OPINIÃO

Biometano pode ser um ativo do Brasil no palco climático global

País prepara nova política com potencial para transformar o mercado de gás natural e inaugurar um novo instrumento de rastreabilidade ambiental

Funcionário em usina de produção de biometano

A regulamentação do Programa Nacional de Descarbonização do Gás Natural e de Incentivo ao Biometano (PNDGN-Biometano), previsto na Lei do Combustível do Futuro, pode ser um marco na criação de uma política pública que combine descarbonização efetiva, inovação regulatória e tração econômica.

Há vontade política para que essa regulamentação seja editada em breve. O texto foi colocado em consulta pública (encerrada em 19 de maio) e discutido em audiência pública ocorrida em 21 de maio, na sede do Ministério de Minas e Energia, em Brasília. 

O novo marco deve estabelecer metas obrigatórias de substituição parcial do gás natural por biometano a partir de 2026. A proposta é que produtores e importadores de gás natural passem a adquirir Certificados de Garantia de Origem do Biometano (CGOBs), vinculados ao volume de gás renovável efetivamente incorporado. 

Trata-se de um mecanismo inédito no portfólio de ativos ambientais brasileiros, com potencial de transformar o biometano em um novo vetor de valor – econômico, ambiental e reputacional.

Os CGOBs atestam a rastreabilidade do conteúdo biogênico da molécula de gás e são, portanto, a garantia de que determinada fração do gás consumido tem origem renovável – o que agrega valor à molécula e confere transparência às cadeias que desejam reduzir sua pegada de carbono. O modelo aproxima o Brasil dos sistemas de guarantees of origin da União Europeia, criando novas oportunidades no mercado regulado e voluntário.

O impacto pode ser expressivo. Segundo a Abiogás, o país já possui projetos em desenvolvimento capazes de produzir cerca de 7 milhões de m³/dia de biometano até 2030. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima um potencial técnico superior a 30 milhões de m³/dia, o equivalente a um quarto do consumo nacional atual de gás natural. 

O estímulo a essa produção pode destravar investimentos em saneamento, agroindústria, transporte e infraestrutura, além de ampliar o uso energético de resíduos orgânicos hoje subaproveitados.

A regulamentação também articula uma governança robusta: ANP, CVM e entidades registradoras compartilharão a supervisão do mercado, garantindo integridade na emissão, escrituração e aposentadoria dos certificados. A exigência de certificação independente e a rastreabilidade em plataforma eletrônica são pilares que fortalecem a credibilidade dos CGOBs e sua atratividade junto a investidores institucionais comprometidos com critérios ESG.

Há desafios, naturalmente. A implementação de instrumentos e controles para garantir que não haverá dupla contagem de atributos ambientais entre CGOBs e outros certificados é essencial. Também será necessário maturar a precificação e a liquidez do ativo, além de fomentar sua aceitação por compradores internacionais.

Ainda assim, o potencial é notável. A nova política pode gerar demanda estável por biometano, facilitar financiamentos via debêntures verdes e REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) e posicionar o Brasil como referência global em rastreabilidade ambiental de moléculas energéticas. 

Na COP30, o país poderá apresentar um modelo concreto de transição energética – com metas obrigatórias, regulação clara e ativos verificáveis.

Mais do que um marco setorial, os CGOBs representam uma mudança de lógica: da compensação à comprovação. Do discurso à rastreabilidade. Se bem desenhada, a política será um ativo do Brasil – e não apenas do biometano – no palco climático global.

Raphael Fonseca Niemeyer é sócio da área de M&A e ESG do Stocche Forbes Advogados
Julia Barker é advogada da equipe de Direito Público e Regulatório do Stocche Forbes Advogados
Beatriz Pereira é head da equipe de Direito Ambiental do Stocche Forbes Advogados