
A transição climática não é apenas um desafio ambiental, mas também econômico. Se o Brasil quiser aproveitar seu potencial como potência verde e protagonista na agenda global de sustentabilidade, precisará superar entraves na coordenação entre governo, setor privado e sociedade civil para mobilizar capital em escala inédita em um mercado de financiamento climático ainda incipiente.
Nesse ponto, os instrumentos financeiros — em especial os fundos de investimento — têm um papel central para conectar recursos de investidores institucionais e de varejo a negócios que regeneram, preservam e transformam a relação entre produção e meio ambiente.
Os Fiagros, fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais, criados em 2021, são um exemplo claro de inovação regulatória com potencial transformador. Inspirado no sucesso dos fundos imobiliários, eles abriram espaço para que investidores de diferentes perfis pudessem participar do financiamento da atividade agropecuária.
Seu escopo de atuação é amplo: pode investir em participações societárias, em crédito e até em créditos de carbono — sendo hoje o único fundo no mercado autorizado a carregar esse último ativo em carteira, razão pela qual pode ser usado como instrumento financeiro para fomentar o desenvolvimento ambiental sustentável.
Ainda assim, a forma como a lei foi desenhada restringiu o Fiagro principalmente à cadeia produtiva agroindustrial. Com isso, uma ampla gama de negócios da bioeconomia cuja lógica é indissociável de benefícios econômicos aliados à preservação da natureza — mas que não se enquadram diretamente na “base agropecuária” — ficou de fora.
Ajuste de rota
Aqui caberia um ajuste de rota. Se queremos que o Brasil avance em direção a uma economia de baixo carbono, que inclui entre seus pilares conservação florestal, é preciso permitir que o Fiagro também invista em atividades focadas no uso sustentável de recursos naturais e que tenham a natureza como ativo central, mesmo quando não vinculadas diretamente à agropecuária tradicional.
Pensemos, por exemplo, em negócios de restauração florestal para recuperação de áreas degradadas, cadeias produtivas da bioeconomia da Amazônia, manejo sustentável de florestas nativas, ou até infraestrutura verde para conservação de recursos hídricos. Todos são exemplos de empreendimentos de impacto climático direto, que demandam capital paciente e estruturado.
E todos encontram, hoje, enormes barreiras de acesso a financiamento.
Sob o marco regulatório atual, o Fiagro não consegue canalizar recursos de investidores para essas frentes, ainda que elas sejam parte fundamental da agenda de sustentabilidade do próprio setor agroindustrial — que depende de água, solo fértil, estabilidade climática e biodiversidade para existir.
Solução
O caminho está em ampliar a definição legal e regulatória do Fiagro, de forma a incluir negócios baseados em ativos naturais (nature-based solutions), e não apenas aqueles estritamente ligados à produção agropecuária.
Isso exigiria ajustes tanto na Lei nº 14.130/2021 quanto na regulação da CVM, alinhando o produto às demandas reais da economia de transição e às práticas internacionais de finanças verdes.
Esse movimento teria múltiplos efeitos positivos:
- Canalizaria poupança popular e institucional para a agenda climática, democratizando o investimento em sustentabilidade;
- Ampliaria a atratividade internacional do Fiagro, ao alinhá-lo a padrões globais de taxonomias verdes;
- Aumentaria a resiliência do setor agroindustrial, ao financiar iniciativas que garantem a base ecológica de sua produção.
No momento em que a agenda ESG sofre críticas de greenwashing e pede mais substância, dar ao Fiagro um papel mais robusto na transição climática seria uma resposta concreta — e, sobretudo, pragmática. Sabe-se que um ambiente regulatório e político favorável é estrutura fundamental aos investidores para fins de alocação de risco e de dinheiro.
Fomentar a transição para uma economia de baixo carbono também passa por sinalizar vontade política. O Brasil não pode perder a oportunidade de fazer de sua regulação financeira uma alavanca para a economia de baixo carbono.
Rever o escopo do Fiagro é um passo necessário para que nossos instrumentos financeiros estejam à altura do desafio climático.
* Pedro Ferreira é co-head do ClimateDesk no FM/Derraik. Advogado com mais de 20 anos de experiência em venture capital, corporate venture capital e M&A. Atua na assessoria a empresas e investidores em projetos de nature-based solutions, blended finance e transição climática. É professor da Link School of Business.
Leticia Kyono co-head do ClimateDesk no FM/Derraik. Tem mais de 20 anos de experiência liderando projetos de M&A, infraestrutura sustentável, projetos ESG e blended finance. Atua em estruturação e negociação de investimentos locais e cross-border promovendo sustentabilidade e impacto positivo. Tem experiência em iniciativas de inovação e de desenvolvimento sustentável voltadas para mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
 
					 
					 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		