OPINIÃO

Brasil tem uma transição energética menos óbvia a fazer, mas com melhor retorno

País tem uma das matrizes mais renováveis do mundo e, por isso, não deve focar apenas na geração de energia limpa, mas também no seu uso final 

Brasil tem uma transição energética menos óbvia a fazer, mas com melhor retorno

O financiamento climático internacional destinado ao Brasil atingiu cerca de R$ 10,2 bilhões no biênio 2021-2022, o que representa um crescimento de 84% na comparação com o biênio anterior, conforme dados da Climate Policy Initiative (CPI) organizados pela PUC-Rio. 

Esse tipo de financiamento, que envolve fluxos de recursos mobilizados por países, bancos multilaterais e corporações, é fundamental para promover a descarbonização das economias. 

No caso brasileiro, mais da metade do montante aplicado foi voltado a projetos de geração de energia renovável. Mas, além da atratividade desse tipo de investimento no país, os dados refletem a visão global de que o principal movimento em favor da transição energética deva ser a substituição das fontes fósseis por renováveis nas matrizes elétricas dos países.

Mas o Brasil apresenta uma condição totalmente diferente da maioria das economias: embora não esteja isento de desafios nesse segmento, pode avançar em outras áreas com melhores oportunidades de retorno. 

Com uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo, não deve focar apenas na geração de eletricidade limpa, mas também no uso final dessa energia. Ou seja, investimentos que abordem a transição pelo lado da demanda devem ser prioritários. 

A descarbonização da indústria pesada é uma das principais alternativas nesse sentido. O potencial não aproveitado de energia limpa permite que o país reduza a pegada de carbono de indústrias existentes em áreas hard to abate, como aço, cimento, vidro e químicos, e amplie os investimentos produtivos nessas áreas, posicionando-se como um fornecedor competitivo de bens descarbonizados no mercado internacional.

No caso da siderurgia, por exemplo, o Brasil tem condições de aproveitar seu potencial de energia limpa, entre outras condições, para avançar em diversas frentes nessa área, como o uso de carvão vegetal de origem sustentável no lugar do carvão mineral e a adoção de biometano nos alto-fornos. O aumento nos volumes de sucata que possam retornar ao processo produtivo também é estratégico para a redução das emissões do setor.

Outra possibilidade é o silício: apesar de dispor de uma das maiores reservas de quartzo do mundo, o país hoje exporta essa matéria-prima do silício com baixíssimos níveis de processamento, para depois importá-la na forma de silício de altíssima pureza embarcada nos painéis fotovoltaicos e outras aplicações. Vale observar que a maior parte do refino do material é feita na China, cuja matriz elétrica tem uma pegada de carbono cerca de 17 vezes superior à brasileira. A internalização de parte da cadeia de produção no Brasil contribuiria, portanto, para uma energia solar muito mais limpa.

Evidentemente que são processos muito desafiadores, ainda mais num cenário de enorme competitividade chinesa, guerra comercial e limitações fiscais como o atual. Afinal, dependem da criação de novos negócios, reorganização de cadeias de fornecedores e busca por novos mercados, entre outras ações. Ao mesmo tempo, novas linhas produtivas instaladas nesse contexto terão de enfrentar a concorrência dos mercados tradicionais.

É fundamental, portanto, a criação de condições sistêmicas e institucionais que enderecem esses desafios e reduzam os riscos associados, possibilitando a atração do capital necessário para tais linhas de financiamento. 

A redução desses riscos e a atração de capital também exigem que as questões ligadas à transição energética e à descarbonização sejam consideradas com a devida robustez. Isso pressupõe, por exemplo, a definição de uma taxonomia específica, com critérios objetivos para o que pode ser considerado sustentável ou verde, bem como a criação de certificações e o reconhecimento, por parte dos parceiros comerciais, do green premium dos produtos.

Certamente são desafios muito maiores do que a implementação de novas usinas solares ou eólicas. Mas seu potencial de retorno também pode ser muito superior – e não só em termos de clima, como de desenvolvimento socioeconômico para o país. Afinal, podem aumentar a geração de empregos, o valor agregado das exportações brasileiras e, de maneira mais ampla, o desenvolvimento socioeconômico do país.

* Rosana Santos é diretora-executiva e Stefania Relva é diretora de Transformação Industrial do Instituto E+ Transição Energética.