
A COP30 tem a ambição de ser a conferência da implementação, para que compromissos assumidos sejam traduzidos em resultados concretos em curto prazo. Nesse contexto, a inteligência artificial surge como aliada capaz de acelerar e ampliar a escala da transição climática.
Ela reforça a eficiência energética, impulsiona a inovação em modelos de baixo carbono, fortalece a adaptação a eventos extremos, aprimora o monitoramento e torna a governança mais transparente, criando condições para que governos, empresas e sociedades atuem de forma coordenada.
O tema já aparece nos documentos preparatórios da UNFCCC e em debates técnicos que antecedem a conferência. A ênfase está no potencial da tecnologia para fortalecer mecanismos de transparência, apoiar o monitoramento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e acelerar a implementação de políticas climáticas em escala.
O debate global começa a se refletir nos setores produtivos, onde os ganhos potenciais já podem ser observados. Na indústria, algoritmos já permitem reduzir o consumo de energia e viabilizar a manufatura circular. Na agricultura, a IA fortalece práticas regenerativas, aumenta a produtividade e ajuda a conter o desmatamento e as perdas de biodiversidade. Também amplia o uso de renováveis na energia e acelera a eletrificação e os combustíveis limpos nos transportes.
O uso da IA pode reduzir significativamente o consumo em vários setores. A Agência Internacional de Energia projeta que a adoção em larga escala de aplicações já existentes poderia reduzir em torno de 5% o consumo global até 2035, enquanto novas aplicações combinadas a internet das coisas e automação poderiam alcançar até 40%, segundo estudos do Lawrence Berkeley National Laboratory nos Estados Unidos, do Fraunhofer Institute na Alemanha e do Imperial College London no Reino Unido.
Mas o avanço acelerado da inteligência artificial pode vir com dilemas. A tecnologia já responde por metade do processamento dos data centers, que consomem 1,5% da eletricidade global e podem chegar a 3% até 2030.
O saldo líquido será positivo apenas se governos e empresas priorizarem eficiência, integrarem renováveis e estabelecerem limites claros, para que a expansão da IA não comprometa a transição energética.
Esse equilíbrio será decisivo para a credibilidade das promessas que estarão em pauta na COP30.
Adaptação
A inteligência artificial também tem papel relevante na adaptação a um clima cada vez mais instável. Modelos avançados permitem prever secas, enchentes, incêndios e ondas de calor com maior antecedência, viabilizando alertas que salvam vidas e reduzem perdas econômicas. Na saúde pública, antecipam surtos de doenças como dengue e malária. Na agricultura, apoiam agricultores familiares a se adaptar e reduzir riscos. Em situações de desastre, orientam o socorro, indicam rotas seguras e contribuem para reconstruções resilientes.
A justiça climática é outro eixo em que a IA pode fazer diferença. Quando usada de forma inclusiva, amplia a voz e a capacidade de ação de quem mais sofre os efeitos da crise ambiental. Ao antecipar riscos em territórios vulneráveis, apoiar a agricultura familiar e dar transparência às cadeias produtivas que afetam comunidades locais, a tecnologia ajuda a reduzir desigualdades estruturais.
O acesso aberto a dados e modelos permite que sociedade civil e povos indígenas monitorem o uso da terra, enquanto governos e empresas direcionam investimentos em proteção social e infraestrutura. A justiça climática depende de que a IA seja democratizada, evitando a concentração da inovação em poucos países e corporações.
O monitoramento é um dos campos em que a inteligência artificial mais rapidamente amplia a capacidade de implementação. No nível local, empresas rastreiam emissões em tempo real enquanto comunidades utilizam plataformas digitais para acompanhar a qualidade da água, do ar e o uso da terra em seus territórios.
Em escala nacional, sistemas de IA apoiam políticas públicas e metas climáticas com dados verificáveis e cenários de transição. No plano global, modelos integram informações de diferentes países, projetam trajetórias de aquecimento e simulam impactos de políticas, reduzindo incertezas e fortalecendo a governança climática.
Transparência
A inteligência artificial também eleva o patamar de transparência da agenda climática. Nas cadeias de suprimento, algoritmos revelam a origem de matérias-primas, identificam riscos socioambientais e reduzem brechas para o greenwashing. No setor financeiro e de seguros, permitem avaliar compromissos de descarbonização, mensurar riscos climáticos e comparar estratégias empresariais com maior clareza.
Em nível governamental, possibilitam tornar públicos os resultados de políticas de forma acessível e auditável, fortalecendo a integridade dos compromissos e incentivando governos, empresas e sociedades a alinhar suas ações.
Monitoramento e transparência, quando combinados, multiplicam o potencial de coordenação. Governos alinham políticas públicas com maior clareza sobre seus efeitos, empresas ajustam estratégias em tempo real e comunidades participam do acompanhamento das metas. Ao reduzir assimetrias de informação, a inteligência artificial transforma esforços dispersos em iniciativas convergentes.
No plano internacional, a inteligência artificial pode tornar a cooperação mais efetiva ao padronizar dados e reduzir incertezas entre países. As NDCs passam a contar com métricas verificáveis, o que fortalece a confiança e evita disputas baseadas em informações frágeis.
Essa transparência dá legitimidade às negociações multilaterais e aumenta a pressão para que compromissos assumidos sejam cumpridos, ampliando a convergência global em torno do Acordo de Paris.
As novas tecnologias, e em especial a inteligência artificial, têm enorme potencial para acelerar e ampliar a implementação dos acordos firmados nas conferências do clima. Esse potencial não se realiza por inércia tecnológica, mas depende de decisões políticas que estabeleçam prioridades claras, de políticas públicas bem desenhadas, de investimentos consistentes em inovação e de estratégias de negócios que integrem sustentabilidade à competitividade.
É essa convergência que pode transformar a promessa da COP30 em resultados concretos.
A geopolítica da inteligência artificial também terá reflexos diretos na agenda climática. A infraestrutura necessária para treinar e operar modelos avançados está hoje concentrada em poucos países e grandes corporações, o que gera riscos de dependência e assimetria de poder.
Sem políticas que assegurem soberania digital e cooperação internacional justa, muitos países correm o risco de se tornar apenas usuários passivos de soluções definidas externamente.
Para que a COP30 seja de fato a conferência da implementação, será fundamental democratizar o acesso a dados, modelos e infraestrutura de IA, reduzindo desigualdades globais e fortalecendo a confiança nas negociações multilaterais.
A expansão da inteligência artificial precisa ser acompanhada de governança adequada, já que a tecnologia traz riscos de vieses algorítmicos, concentração de poder em poucas empresas e aumento da desigualdade digital.
A governança climática apoiada em IA só será legítima se houver regras claras de transparência, auditoria e responsabilidade no uso da tecnologia.
Para conselhos de administração e investidores, isso significa garantir que a adoção de IA esteja acompanhada de mecanismos de accountability e métricas robustas de impacto, evitando que ganhos de eficiência sejam neutralizados por riscos reputacionais, regulatórios ou mesmo litígios futuros.
* Regina Magalhães é especialista em sustentabilidade, transformação digital e finanças sustentáveis. Atuou em organizações como Microsoft, IFC, Schneider Electric e Johnson Controls, e tem doutorado em Ciências Ambientais.
Olivia Ferreira é Senior Advisor em Estratégia e Efetividade de Conselhos na Accenture para a América Latina. Integra o Comitê Executivo do Código Brasileiro de Stewardship (AMEC & CFA Society) e o Comitê de Pessoas, Governança e Nomeação do CEBDS. Atua há mais de 20 anos em C-level e Board Advisory com foco em governança corporativa, liderança, inovação e sustentabilidade.