
A energia solar é uma das principais alternativas para a expansão do setor elétrico brasileiro com baixas emissões de carbono. Mas o segmento tem uma oportunidade ainda mais significativa de contribuir para a mitigação da crise climática: internalizar, no próprio país, etapas estratégicas da cadeia de produção dos painéis fotovoltaicos.
Atualmente, a maior parte da transformação industrial do silício usado nesses painéis é feita na China, cuja matriz elétrica tem uma pegada de carbono cerca de 17 vezes superior à brasileira. O resultado é que, no ano passado, o Brasil importou cerca de 4 milhões de toneladas de CO2 equivalente por meio do silício embarcado nos painéis.
Para efeito de comparação, esse montante equivale a aproximadamente as emissões anuais de quase 880 mil carros movidos a gasolina ou cerca de 0,4% das emissões totais brasileiras em 2022.
A boa notícia é que o país poderia usar seu potencial de energia renovável para inverter ao menos parcialmente essa lógica e garantir uma energia solar ainda mais limpa. Isso depende da capacidade de combinar dois ativos estratégicos do país: uma matriz elétrica majoritariamente renovável – essencial, já que o processamento de silício é altamente intensivo em energia –, e as abundantes reservas nacionais de quartzo, principal matéria-prima do insumo.
Esse processo poderia atrair investimentos industriais ao país, reduzir as emissões de carbono na produção global e criar empregos qualificados. Ou seja, trata-se de um exemplo prático do conceito de powershoring, um movimento internacional de realocação de cadeias produtivas vinculada à disponibilidade de energia renovável.
Importante destacar que essa realocação produtiva não exige internalizar toda a cadeia do silício. O Brasil já produz silício metálico, etapa intensiva em energia e na qual o país possui vantagens comparativas. O avanço para o refino em polisilício, segmento de maior valor agregado e atualmente ausente no território nacional, representaria um salto estratégico.
Ao priorizar esses elos críticos da cadeia, é possível atrair investimentos, reduzir emissões e gerar empregos qualificados com um esforço fiscal muito menor do que as tentativas de verticalização completa vistas em políticas industriais amplas dos anos 1980.
A mudança aumentaria a complexidade da indústria nacional e melhoraria as condições da balança comercial relativa ao produto, hoje muito desfavorável porque baseada na exportação de silício metálico bruto com baixo valor agregado e importação de módulos solares com alto valor agregado, com silício de altíssima pureza (polisilício).
Desafio
O custo relativamente elevado é o principal desafio para a produção nacional. Mas a precificação do carbono pode ajudar a inverter essa lógica. Um exemplo disso pode ser observado considerando os valores praticados na venda de sistemas fotovoltaicos para a Europa.
Nossas estimativas indicam que, numa hipótese conservadora, o custo inicial do silício brasileiro com padrão solar é de US$ 15/kg, contra US$ 6/kg da empresa chinesa mais competitiva que identificamos. Mas, com a precificação do carbono a US$ 120 por tonelada, o Brasil já seria mais competitivo em polisilício – pelo menos para a venda na Europa – do que a China.
Atualmente, o preço médio do carbono naquele continente é da ordem de US$ 90 por tonelada de CO2 equivalente. Uma vez viabilizada economicamente, essa produção nacional também poderia atender a demanda local por silício, estimada em 34,5 mil toneladas métricas por ano na próxima década.
A transformação da cadeia produtiva do silício tem tudo, portanto, para ser um caso de sucesso na nova dinâmica do powershoring. E pode ir muito além: para além de atrair investimentos produtivos, vai permitir que a energia solar se retroalimente e, no fim do dia, seja ainda mais limpa.
*Edlayan Passos é especialista em Energia do Instituto E+ Transição Energética.