
A Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC) é a lei climática mais importante que você nunca ouviu falar (ou nunca deu bola). É ela que organiza a governança e a gestão sobre a política climática no Brasil, definindo diretrizes, competências, instrumentos, objetivos e metas.
O governo federal abriu para consulta pública, até 1º de dezembro, a minuta de anteprojeto de lei que revisa a PNMC. Quinze anos depois de sua criação – a lei nº 12.187 é de 2009 –, o objetivo é atualizar a lei e alinhá-la aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris.
Trata-se de uma oportunidade para trazer maior clareza conceitual, reforçar a segurança jurídica, garantir a continuidade dos instrumentos da política climática brasileira e engajar o setor privado.
A PNMC é o marco legal sobre mudança do clima no Brasil. Sua atualização periódica é necessária para garantir a efetividade da política climática brasileira diante do progresso da ciência, das dinâmicas do mercado, da evolução do direito e de um sistema climático em constante alteração.
Muita coisa mudou de 2009 para cá, quando a PNMC foi publicada. Naquela ocasião, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia acabado de anunciar, durante a COP15, em Copenhague, que o Brasil assumia pela primeira vez um compromisso voluntário de reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE), no patamar entre 36,1% e 38,9% de suas emissões projetadas até 2020, tomando 2005 como ano-base.
Com a adesão ao Acordo de Paris de 2015, a adoção de metas climáticas deixou de ser uma opção política e passou a ser uma obrigação jurídica. O país tornou-se legalmente comprometido a possuir uma meta climática, a atualizá-la a cada cinco anos e a adotar políticas domésticas com o objetivo de atingir tal meta – a famigerada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC).
Além disso, essa meta deve estar inserida em uma visão de longo prazo, em que o Brasil almeje “alcançar um equilíbrio entre as emissões e remoções de GEE na segunda metade deste século”, como também previsto no Acordo de Paris.
Novidade
Foi nesse contexto que o anteprojeto de revisão da PNMC trouxe uma grande novidade. Ele incluiu o atingimento de “emissões líquidas zero de gases de efeito estufa” (em inglês conhecido como net zero) como um objetivo geral e de longo prazo da política climática brasileira, em linha com o Acordo de Paris.
E para garantir maior precisão conceitual, o termo é definido no artigo 2º da minuta de lei como a “condição em que as emissões antrópicas de gases de efeito estufa se equivalem às remoções antrópicas desses gases (…)”.
A previsão legal explícita desse conceito não somente orienta a ação estatal, mas também oferece subsídios importantes para que empresas e investidores alinhem suas estratégias corporativas e planos de transição climática.
A revisão da PNMC também aproveita para atualizar conceitos básicos, como adaptação e mitigação climática, de acordo com as definições científicas do IPCC, e introduz novos termos que ganharam importância no regime climático nos últimos anos, como desenvolvimento sustentável, justiça climática e transição justa.
A definição desses últimos é particularmente importante porque, não raro, as expressões são usadas como sinônimos.
Enquanto transição justa é a “trajetória” rumo a um “modelo de desenvolvimento socioeconômico de baixa emissão de GEE e resiliente à mudança do clima”, de forma consistente com os princípios de equidade; justiça climática é uma dimensão pragmática desses princípios, sendo a “abordagem de combate às desigualdades sociais e de promoção dos direitos humanos no enfrentamento da mudança do clima”, inclusive mediante a proteção de grupos vulnerabilizados.
A promoção de transições justas e a consideração do princípio de justiça climática aparecem em diversos pontos da lei, o que sugere uma ampla relevância que também não pode ser ignorada pelo setor privado para reconhecer o problema climático também como um desafio social.
Novo conceito
Outro novo conceito notável é o de “urgência climática”, uma diretriz crucial que traduz a dimensão temporal da crise climática a ser considerada em processos de tomada de decisão: é o “reconhecimento, baseado na melhor ciência disponível, da escassa margem de tempo existente para prevenir e/ou reverter e/ou atenuar os graves riscos e impactos causados pela mudança do clima para pessoas, ecossistemas e economia”.
O conceito não cabe apenas na tomada de decisão do administrador público, mas poderia ser bem utilizado no contexto em decisões judiciais e – por que não – de políticas corporativas e organizacionais.
Entre as diretrizes revisadas da PNMC, uma adição importante é a que prevê a “adoção progressiva de metas e medidas de mitigação e adaptação sem retroceder aos níveis de ambição alcançados ou estabelecidos previamente”. Esta formulação está em linha com o princípio da “progressividade” estabelecido no Acordo de Paris, pelo qual cada nova NDC deve representar uma progressão em relação à NDC anterior e refletir a maior ambição possível.
De forma semelhante, o princípio da proibição do retrocesso ambiental, já consolidado no direito brasileiro, reforça essa interpretação. Essa diretriz também envia um sinal claro ao setor privado: a transição climática está em curso e o orçamento de carbono brasileiro será cada vez mais restrito, tolerando progressivamente menos emissões. O próprio conceito de orçamento de carbono, aliás, passa a ser definido na PNMC e incluído como instrumento do Plano Clima.
Atualizações
Nas seções que abordam os instrumentos da PNMC, as tipologias foram reorganizadas entre instrumentos de planejamento, implementação, monitoramento e transparência, e institucionais. As atualizações foram numerosas e necessárias para contemplar os diversos instrumentos de política climática criados pelo governo federal nos últimos anos, incluindo o Plano Clima, suas estratégias temáticas e planos setoriais.
Com isso, todo o arcabouço de políticas e processos relacionados à elaboração das metas climáticas brasileiras ganha base legal consolidada, o que materializa e reforça os sinais regulatórios da descarbonização para o setor privado.
Também foram contemplados como instrumentos de implementação da PNMC o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), a Taxonomia Sustentável, e até mesmo os relatos corporativos de sustentabilidade sobre riscos e oportunidades financeiras associadas à mudança do clima.
Além disso, a PNMC passa a reconhecer que as instituições financeiras oficiais não apenas deverão oferecer linhas de crédito especiais para atender os objetivos da política climática brasileira, mas poderão estabelecer condições mais favoráveis de acesso ao crédito nas suas linhas convencionais de financiamento, para atender os objetivos da PNMC.
Esses direcionamentos são fundamentais para ampliar as fontes de financiamento climático e estimular práticas de descarbonização em escala, articulando instrumentos de mercado, financiamento privado e políticas de crédito.
Inovação
Por fim, uma das maiores inovações do anteprojeto é a criação de instrumentos de monitoramento e avaliação do progresso da própria PNMC. A proposta estabelece um Relatório Anual sobre Política Climática, a ser elaborado Secretaria Nacional de Mudança do Clima, com o objetivo de informar o estado e progresso de implementação da PNMC; e também um Relatório Independente de Avaliação da Política Climática, para avaliar o estado da implementação e a efetividade da PNMC, que será elaborado a cada dois anos, sendo que mais detalhes serão definidos em regulamento futuro.
Com mais níveis de escrutínio, busca-se garantir que a política climática brasileira não vai ficar apenas no papel e tampouco vai ter metas insuficientes ou inadequadas.
Se você não se convenceu de que esta é a lei mais importante do momento para direcionar a política climática brasileira, recomendo que leia o parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça e o que ele diz sobre as obrigações dos Estados em regular o setor privado nas suas emissões de gases de efeito estufa.
E se parece que o resto do mundo está desacelerando ou desregulando suas agendas verdes, talvez o Brasil esteja do lado certo da história – e do direito internacional. Nada menos se espera do anfitrião da COP30, no décimo aniversário do Acordo de Paris.