
Cadastros costumam ser vistos como meras formalidades burocráticas. Mas e se um deles pudesse ajudar a redefinir os rumos de uma economia comprometida com impacto positivo socioambiental?
Com prazo para cadastramento até 30 de junho, o recente lançamento do Cadastro Nacional de Negócios de Impacto, o Cadimpacto, pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, marca mais um passo na consolidação de políticas públicas voltadas ao fortalecimento da economia de impacto no Brasil.
Com o objetivo de mapear, reconhecer e dar visibilidade a negócios que conciliam resultado financeiro com impacto social e ambiental positivo, a ferramenta representa uma resposta concreta ao desafio de compreender as necessidades desse tipo de empreendimento — cuja natureza jurídica ainda não permite uma classificação automática como tal.
A criação do Cadimpacto está alinhada à Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto), política pública estabelecida em 2017 e hoje regulada pelo Decreto Federal 11.646/2023. Essa estratégia tem se mostrado uma iniciativa relevante de articulação entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada, com o intuito de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de negócios voltados à transformação social e ambiental.
Os avanços recentes são expressivos: em 2024, foram R$ 250 milhões mobilizados em investimentos e editais, além de um aporte público de R$ 6,8 bilhões no primeiro leilão do programa Eco Invest Brasil, com alavancagem média de 6,5 vezes.
O lançamento do Cadimpacto, nesse cenário, é uma medida de contribuição para produção de melhores políticas públicas para este novo segmento econômico, composto tanto por empresas quanto por organizações da sociedade civil.
O cadastro está organizado em três níveis – bronze, prata e ouro – a depender do grau de maturidade do negócio e da sua capacidade de demonstrar compromisso e mensuração de impacto. O formulário permite que empreendimentos em diferentes estágios sejam incluídos. Ele inclui desde informações básicas – como estrutura jurídica e redes sociais – até dados mais estratégicos – como a reinversão de lucros para gerar impacto positivo socioambiental, presença de grupos historicamente minorizados e metodologias de avaliação de impacto.
Embora o preenchimento de algumas informações mais sensíveis – como perfil de clientes ou fontes de capital – exija atenção e eventual análise prévia, a maior parte dos dados solicitados é rotineira e solicitada de modo agregado com proteção de privacidade.
Alguns desafios no uso deste cadastro precisam ser considerados: o engajamento dos negócios de impacto para voluntariamente inserir suas informações na plataforma e, de outro lado, a efetividade dos órgãos públicos em ajustar suas linhas de atuação de modo a beneficiar este novo segmento econômico com a celeridade que o contexto exige.
É fundamental destacar que o cadastro não gera, por si só, acesso direto a financiamento, subsídios ou incentivos fiscais. Tampouco constitui certificação oficial como negócio de impacto.
No entanto, os benefícios indiretos são expressivos. O cadastramento representa uma oportunidade estratégica para que negócios de impacto com vocação transformadora ampliem sua visibilidade, se alinhem a uma política pública em expansão, reforcem sua credibilidade perante investidores e parceiros e contribuam ativamente para a construção de um banco de dados que permitirá diagnósticos mais precisos, formulação de políticas públicas mais eficazes e, futuramente, acesso a linhas de apoio específicas.
Do ponto de vista jurídico, o Cadimpacto também pode servir como estímulo para reflexões internas dos negócios de impacto sobre governança, estrutura de tomada de decisões, compromissos com impacto e formas de mensuração. Muitas organizações do terceiro setor e empresas já realizam esse trabalho na prática, mas nem sempre com o vínculo jurídico necessário para demonstrar seu valor estratégico.
O processo de cadastro pode ser, portanto, um momento oportuno para rever atos constitutivos, aprimorar mecanismos de transparência e consolidar o posicionamento institucional como ator relevante da economia de impacto.
Iniciativas privadas – como aceleradoras, incubadoras, family offices ligados a princípios ESG – que estejam alinhadas à agenda de impacto devem aproveitar essa oportunidade que pode redefinir o relacionamento entre o setor público, investidores e empreendimentos comprometidos com a transformação social e ambiental.
Em um cenário global de crise climática e com mudanças em compromissos de diversidade de inclusão é importante que entidades aderentes à economia de impacto possam assumir protagonismo, voz e acesso a instrumentos formatados pelo poder público.
*Aline Gonçalves Videira de Souza é sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Doutora em administração pública e governo pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas e integrante do Comitê da Enimpacto representando a Global Alliance of Impact Lawyers.