É bem possível que você não tenha resistido aos apelos ao consumo da Black Friday e esteja tentado novamente neste período pré-Natal. A culpa, porém, pode não ser sua, como mostra o documentário A Conspiração Consumista, disponível na Netflix.
O filme dirigido por Nic Stacey traz números e entrevistas com ex-funcionários de grandes empresas expondo as táticas para fazer com que nós compremos cada vez mais coisas, em geral sem necessidade.
Por exemplo, você pode se considerar um consumidor consciente, que tem o trabalho extra de reciclar embalagens e até eletrônicos obsoletos. Mas a reciclagem acontece numa escala bem menor do que parece, e aqueles símbolos impressos em plástico são uma maneira de fazer com que sintamos menos culpa.
Enquanto cinema, A Conspiração Consumista não é exatamente brilhante. O documentário usa uma irritante voz de inteligência artificial chamada Sasha, uma espécie de prima da Siri e da Alexa, servindo como guia de maximização de lucros para as empresas. É uma solução pouco inspirada, até porque, por mais que essas empresas pareçam conglomerados sem rosto, elas são comandadas por pessoas que tomam essas decisões baseadas unicamente na busca pelo lucro e pelo crescimento.
Mas, se conseguir abstrair, o filme vale a pena por ser didático e contar com boas entrevistas de pessoas como Maren Costa e Eric Liedtke, que perceberam depois de anos trabalhando para grandes empresas que estavam contribuindo para a destruição do planeta.
O documentário também apresenta números que provocam reflexão e, quem sabe, uma mudança de comportamento capaz de provocar algum impacto.
A Conspiração Consumista é dividido em cinco “lições” para as companhias: “Venda mais”, “Desperdice mais”, ‘Minta mais”, “Esconda mais” e “Controle mais”.
Para você comprar mais
“Ninguém precisa de um casaco novo nem de uma camiseta nova. Ninguém precisa de sapatos novos. Há tantos por aí, e a maioria de nós tem mais do que precisa. Você precisa de um motivo convincente para comprar esse produto”, diz Eric Liedtke, ex-presidente de marca da Adidas.
É por isso que uma empresa de material esportivo faz colabs com Beyoncé ou Pharrell Williams, ou cria diversas camisas de time de futebol por ano. Cada uma é uma nova oportunidade de compra. E é assim que a GAP produz 12 mil novos itens anualmente, a Zara, 36 mil, e a Shein, 1,3 milhão. Que mais de 68 mil celulares são produzidos por hora, e 12 toneladas de plástico por segundo.
Contra esses números, não há discussão. Não há como isso ser sustentável. O documentário aumenta o impacto inundando as ruas de Nova York (e depois de outras cidades) com os produtos produzidos e com o lixo gerado.
Se antes você precisava pegar o carro ou um transporte para ir até a loja, encontrá-lo na prateleira, experimentar e decidir comprar, hoje é possível conquistar o objeto desejado com apenas um clique – um único clique patenteado pela Amazon, que faz experimentos de compras em tempo real para maximizar seus lucros.
Desperdício como parte da estratégia
Quem tem uma certa idade com certeza já comentou como os produtos de hoje não duram como os de antigamente, seja uma máquina de lavar ou um computador. Porque existe uma coisa chamada obsolescência programada.
E não é de hoje. Lá em 1925 os principais fabricantes de lâmpadas combinaram de reduzir sua vida útil de 2.500 horas para mil horas. Hoje empresas como a Apple tornam seus produtos obsoletos em grande velocidade, dificultando ou até impedindo o conserto das partes estragadas.
Ou então preferem jogar produtos perfeitos no lixo antes mesmo de serem adquiridos. Em vez de deixar os produtos de higiene serem resgatados por sem-teto, por exemplo, é mais desejável que o líquido seja despejado diretamente no lixo, para que a marca não seja considerada aquela usada pelos moradores em situação de rua.
Mentira como a alma do negócio
O nível de confiança nas empresas é alto em um tempo em que outras instituições, sob ataque constante, são consideradas suspeitas. E, no entanto, uma boa parte das empresas mente costumeiramente.
Como diz a ex-executiva de marketing Mara Einstein, elas mostram um objeto brilhante para ofuscar as partes que querem esconder. Daí o greenwashing, por exemplo.
Ou como as marcas dizem que, mesmo despejando embalagens de plástico nas prateleiras, o problema será resolvido com a reciclagem, sendo que apenas 10% dos plásticos são reciclados, como diz a engenheira química Jan Dell. A maior parte das embalagens mente ao estampar o símbolo de reciclável, inclusive. Anualmente, são 400 milhões de toneladas de lixo plástico.
A solução é uma só: produzir menos plástico.
Longe dos olhos, longe do coração
Quase todos os entrevistados do documentário afirmam não terem se preocupado com o que ia acontecer com o produto depois de sua aquisição, quando trabalhavam em suas respectivas empresas.
Jim Puckett, que investiga o destino do lixo, mostra como mesmo aqueles resíduos entregues a locais específicos de reciclagem de lixo eletrônico, por exemplo, acabam em países do Sul Global, onde são desmembrados de maneira precária, prejudicando a saúde dos trabalhadores e da população, já que substâncias tóxicas e plástico vão parar no solo e na água, contaminando pessoas e animais.
Em Gana, que recebe roupas dos programas de reciclagem de grandes empresas de vestuário, são 15 milhões de peças por dia para uma população de 30 milhões. Como isso é considerado sustentável? O que acontece é que milhões dessas peças simplesmente vão parar nas praias do país.
Controle da narrativa
As empresas controlam a narrativa, pulando na frente para bater no peito e dizer como respeitam o meio ambiente e como são um ótimo ambiente para trabalhar, e seus funcionários, afastando aqueles que ousam prejudicar esse discurso.
O que fazer a respeito disso tudo?
O filme não é pessimista e deixa claro que há soluções, sim. Muitas passam pela mudança da legislação, por pressão sobre governos e legisladores. Também dá para mudar suas atitudes em relação ao consumo, comprando menos, consertando mais, adquirindo produtos que sejam realmente recicláveis. Consumo consciente e regulamentação são as palavras-chave para um futuro possível.