OPINIÃO

O enigma das seguradoras nas finanças sustentáveis: inativas ou precisas nos negócios?

Na prática, à medida que as mudanças climáticas vão se convertendo em questões de negócio, a experiência para lidar com elas são superiores às de outros segmentos

O enigma das seguradoras nas finanças sustentáveis: inativas ou precisas nos negócios?

No campo das finanças sustentáveis, muitas vezes se considera que as seguradoras estão atrasadas em relação a outras instituições financeiras na gestão de questões ambientais, sociais e de governança (ESG). De fato, avaliações indicam que as entidades de seguros possuem práticas menos consolidadas do que bancos e gestoras de fundos. No entanto, não é correto considerar que esta indústria multicentenária não possui as melhores capacidades para enfrentar desafios climáticos e sociais.

Pesquisas recentes apontam que as companhias seguradoras estão entre as instituições financeiras com menos comitês diretivos dedicados ao clima e com políticas e práticas pouco consistentes. Essas análises tornam-se especialmente duras quando os resultados são comparados com os de bancos e gestoras. 

Entre as razões apontadas para esse aparente distanciamento de outros segmentos das finanças nesta agenda, está o menor nível de regulação ESG específica para esta indústria, número restrito de iniciativas de mercado que discutem seus desafios idiossincráticos – algo abundante para bancos, por exemplo – e a resistência em alterar modelos “tradicionais” de risco em um setor particularmente sensível ao contexto econômico complexo dos últimos anos. 

Por outro lado, as seguradoras parecem ser as menos suscetíveis ao erro conceitual de tratar riscos ligados a temas ESG, em especial clima, como uma categoria de risco per se ou mesmo como riscos “não-financeiros”. Por muito tempo, essa foi a tônica das normas, como exemplifica a nomenclatura da norma Non-Financial Reporting Directive (NFDR, 2014) da União Europeia (UE).  

Explica-se: os assuntos ambientais, sociais e climáticos não possuem mecanismos intrínsecos de transmissão de riscos para o negócio que diferem de riscos de outra natureza. Na verdade, são direcionadores de riscos que se concretizam através dos mecanismos riscos “tradicionais”. 

Por exemplo, o aumento da sinistralidade por eventos climáticos extremos pode levar a um risco de liquidez para a seguradora. Ou mesmo a incapacidade de seu cliente em cumprir com normativas ambientais e sociais para seu produto pode elevar seu risco de default frente ao contrato que possui com a empresa.   

A regulação mais recente vem se corrigindo nesse sentido em várias geografias. A própria UE atualizou a NFDR com a chegada da Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD, 2022), que entrou em vigor em 2023, com requisitos mais precisos e detalhados para o reporte de questões ESG por empresas – além de tirar o “não financeiro” do nome, também é mais precisa na questão dos mecanismos de concretização dos riscos. Além disso, o arcabouço da região ganhou o reforço do Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR, 2019), em voga desde 2021, com o intuito de integrar a sustentabilidade nas decisões e produtos de investimento.  

Este último ponto é outra face do negócio que essas ainda escassas regulações e iniciativas específicas para seguros têm incorporado cada vez mais: o desenvolvimento de soluções em seguros que incorporem aspectos ESG. 

No Brasil, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), depois de ter lançado norma em 2022 sobre gestão e transparência de riscos de sustentabilidade, estabeleceu, por meio da Resolução 473/2024, diretrizes para que os produtos de seguros e previdência possam ser categorizados como “sustentáveis”. 

A abordagem desse tipo de normativa é menos prudencial que aquelas focadas na incorporação de variáveis ESG no processo de subscrição, por exemplo, porém igualmente importante para a integridade do mercado, ao evitar o greenwashing. Dessa forma, seguradoras, seus clientes e outras partes interessadas podem discutir os benefícios ambientais, sociais e/ou climáticos de seus produtos e coberturas em “um mesmo idioma”.

As inovações em produtos de seguros que incorporam temas de sustentabilidade não se dão somente em relação aos ativos ou setores cobertos, mas também em sua forma e estrutura, que podem facilitar a nova dinâmica de uma economia em transição. 

Os seguros paramétricos são um exemplo: em um cenário no qual os sinistros climáticos devem ser cada vez mais intensos e frequentes, a predefinição de parâmetros para engatilhar indenizações – sem necessidade de avaliação física – amplia a eficiência operacional e dá mais segurança ao contratante.

Considerando todo o anterior, as seguradoras, em geral, não costumam criar grandes estruturas e políticas e práticas específicas para a gestão de riscos e oportunidades ambientais, sociais e climáticas. Por outro lado, ser mais low profile em sua governança para os temas não as impede de estar atentas a dados e tendências e acabam por incorporar as questões ESG com o pragmatismo que lhe é característico, ainda que existam barreiras importantes. 

Na prática, à medida que esses temas seguem se concretizando e convertendo-se em questões práticas de negócio – como o aumento do nível do mar que amplia a exposição de ativos costeiros a catástrofes e afetam o nível de risco de vida de pessoas –, a experiência para lidar com essas variações e aplicá-las ao negócio são, em média, superiores às de outros segmentos. 

Por outro lado, seus modelos não são tão flexíveis, dificultando a incorporação de novos temas de maneira adequada: se baseiam em um número limitado de aspectos ESG e, em geral, consideram dados históricos, enquanto algumas dessas questões – notadamente o clima – não são adequadamente incorporadas olhando só para o passado.         

Em outras palavras, ainda que não possuam políticas e práticas ESG de referência em seu mercado, poucas instituições financeiras possuem a capacidade de utilizar e aplicar dados climáticos, entre outras questões ESG, para decisões de negócios como as seguradoras. Um próximo passo, contudo, deve ocorrer. 

Tanto para cumprir aspectos regulatórios e alinhar-se a melhores práticas de mercado, quanto para aproveitar oportunidades para as quais parâmetros e comunicação efetivos são fundamentais, deve haver uma revisão de modelos e metodologias e a formalização de políticas e práticas ESG e climáticas dentro das seguradoras.

Adicionalmente, por se tratar de uma agenda dinâmica e riscos com alto grau de incerteza sobre sua potência e concretização, é necessária uma atenção constante que só pode existir com uma governança bem definida. 

De qualquer forma, desde já, fica a dica: mesmo que sua seguradora não fale nada de clima, se esta deixou de oferecer as apólices tradicionais e não vende seus novos produtos para a região que você vive, talvez seja a hora de você considerar uma mudança de endereço.   

* Danilo Gurdos é Consultor de Finanças Sustentáveis para o Setor Seguros; Fred Seifert é Sócio para Setor Financeiro América Latina e Caribe e Dívida Sustentável; Guilherme Teixeira é Sócio para Setor Financeiro Brasil. Todos da empresa ERM.