Estive durante a semana passada em Houston, nos Estados Unidos, para um dos maiores eventos de energia do mundo. As maiores empresas do setor estavam presentes, assim como representantes do setor público e da academia, dos EUA e do restante do mundo, totalizando 10 mil pessoas em 5 dias de painéis, mesas de discussão e debates.
Este ano foi particular, por apresentar discussões dentro do contexto do início da gestão do novo governo americano. Havia a expectativa da sinalização dos novos rumos dos investimentos, posicionamento corporativo e reformas regulatórias. Foi o que aconteceu – e de forma profunda.
Como “trends” do evento, podemos citar segurança energética, reindustrialização, desregulamentação, inteligência artificial, data centers e gás natural.
Papel do Estado
Houve sinalização da necessidade de simplificação regulatória ou desregulamentação das atividades do setor de energia. De forma muito direta, ouviram-se críticas ao formato da regulamentação europeia, incluindo de executivos de empresas desses países, ao afirmar que a complexidade e a incessante produção de normas estavam tornando impossível o empreendedorismo no continente.
Há também uma visão predominante que os mandatos e determinações estatais “ex ante” podem não ser as mais adequadas dentro de um processo de corrida tecnológica, em que várias rotas são desenvolvidas em paralelo e não temos certeza de quais vão prosperar. O “erro inconsciente” do Estado pode ser muito penoso, ou até mesmo fatal, para as novas cadeias de valor que estão sendo construídas, por eventualmente dar privilégios a quem não é a melhor opção.
Do ponto de vista mais micro, há uma dificuldade no desenvolvimento de projetos, com muitas exigências regulatórias. O resultado é uma judicialização generalizada. Muitas vezes, os projetos não conseguem sair do papel.
Por fim, uma crítica a políticas climáticas que geram a desindustrialização dos países, mas não a descarbonização. Isso porque as novas plantas são instaladas em países com regras mais frouxas e com sistema energético sujo, como os asiáticos, que possuem o carvão como fonte de energia relevante.
A regulamentação, portanto, deveria ser neutra, simples e permitir que os empreendedores decidam o que vão realizar.
Energia e inteligência artificial
Existe um consenso de que o mundo necessitará de um aumento brutal da produção de energia. Seja para os países em desenvolvimento, para que efetivamente se desenvolvam e melhorem a qualidade de vida da sua população, seja para os desenvolvidos atenderem a duas agendas: reindustrialização e inteligência artificial.
A reindustrialização e a inteligência artificial, em especial a segunda, passam a ser compreendidas como questões de soberania nacional. Na inteligência artificial há uma corrida global, e para o Estados Unidos permanecerem como primeira potência militar e econômica precisam avançar com celeridade na agenda – sugestão de que EUA pode estar atras da China (vide o episódio da companhia chinesa Deepseek, que apresentou um grande salto tecnológico e derrubou as ações das empresas americanas).
O desenvolvimento da inteligência artificial depende da oferta de energia, a qual é consumida em data centers. Essas instalações têm sido chamadas de nova manufatura moderna, pois fabricam informações e conhecimento. Além disso, promovem a modernização das manufaturas tradicionais, pois geram eficiência, melhor tomada de decisão, planejamento e predição, dentre outros. Sem data centers e inteligência artificial, portanto, as economias e empresas tradicionais ficarão rapidamente para trás
A aposta no gás natural
Para a geração de energia nos EUA, aposta-se muito no gás natural, que se consolida como o combustível da transição, mas também o que estabiliza os sistemas elétricos, sendo complementar e dando constância para a produção de energia renovável. Os Estados Unidos desejam se manter e avançar como maior produtor global de gás natural, assim como de gás natural liquefeito (GNL).
A produção de GNL será exportada para os países aliados, em especial à Europa, para substituir o gás natural russo e os projetos de energia renovável que não estão performando. Além disso, há um olhar especial para a Ásia: o plano é abastecer de energia os aliados e afastar a influência da China. Um local especial de aumento da produção será o Alasca, apresentado como fronteira energética: “Melhor nos EUA do que produzir em outros locais com questões socioambientais negativas”.
Uma outra forma de geração de energia que retorna com força seria a nuclear. A tecnologia é entendida como importante para esse portfólio, com conhecimento dos Estados Unidos e sua evolução em segurança. Muitas operadoras de plantas nucleares vêm anunciando planos de expansão rápida.
Assim, em primeiro lugar o foco deve ser gerar energia, sem renunciar a qualquer que seja a fonte. E a correta gestão da demanda e da infraestrutura. Neste sentido, a política climática seria tratada de forma secundária.
As palavras utilizadas passam a ser não mais “transition” ou “substitution”, mas “addition” e “complementation”.
Rotas tecnológicas verdes
A agenda de desenvolvimento de novas rotas e cadeias de valor verdes passa por um momento de reflexão, tendo em vista o contexto de (i) mudanças regulatórias, (ii) aumento das tarifas, (iii) mudanças fiscais e limites dos incentivos e (iv) incerteza geral.
Os projetos passam por revisões de seus planos de negócios. A análise precisa confirmar a estabilidade e as premissas econômicas do fornecimento das matérias-primas (os feedstocks), a aceitabilidade dos combustíveis nos mercados e o exame da complexidade e das mudanças das políticas e mandatos regulatórios.
A solução estratégica para este momento seria desenvolver e trabalhar em um conjunto de opcionalidades. Os investidores trabalharem com um portfólio de projetos, de forma a mitigar riscos e permitir a estruturação simultânea das soluções. Essa abordagem garante exposição a diferentes tecnologias, feedstocks, projetos e mercados.
Para soluções específicas, vale destacar a percepção que o desenvolvimento da cadeia do hidrogênio de baixo carbono está em velocidade mais baixa do que esperado. E que o hidrogênio azul, produzido com combustíveis fósseis e com a captura e armazenamento de carbono (CCS), está à frente do verde. Por conta disso, há uma série de evoluções de projetos oferecendo CCS, vários deles com a expectativa de receber decisão final de investimento até o final do ano de 2025.
Pode-se dizer que os investimentos continuam na transição energética – mas seguindo os seguintes princípios principais:
. Pragmatismo nos aportes;
. Foco nos fundamentos e planos de negócios sólidos;
. Diversificação e visão de portfólio;
. Várias fontes de capital, incluindo blended finance;
. Base case return;
. Visão de longo prazo;
. Coinvestimentos
– Busca pela Estabilidade nas regras e sinalização clara para superar as incertezas.
Presença brasileira
Houve uma presença importante brasileira, com grandes instituições presentes, tanto corporações quanto consultorias, associações, agências reguladoras, gestoras de recursos e outros. Entretanto, essa presença não se traduziu em menções relevantes à América Latina nos painéis.
Destacam-se as manifestações da Petrobras, mantendo sua estratégia de diversificação e aposta em fontes e combustíveis renováveis – solar, eólica, etanol, biodiesel e outros. Além disso, referências para os projetos de coprocessamento, SAF, bio bunker (combustível sustentável para navios de carga) e captura de carbono.
A companhia reconhece a atividade de óleo e gás como a principal do negócio. Assim sendo, há a expectativa da exploração da Margem Equatorial com permissão por parte das autoridades ambientais – mas os investimentos na diversificação de portfólio seguem firmes, diferentemente do que se vê em empresas europeias, que foram pioneiras a apostar nessa estratégia e agora têm anunciado mudanças de rota.
Conclusão
O mundo está passando por um momento de inflexão. Sua maior potência busca manter sua predominância militar, econômica e política. Neste sentido, os temas segurança energética, inteligência artificial e reindustrialização são relacionados com a soberania nacional. Essa nova configuração coloca todo o restante em segundo plano, incluindo a agenda climática.
Todas as fontes de energia devem ser exploradas, de forma complementar, para que haja oferta necessária e inteligente. Sem transição ou reposição de fontes. E sem que haja atrasos fruto de complexidade regulatória, mandatos inadequados ou atraso governamental – fazendo jus à máxima “drill, baby, drill”. Para que assim os data centers surjam e as indústrias voltam ao território americano.
E ainda com os investimentos em energia e combustíveis verdes acontecendo. Mas com um olhar disciplinado aos fundamentos, bem como de portfólio, com os investidores apostando em uma cesta de soluções com as diferentes tecnologias, produtos e mercados, de forma a mitigar riscos e gerar opcionalidades.
Nada será simples. O movimento de “Make Energy Great Again” pode potencialmente ser abatido pelo fechamento da economia, com as mudanças regulatórias, aumento das tarifas e limites à imigração – tradicionais geradores de inflação e atrasos nos projetos. Mesmo com mais energia abastecendo a inteligência artificial e a inteligência artificial gerindo a energia.
* Bruno Caldas Aranha é co-fundador e CVO da Yvy Capital