COLUNA - NATALIE UNTERSTELL

Como o Brasil vai enfrentar o paradoxo dos minérios da transição energética?

Fundamentais para o desenvolvimento de energia renovável, minérios são associados a impactos ambientais e emitem gases de efeito estufa em sua extração e uso

Como o Brasil vai enfrentar o paradoxo dos minérios da transição energética?
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Em 2021, a Sérvia testemunhou grandes protestos contra um projeto de mineração de lítio, bem como contra legislações percebidas como favoráveis a interesses corporativos em detrimento do bem público e da democracia, levando ao cancelamento das licenças do projeto.

Esse movimento impediu que o país emergisse como um grande produtor global de lítio, um elemento vital para as baterias usadas em veículos elétricos e em grandes sistemas de armazenamento de energia.

A corrida global pelos minerais essenciais da transição energética tem escala monumental: estima-se que seja necessário encontrar aproximadamente mil novos depósitos minerais para preencher um déficit de US$ 15 trilhões (R$ 75 trilhões) em metais essenciais, em um contexto de volatilidade de preços e fornecimento. Lítio, cobalto, cobre e níquel estão no centro das atenções devido a suas difíceis substituições e à demanda crescente. 

Há um paradoxo evidente nessa corrida por minerais críticos: embora esses materiais sejam fundamentais para energias renováveis e eletrificação, sua extração e uso têm sido associados a emissões de gases de efeito estufa e impactos ambientais adversos há décadas. A indústria de mineração tem um legado de impactos adversos sobre comunidades e meio ambiente. 

O exemplo da Sérvia ilustra as complexidades dessa “transição dentro da transição”. A diminuição da eficácia na exploração mineral e os questionamentos sobre a “licença social” para operar reforçam a necessidade de inovações e alternativas, como a reciclagem de metais e a química verde, para assegurar um fornecimento suficiente dos metais necessários à transição energética.

Em vez de reformas na mineração para buscar, uma vez mais, torná-la menos insustentável, a ênfase em modelos de desenvolvimento regenerativos e circulares traz a oportunidade do desenvolvimento de soluções mais “radicais”.

E, embora o Brasil não figure entre os líderes na produção de minerais críticos, destaca-se na exploração de nióbio e possui potencial para se sobressair na produção de lítio, níquel, manganês, neodímio e grafite. 

Parte desse potencial mineral brasileiro encontra-se na Amazônia, em áreas protegidas da floresta e terras indígenas. Há ainda a frente de exploração mineral no oceano. Dessa forma, o licenciamento ambiental é um ponto delicado e crítico.

Esse licenciamento da exploração mineral é feito, em grande parte, pelos Estados. A concessão de licenças ambientais, especialmente em áreas protegidas da Amazônia e do oceano, continua sendo um tema polêmico. Projetos como a mineração de ouro na Volta Grande do Xingu e a exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha enfrentam oposição lastreada nas preocupações em torno dos impactos ambientais e sociais dessas atividades, incluindo conflitos com territórios indígenas. 

Atualmente, órgãos estratégicos como o ICMbio, responsável pela gestão das áreas protegidas federais, estão alijados dessa política. O cenário atual no Brasil indica uma continuidade das políticas setoriais, buscando alinhar-se às tendências globais mais conservadoras e às soluções incrementais. 

Diante disso, surge a indagação: o Brasil deve aspirar a um papel relevante na oferta e processamento de minerais críticos? Se afirmativo, sob quais condições e com que parcerias? Caso contrário, do que abriremos mão e o que ganhamos em troca? Como poderia o Brasil investir em tecnologias alternativas e posicionar-se de maneira inovadora e estratégica nas cadeias de valor globais e na geopolítica da transição energética?

A resposta a essas questões não deve vir apenas do setor de mineração e/ou do agronegócio brasileiro, mas sim do conjunto da sociedade – ou enfrentaremos algo semelhante ao ocorrido na Sérvia. 

PS: Para mais informações, vale ler a nota da Política por Inteiro em Como lidar com a produção de minerais estratégicos e promover a transição energética? – Política Por Inteiro (politicaporinteiro.org)