagar pelas páginas – e cada uma das cenas – e ater-se aos detalhes. O mar está ali o tempo todo, mesmo longe da praia, mesmo em casa. Há um vínculo forte dos personagens com esse elemento, que reflete a importância dos oceanos na história do ser humano, de suas relações, aventuras e medos.

O livro-imagem pode parecer, à primeira vista, mais simples e fácil. Mais óbvio, talvez. É, porém, muito mais complexo, exigindo do autor uma imensa habilidade na construção de sentido para a história, usando como recurso apenas as ilustrações. Exige do leitor também um exercício intenso de associações, uso de repertório e interpretação.

Indo além, a leitura conjunta de Maré, em silêncio, abre caminho para longas conversas. Lixo na praia tem a ver com comportamento e com respeito em relação ao próximo e ao meio ambiente. Tem a ver com consumo e com os materiais que se usa para produzir qualquer coisa. Tem a ver com política pública, normas, fiscalização e punição. Tem a ver com o mar como fonte de renda e sustento para inúmeras famílias no mundo todo. Tem a ver com biodiversidade. Tem a ver com a vida.