OPINIÃO

Procedência importa: lei antidesmatamento da UE é oportunidade para o Brasil 

País pode fortalecer sua imagem internacional e garantir que a procedência territorial deixe de ser um risco e passe a ser um diferencial competitivo

Plano para acabar com desmatamento associado à produção de commodities agrícolas recebe críticas

Com a nova lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês), o comércio internacional passa a incorporar, de forma inédita, critérios ambientais e fundiários vinculativos à importação de produtos agrícolas e florestais.

A norma, que entra em vigor em dezembro deste ano, estabelece um escopo taxativo de commodities — como carne bovina, soja, café, cacau, óleo de palma e madeira — e impõe que apenas itens livres de desmatamento e em conformidade com a legislação local sejam admitidos no mercado europeu. A margem de interpretação é mínima: ou se comprova a origem legal e sustentável dos produtos, ou o acesso ao bloco será barrado.

A responsabilidade legal recai sobre o “operador”, ou seja, aquele que insere o produto no mercado da UE. Não basta confiar em declarações genéricas de fornecedores: é exigido um processo de due diligence rigoroso, baseado em evidências concretas como georreferenciamento da área produtiva, provas documentais da conformidade com normas locais e ausência de desmatamento após o marco de 31 de dezembro de 2020. 

Essa rastreabilidade precisa abranger não só a propriedade diretamente produtora, mas também os insumos envolvidos na cadeia — incluindo, por exemplo, a origem da soja utilizada na alimentação de animais em sistemas de pecuária.

É nesse ponto que os desafios brasileiros se tornam mais evidentes. A base fundiária mais utilizada para esse tipo de verificação, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), embora essencial para a gestão ambiental, tem natureza autodeclaratória e não passou por processos generalizados de validação. 

A depender do nível de risco percebido, um operador europeu poderá ser obrigado a realizar avaliações adicionais, sob pena de incorrer em negligência regulatória. Isso inclui confrontar dados com imagens de satélite, registros públicos e auditorias técnicas, aumentando o custo e a complexidade da conformidade.

Esse novo cenário cria uma demanda concreta por soluções estruturadas de verificação territorial. No Brasil, algumas iniciativas já vêm atuando nessa direção. Naturalmente, para atendimento aos padrões de conformidade, a cadeia produtiva e players de comércio exterior devem demonstrar a capacidade de integração entre dados públicos e inteligência georreferenciada para análise de riscos fundiários e ambientais. 

Por meio do cruzamento entre cadastros oficiais, imagens orbitais e normativa aplicável, os interessados deveriam mapear com maior segurança a procedência territorial de empreendimentos e cadeias produtivas, auxiliando os exportadores a atenderem aos requisitos da EUDR sem depender exclusivamente de registros fragilizados. 

Soluções jurídicas integradas devem fazer parte da rotina do produto rural, da agroindústria e do comércio exterior para fazer prova frente às exigências legais de ingresso a mercados internacionais. 

A classificação do Brasil como país de “risco padrão” implica, na prática, a exigência de due diligence plena. Poucos países receberam o rótulo de “alto risco”, o que transforma o nível intermediário numa exigência operacional comparável. A eventual reclassificação para um status de “baixo risco”, o que implicaria simplificação de processos, dependerá de esforços diplomáticos consistentes e de maior articulação entre o setor público e o setor exportador. 

Enquanto isso, cabe às empresas anteciparem ajustes contratuais e estruturarem mecanismos internos de verificação de origem, sob pena de verem seus produtos barrados por falhas documentais ou inconsistências fundiárias.

A lei antidesmatamento da UE inaugura um novo paradigma de regulação baseada em evidências territoriais. Certificações privadas podem funcionar como elementos complementares, mas não substituem a verificação imposta pela norma europeia. Em um ambiente de incerteza interpretativa, as autoridades de fiscalização ainda não fornecem respostas conclusivas, o diálogo bilateral e a construção de soluções locais ganham protagonismo. 

Mais do que uma imposição externa, trata-se de uma oportunidade para o Brasil requalificar sua infraestrutura cadastral, fortalecer sua imagem internacional e garantir que a procedência territorial deixe de ser um risco e passe a ser um diferencial competitivo.

*Pedro Szajnferber De Franco Carneiro é advogado, especialista em Direito Ambiental pela FGV/SP e Universidade de São Paulo, MBA em ESG pelo IBMEC. Sócio de SPlaw Advogados.

*Luiz Ugeda é advogado e geógrafo, é doutor em geografia com pós-doutorado em direito; fundador do portal Geocracia. Consultor de SPlaw Advogados.