O termo “ESG investing”, cunhado no início do século 21, virou hype, mas o conceito não é novo. Preferências e exclusões de investimento relacionados a valores éticos existem há muitas décadas (1).
Mas foi somente no final do século passado, com o crescimento da indústria de fundos e gestão delegada de investimentos financeiros, somada à ideia de que dimensões não capturadas nos cash flows teriam impacto sobre o valor dos ativos a longo prazo, que os critérios de “investimento responsável” migraram para outros temas sociais e políticos.
Até aí, o que melhor descrevia essas dimensões (o termo ESG nem existia) era o conceito de SRI (sigla em inglês para investimento socialmente responsável). Talvez o mais importante marco nessa evolução seja a conexão entre ESG com valor de mercado e obrigações fiduciárias dos gestores, em 2004, feita pelo Freshfield Report. Em 2006, nasciam os Principles for Responsible Investment, ou PRI, e em 2007 a Sustainable Stock Exchange Initiative.
A importância de “ESG” mudou desde que os mercados financeiros acordaram, mais recentemente, para o fato de o risco climático ter se tornado um dos maiores riscos sistêmicos para os mercados internacionais de capital.
Primeiro, o “investimento sustentável” (ESG e, em especial, o chamado investimento com impacto climático) deixou de ser nicho. Segundo, a importância crescente dos volumes de investimento dirigidos a “fundos ESG” e o fato de as emissões de gases de efeito estufa serem uma externalidade negativa a ser controlada torna a qualidade das informações um problema urgente e a regulação um imperativo. Hoje, muitos desses reportes são voluntários e autorregulados.
A nosso ver, a imensa importância da continuidade das melhorias nos scores ESG na construção de uma nova fase do capitalismo, mais “limpo” e mais justo, exige a revisão dos indicadores ESG. São necessárias mudanças que só serão possíveis com maior grau de regulação pública da medida e reporte dos indicadores, especialmente em sua dimensão do impacto sobre o clima.
Birutas
Embora os ratings de ESG tenham se aprimorado, é consenso entre investidores e reguladores que há uma longa jornada a percorrer em termos de convergência na medida.
Isso fica claro quando se comparam os ratings de crédito com os ESG. Enquanto os ratings de crédito, com métricas há muito estudadas e hoje regulados, têm alta correlação entre si independentemente das agências que os emitem, existe enorme dispersão das avaliações de ESG feitas por diferentes e respeitáveis agências. Em consequência, uma crescente literatura técnica refere-se aos ESG scores como “aggregate confusion” (2).
Em parte, a diferença entre estimativas dos dois ratings feitas por diferentes agências é algo esperado. Os ratings de crédito dependem de cálculos, com números auditados, de capacidade de pagamento de dívidas.
Já os ratings de ESG utilizam métricas complexas em termos de escopo e metodologia, são multidimensionais e, portanto, de agregação subjetiva, e possuem pouca convergência de metodologia.
Além disso, as agências de rating ESG ainda operam em regime de autorregulação, ao contrário das de crédito. O resultado é uma correlação estimada em torno de 0.54 entre ratings de ESG contra 0.92 nos de crédito.
Isso significa que, em vários casos, uma empresa pode ter ótima ou péssima performance ESG dependendo da agência que reporta o score e como ela o define. Vale e Shell têm risco ESG “alto” para a Sustainalytics; para a Refinitiv, estão próximas dos maiores scores de sustentabilidade e são consideradas empresas de “excelente performance relativa de ESG” (3).
A correlação não e só baixa entre scores de ESG de diferentes agências. Segundo estudo da OCDE, ela também é baixa entre os indicadores de emissão de gases de efeito estufa – item principal dos pilares E – e os scores ESG das próprias agências.
A confusão fica ainda maior se olharmos sob o ponto de vista social (o “S”). Tomando como exemplo o assunto saúde, embora segundo a ONU, “14 dos 17 SDGs não serão alcançados se houver investimento ou oferta de crédito ou seguros para a indústria de fumo” para a S&P, a Phillip Morris Int., ganha um score altíssimo em ESG (85 em escala de 1 a 100) enquanto, apenas como referência, a Tesla, que vende carros elétricos, com alto potencial impacto positivo na transição climática, pontua parcos 40.
A dificuldade do investidor
Essas divergências entre indicadores tornam-se problemáticas quando se passa de um status de investimento de nicho de preocupação ética a algo mainstream com as mudanças do clima.
Embora alguma divergência seja esperada, um menu variado de metodologias torna difícil a vida do investidor interessado em sustentabilidade. Se fossem birutas em aeroportos, com o mesmo vento, elas apontariam em várias direções, com boa possibilidade de causar acidentes, em vez de evitá-los. Os investidores certamente merecem informação mais clara.
Com efeito, a evolução da penetração do conceito de ESG tem sido exponencial. Na época que o PRI foi lançado, em 2006, havia 64 signatários que totalizavam US$ 8,5 trilhões em ativos sob gestão (AUM).
Em 2023 são mais de 5 mil signatários e de US$ 130 trilhões de AUM. Na Europa, em meados de 2023, o valor dos ativos com compromissos mais firmes de sustentabilidade (arts. 8 e 9 do SFDR) ultrapassou, pela primeira vez, o dos ativos sem foco em ESG (art. 6).
A velocidade e magnitude dessas mudanças não tem nada a ver com boa cidadania ou filantropia. O crescimento exponencial reflete a preocupação crescente com o risco climático. Embora outros aspectos permeiem essa discussão, nenhum investidor ou gestor se desvia do imperativo concreto de preservar o valor dos ativos face às mudanças do clima, que impactarão métricas de balanço e reputação com consequente impacto no valor da empresa.
Preservar o valor financeiro das empresas passa, naturalmente, por gerir os objetivos ESG, incluindo, crescentemente, considerações sobre os riscos e oportunidades criados pelos impactos da mudança do clima.
É inegável o papel preponderante que as mudanças do clima vêm assumindo na percepção dos riscos de ESG. Algumas agências de rating de crédito já mostram como fatores ligados a risco climático impactam a capacidade de pagamento das empresas e existe um sem-número de estudos que analisam os riscos de destruição de ativos e outros riscos de transição. Por outro lado, também é inegável que empresas que tiram vantagens de oportunidades geradas pela transição vejam essa estratégia refletida em melhor performance.
Na ligação entre os fatores ESG – e, em particular, clima – e o valor da empresa, um risco emergente que não pode ser ignorado é o risco de litigância e ativismo. Caso a empresa falhe em não se preparar para o impacto das mudanças do clima o custo pode ser antecipado.
Como mostra o UN Global Litigation Report de 2023, as disputas judiciais crescem exponencialmente: foram 2180 casos de litigância relacionados a clima em 2021, contra 1550 em 2020 e 884 em 2017. Segundo o NFGS, as teses de litigância também vêm se expandindo, incluindo mais recentemente ações de responsabilidade individual dos diretores (ClientEarth v. Board of Directors of Shell (2022, UK) (4).
Outra tendência recente é o crescimento do ativismo dos investidores. Uma cause célèbre recente foi a proxy battle na Exxon, em 2021, que resultou na troca de três dos doze dos membros de seu conselho de administração pela ação iniciada por um fundo que detinha apenas 0,02% da ações da corporação, sob o argumento de que vários dos membros não possuíam conhecimento técnico sobre o potencial impacto dos riscos climáticos e que a estratégia de transição da empresa para uma economia de baixo carbono estava lenta.
O futuro dos indicadores ESG
Ao tornar-se progressivamente balizadora de decisões de um sem-número de investidores que afetam ações coletivas para o alcance de objetivos que vão da ética à segurança climática, a informação ESG tornou-se um bem essencial, e acaba por motivar a necessidade de regulação.
Assim, apesar da divergência ainda existente entre os scores de ESG, tem havido progressiva convergência de metodologias e qualidade das informações primárias. Em particular, depois dos bem-sucedidos esforços do ISSB/IFSR em apresentar um arcabouço metodológico amplamente aceito, a regulamentação pública dos indicadores e também das agências de ratings parece ser uma questão de tempo, introduzindo regras de padronização mínima e disclosure obrigatório para as entidades distribuidoras dos ratings. Nesse sentido, são ilustrativas as iniciativas da Europa com a regulação de ratings pela ESMA. O Brasil também já deu um importante passo. A CVM anunciou que tornará os padrões ISSB (IFRS S1,2) obrigatórios a partir de 2026.
No entanto, além desses standards a regulação pode e deve ir além. Regulações europeias já abraçam o conceito de dupla materialidade, como a regulação de due diligence (CS3D), e obrigam as empresas a reportar os indicadores de seus impactos (incluindo toda a cadeia) no clima, com planos de ação obrigatórios e metas auditadas de redução.
Mas, além da melhoria dos indicadores agregados de ESG, a importância emergente da questão do clima exige que medidas de emissões e indicadores primários de risco climático de ativos sejam separadamente reportados, de forma mais clara, convergente em conceito, auditáveis e obrigatórias para um conjunto relevante de grandes empresas e sua cadeia de suprimento.
E a regulação deve determinar não só o que reportar, mas também o como calcular os indicadores climáticos. Nos parece inconsistente que governos adotem compromissos de reduções nacionais de emissões líquidas no âmbito do Acordo de Paris quando a qualidade da medida e a cobertura da reportagem das emissões das empresas responsáveis pelo grosso das emissões de cada país ainda, em muitos casos, são baixíssimas e as metodologias obscuras e/ou muito aproximativas. Mas isso é assunto para outro artigo.
* Julieda Puig possui extensa experiência internacional, com ênfase em ESG e Compliance. Baseada em Londres, é conselheira consultiva da Lacan Ativos Florestais e executiva ESG/Compliance de um banco global. Conselheira certificada pelo IBGC, com mais 8 anos de experiência em conselhos, foi também secretária-adjunta de política econômica no governo FHC.
(1) Algumas referências históricas são o Pioneer Fund, no entre-guerras, o Pax World Fund, durante a guerra do Vietnã, ou as campanhas de desinvestimento relacionadas ao apartheid (Sullivan Principles).
(2) Florian Berg, Julian F. Koelbel, Roberto Rigobon; MIT Sloan e University of Zurich; Aggregate Confusion: The Divergence of ESG Ratings; dez.2020.
(3) Dados extraídos em 15/01/24.Na Sustainalytics, o indicador intenciona medir a exposição da empresa aos riscos ESG e como a empresa os administra. O range vai de 0 a + 40, sendo, acima de 30, considerado Alto Risco (os scores da Vale SA e da Shell Plc são, respectivamente, 34 e 33,7). Já a Refinitiv (agora LGSE), avalia as empresas em quartis, sendo que o último (de 75 até 100), o mais alto possível, significa que a empresa tem “excelente performance esg relativa e alto grau de transparência em reportar os dados de ESG publicamente”. Para a agência, a Vale SA e a Shell Plc possuem respectivamente os scores 91 e 93.
(4) NGFS, 2023, p.11.