
Estamos oficialmente mais próximos de 2050 que do ano 2000. Enquanto comemoramos metas climáticas distantes, a contradição salta aos olhos: planejamos futuros sustentáveis enquanto convivemos, no presente, com uma epidemia silenciosa de sofrimento mental deflagrado pelo colapso ambiental.
É o peso emocional de viver num planeta em risco, somado à sensação de impotência diante da lentidão das respostas. Um fenômeno cada vez mais reconhecido como ecoansiedade.
Qual o verdadeiro papel das empresas nesta encruzilhada histórica? As empresas não são entidades abstratas. São estruturas criadas por pessoas, executadas por pessoas e que, direta ou indiretamente, existem para oferecer algo para as pessoas. Por essência, são vetores de influência e se diferem dos demais atores da sociedade por sua vocação de atender demandas com eficiência, escala e replicabilidade.
Diante da crescente crise climática e de sociedades atravessadas pelo medo, pela incerteza e pela exaustão emocional, não há mais espaço para soluções ocas. O lucro precisa ser compatível, e, idealmente, derivado da regeneração do planeta e do bem-estar coletivo. Isso inclui o equilíbrio ambiental e também físico, social e mental das pessoas que compõem e orbitam os negócios.
Os próximos dez anos testarão nossa capacidade de lidar com duas armadilhas paralelas que estimulam a ecoansiedade: a paralisia frente a magnitude das urgências climáticas e a positividade tecnocrática tóxica que transforma sustentabilidade em slogans vazios.
Para sobreviver a esta década, há três movimentos que as empresas precisarão incorporar: (1) reconhecer que o CNPJ é formado por CPFs que sentem fisicamente e emocionalmente a falência ambiental; (2) desenvolver soluções regenerativas e posicionar contribuições socioambientais realistas; (3) desafiar a lógica secular que impõe que desenvolvimento é igual a progresso material a qualquer custo.
Como bem disse o mestre quilombola Nego Bispo, basta de des-envolver. Precisamos de envolvimento – com a natureza, os saberes tradicionais e o bem-viver de todos os seres. O envolvimento coletivo, incluindo o das empresas, deve ser o pilar central para um futuro mais justo, saudável e sustentável.
A saída está na interseção de cosmovisões e na confluência entre mestres populares, cientistas, legisladores, governantes, investidores, filantropos, ativistas, empreendedores e empresários. Isso significa, por exemplo, permitir que as pessoas mais afetadas pelos desastres ambientais sejam também protagonistas na criação de alternativas.
Quando colaboradores atingidos por enchentes participam do redesenho do modelo de gestão ou quando povos originários auditam cadeias de suprimento, não estamos apenas inovando, estamos gerando envolvimento e resposta real às urgências da nossa época.
Às vésperas de 2050, o maior risco corporativo não está nas mudanças climáticas em si, mas na incapacidade de envolvimento regenerativo. Empresas que entenderem que são um coletivo de pessoas com papel fundamental na regeneração (onde saúde mental e equilíbrio ambiental caminham lado a lado), não apenas sobreviverão ao colapso sistêmico, como terão papel central na construção de um novo paradigma civilizatório.
O tempo de organizações ocas acabou.
*Jéssica Silva é co-CEO do Sistema B Brasil