Edifício da ONU em Genebra

Em tempos de guerras, retrocessos democráticos e crise do multilateralismo, as COPs podem parecer eventos irrelevantes — especialmente diante do contexto atual, que desafia a ordem mundial como a conhecemos. Mas as conferências da ONU sobre mudança do clima seguem se reunindo, ano após ano, e isso importa mais do que pode parecer à primeira vista. Ao longo de quase três décadas, as COPs se mostraram fóruns capazes de construir resistência e orientar mudanças de rumo diante de crises geopolíticas e, de forma incremental, vêm promovendo transformações profundas. 

Faça chuva ou faça sol, todo final de ano tem COP: a assembleia anual para tomada de decisões no âmbito da Convenção do Clima e do seu mais novo tratado, o Acordo de Paris. Essa premissa só foi quebrada durante a pandemia da Covid-19, que fechou fronteiras e colocou populações do mundo todo em regime de lockdown.

A consistência anual das COPs é necessária para assegurar a construção gradual de decisões tomadas em consenso pelos 196 países-membros. Cada reunião deixa legados importantes, embora seus impactos pareçam ser de menor peso de imediato.

A COP15, em Copenhague (2009), por exemplo, foi um fracasso do ponto de vista formal, pois não produziu uma decisão final. Mas ela teve um papel fundamental no engajamento de economias emergentes, como Brasil, China e Índia. Pela primeira vez esses países assumiram metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O movimento resultou, no caso brasileiro, na promulgação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, por meio da Lei nº 12.187/2009.

Cabe lembrar que a COP15 ocorreu um ano após a eclosão da crise financeira de 2008, que desorganizou os mercados globais, levou à falência grandes instituições e exigiu pacotes trilionários de resgate econômico. Apesar desse cenário, foi justamente nessa COP que os países desenvolvidos se comprometeram com a meta de mobilizar US$ 100 bilhões por ano, até 2020, para apoiar ações de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento (em 2015, esse compromisso foi estendido até 2025).

Financiamento climático

Na COP16, em 2010, foi criado o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund – GCF), que se consolidou como o principal fundo multilateral climático da atualidade. Já foram aprovados mais de US$ 13 bilhões em projetos, com cofinanciamento adicional totalizando cerca de US$ 51 bilhões. Segundo dados da Climate Policy Initiative, os fluxos globais de financiamento climático quase quadruplicaram entre 2009 e 2011: de cerca de US$ 97 bilhões para US$ 364 bilhões por ano, tanto por aumento real quanto por melhorias na capacidade de rastreamento dos fluxos.

Isso mostra que as COPs, apesar das recorrentes instabilidades geopolíticas e crises econômicas globais, não deixam de buscar responder aos impasses de seu tempo, impulsionam movimentos em governos, mercados e sociedade, e deixam legados institucionais e financeiros que sustentam a cooperação climática até hoje. Pode não ser algo autoevidente, mas essas contribuições são reais.

Na COP26, em Glasgow (2021), as tensões também estavam à flor da pele. O mundo inteiro tentava se reerguer economicamente e juntar os cacos das milhões de perdas humanas provocadas pela pandemia. A resposta da conferência foi a participação massiva de atores não-estatais, com número recorde de compromissos plurilaterais, envolvendo coalizões entre países, estados subnacionais, setor privado e sociedade civil.

Com o apoio da presidência do Reino Unido, a COP26 serviu como plataforma para a ação climática descentralizada, mostrando que o processo da UNFCCC é capaz de abrigar diferentes ritmos e formatos de engajamento, inclusive com atores não-governamentais. A partir dali, as conferências deixaram de ser apenas reuniões diplomáticas e passaram a se consolidar como verdadeiros encontros multilaterais globais.

Net zero

Graças ao impulso de iniciativas criadas na COP26, como a campanha Race to Zero e a aliança do setor financeiro Gfanz (Glasgow Financial Alliance for Net Zero), o número de instituições financeiras e empresas comprometidas com metas net zero aumentou significativamente. Em 2020, apenas 338 empresas haviam estabelecido metas científicas validadas pela Science Based Targets initiative (SBTi). Em 2023, esse número saltou para cerca de 4.200. O número de instituições financeiras comprometidas com metas net zero saltou de 160 em 2020 para mais de 550 em 2021.

É difícil imaginar uma adesão tão ampla do setor privado sem a introdução dessas iniciativas. Normalmente, esse tipo de movimento só ocorreria por meio de instrumentos mandatórios e políticas de comando e controle. Embora exista a influência de fatores de mercado, eles não explicam sozinhos a velocidade e a escala da adesão e a transformação observada. Houve um momentum político construído pela confluência de tantos agentes relevantes reunidos na COP26. Hoje, só as COPs têm esse poder de convocação.

Para além de instâncias negociadoras, as COPs se tornaram espaços de resistência simbólica e diplomática — lugares em que o mundo ainda se encontra para afirmar que, apesar de tudo, há um projeto comum possível. Foi o que se viu na COP22, em Marrakech (2016), que coincidiu com a primeira eleição de Donald Trump e o anúncio da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, que havia entrado em vigor apenas alguns dias antes.

A resposta foi imediata: uma declaração política reafirmando o comprometimento com o Acordo de Paris, mesmo sem o maior emissor histórico de gases do efeito estufa. A União Europeia e a China sinalizaram publicamente que manteriam e reforçariam seus compromissos, ao mesmo tempo que governos subnacionais, empresas e universidades norte-americanas lançaram o movimento “We Are Still In” para reafirmar o comprometimento com a descarbonização.

Esse, aliás, é um belo lema para ilustrar a resiliência e permanência das COPs. “Ainda estamos dentro”, ou “ainda estamos aqui”, define bem a continuidade impressionante de um regime que já dura 33 anos, com quase 200 países, resistindo a conflitos, retrocessos e instabilidades globais. As COPs são pontos de encontro de estabilização em meio aos tumultos da história.

A COP de Belém

Graças à transversalidade do tema da mudança do clima, talvez as conferências do clima sejam justamente os fóruns em que narrativas políticas globais podem ser tensionadas, atenuadas e, por vezes, reconfiguradas. É nesse papel político reconciliador que reside a força silenciosa, porém decisiva, das COPs.

Se há algo que a história das COPs nos ensina é que a transformação climática acontece tanto nas decisões formais quanto nos gestos simbólicos. O impacto muitas vezes não é percebido de imediato, mas desencadeia processos e mudanças incrementais substanciais. Ela se constrói nos acordos efetivamente firmados, mas também na persistência dos encontros e no esforço contínuo de honrar compromissos em um mundo em crises constantes.

Para gerir o “bem comum” que é o clima, nas palavras do já saudoso papa Francisco, é preciso reafirmar constantemente a essência do que nos une. As conferências do clima não são sempre os grandes espetáculos de ruptura que desejaríamos, mas são espaços em que se reafirma a possibilidade de um projeto comum para o futuro, mesmo quando tudo parece apontar para o contrário. É assim também que as COPs mudam o mundo. E, com a COP 30, não será diferente.