COLUNA - ANA LUCI GRIZZI

O risco da natureza para os negócios: preparado para a nova fase do jogo?

Não é conversa de ambientalista: empresas e instituições financeiras estão cada vez mais atentos aos impactos sistêmicos do capital natural – sejam eles positivos ou negativos

O risco da natureza para os negócios: preparado para a nova fase do jogo?
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Se você ainda está engatinhando na abordagem climática do seu negócio, sugiro acelerar o passo. Por quê? Simples: a ficha caiu globalmente e entendemos não apenas que a base da economia é a disponibilidade de capital natural – matérias-primas e insumos originados de biodiversidade e serviços ecossistêmicos –, mas também que riscos climáticos são riscos de natureza.

Adicione um grão de sal a esse cenário: ao tratar de capital natural e clima, os impactos são sistêmicos, sejam eles positivos ou negativos. Alterando um elo da cadeia de valor, temos alteração em toda a cadeia (efeito cascata). Isso não é discurso de terceiro setor, isso é a nova abordagem econômico-financeira.

Em 2020, o BIS já havia desenhado a abordagem de capital natural como base da economia em seu relatório O Cisne Verde. Naquele mesmo ano, o Fórum Econômico Mundial publicou o relatório Riscos Emergentes de Natureza: por que a crise envolvendo assuntos de natureza importa para os negócios e a economia, alertando sobre a materialidade desses fatores para os negócios.

Em 2021, a OCDE publicou dois relatórios: Biodiversidade, Capital Natural e a Economia, com diretrizes de políticas públicas para ministros das finanças e do meio ambiente, e o Trabalho da OCDE em Suporte à Biodiversidade, com análises baseadas em evidências e dados para assistir governos no desenvolvimento de políticas públicas de natureza com efetividade ambiental e econômica.

Em 2023, foi lançada a TNFD – Força-Tarefa para Reporte de Dados Financeiros de Natureza, uma prima mais nova da TCFD, baseada nos mesmos pilares (governança, estratégia, gerenciamento de riscos e impactos e metas e métricas), dedicada a todos os temas de meio ambiente, exceto clima. Ainda em 2023, a OCDE publicou o relatório Padrão de Supervisão para Avaliar Riscos Financeiros Relacionados à Natureza: identificando e navegando os riscos de biodiversidade.

Em 2024, o IFRS elegeu biodiversidade, ecossistema e serviços ecossistêmicos como temas de trabalho para decidir se eles devem ser objeto de padrões de reporte, potencialmente compondo o futuro S3.

Mas a conexão de riscos climáticos com riscos de natureza no cenário financeiro é ainda mais recente: no início de julho, a NGFS – Rede para Esverdeamento do Setor Financeiro, formada por mais de cem bancos centrais no mundo, dentre eles o Banco Central do Brasil (sim, você leu certo, não é uma organização do terceiro setor, são os chefes da política financeira global), publicou o relatório Riscos Financeiros de Natureza: um padrão conceitual para guiar a ação dos bancos centrais e supervisores.

Neste relatório, a NGFS reconhece que riscos financeiros relacionados à natureza podem ter impactos macroeconômicos significativos, e o insucesso em se responsabilizar por eles, mitigá-los e adaptar-se a eles é uma fonte relevante de riscos à estabilidade financeira.

Vejamos alguns pontos esclarecedores do relatório:

  1. Abordagem integrada

Ao elaborar o padrão conceitual, a NGFS integrou temas de clima e natureza, uma vez que esses dois riscos estão fortemente interconectados. Por serem mais amplos, a NGFS define que os riscos de natureza contêm os riscos climáticos.

Pausa para avaliação: confesso que resisti por um bom tempo a fazer a segregação entre temas ambientais e climáticos. Meio ambiente engloba clima, assim como água, solo, etc. Mas, estando escolada no diferencial da semântica para levar sustentabilidade ao mercado financeiro e à agenda da liderança, ajustei o discurso. Nada como ver a evolução de entendimento, capitaneada pelos bancos centrais, para mostrar que um é parte do outro.

  1. Padrão principiológico de avaliação de risco

A NGFS propõe um padrão que ajude bancos centrais e supervisores a identificar e avaliar riscos financeiros de natureza que sejam materiais, além de auxiliar no desenvolvimento de políticas e ações relacionadas. Com esse propósito, a NGFS apresenta considerações que podem ser relevantes na abordagem microprudencial, macroprudencial e/ou macroeconômica (afetando estabilidade financeira ou de preços). 

  1. Riscos de natureza físicos e de transição

Sem reinventar a roda, a NGFS classificou os riscos de natureza como físicos (decorrentes de degradação da natureza, incluindo biodiversidade, e perda de serviços ecossistêmicos) e de transição (decorrentes de desalinhamento de atores econômicos com ações que visem proteger, restaurar e/ou, reduzir impactos negativos na natureza).

  1. Papel do setor financeiro

A NGFS deixa claro que o setor financeiro não é apenas responsável por negócios que geram impactos negativos na natureza, mas também desempenha papel de facilitador de tais atividades. Comentário simples para quem já navega nos riscos climáticos financeiros: é o mesmo cenário das emissões de gases de efeito estufa financiadas e facilitadas.

  1. Fases de Avaliação

A NGFS propõe três fases: identificação e priorização de fontes de riscos de natureza físicos e de transição, avaliação de riscos econômicos, avaliação de riscos de, para e no sistema financeiro.

Na largada, para identificar e priorizar riscos de natureza materiais, a NGFS destaca a relevância do olhar para o futuro (análise de cenários), específico em localização e dimensões sistêmicas da abordagem. Aqui o meu comentário: se você ainda não o fez para clima, por favor, aposente a avaliação de risco no modelo business as usual, ela é inócua para tratar de temas de sustentabilidade!

O resultado da análise de exposição inicial indicará setores e/ou serviços ecossistêmicos mais propensos a serem fonte de riscos materiais, podendo ser priorizados como ponto de partida para as fases seguintes.

Na segunda fase, devem ser avaliados os efeitos diretos e indiretos (aqueles que cascateiam pela cadeia de valor), efeitos micro (negócios e famílias), macro (preços, produtividade, investimento, mudanças socioeconômicas, balanço fiscal, comércio, fluxo de capital, em particular afetando inflação e PIB), setoriais e regionais e viabilidade de substituição (em termos geográficos e tecnológicos).

Na terceira fase, devem ser considerados os riscos financeiros decorrentes das exposições às fontes de riscos físicos e de transição, de forma direta ou mais provavelmente via atividades financiadas.

A NGFS conclui o relatório ilustrando com 2 exemplos o padrão principiológico proposto para avaliar riscos financeiros de natureza: o da Bacia do Rio Colorado (nos EUA) e da Floresta Amazônica. Para quem estava achando que natureza, Marco Global de Biodiversidade e COP16 eram temas distantes do bottom line e da Faria Lima, sugiro repensar (e rápido!). Essa nova fase do jogo já foi liberada! Natureza e clima são interrelacionados, o primeiro engloba o segundo e ambos, como riscos financeiros, impactam a geração de valor dos negócios.