Para os carros e veículos leves, a transição para alternativas energéticas de baixo carbono está nos motores elétricos e nas baterias. Mas existe uma ampla gama de atividades críticas para a descarbonização da economia às quais esse combo não se aplica.
É o caso de grandes navios ou aviões, que não podem pesar demais nem têm o luxo de paradas para recarga no meio do caminho, e indústrias pesadas, como a siderurgia, que depende da queima do carvão para produzir aço.
Para muitas dessas atividades, a resposta é o hidrogênio verde. Esse combustível do futuro ainda custa caro e é produzido em pequenas quantidades. Mas sua característica fundamental – ele não emite gases causadores do efeito estufa na produção nem em sua utilização – é considerada uma peça-chave da descarbonização da economia global.
Existem diferentes possibilidades para obter hidrogênio verde, mas a mais promissora hoje é a que usa somente água e energia renovável. Os dois insumos são abundantes por aqui e fazem do Brasil um dos candidatos a liderar esse novo segmento da indústria da energia – mas a concorrência será acirrada.
Preparamos este guia para explicar tudo o que você precisa saber sobre o hidrogênio verde. Da ciência básica às últimas inovações tecnológicas que prometem acelerar a transição para um mundo pós-carbono.
Quem investe em hidrogênio verde?
Que países estão na corrida pelo hidrogênio verde?
O que é hidrogênio verde?
O hidrogênio, ou H2, é o elemento mais abundante do universo, mas ele não é encontrado livre na natureza. São necessários processos industriais para separar as moléculas de hidrogênio contidas em outras substâncias, como a água ou o gás metano. Ganha a classificação de verde aquele produzido sem a emissão de gases causadores do efeito estufa.
O mundo já consome grandes quantidades de hidrogênio, mas ele não é verde. Hoje, o principal desafio é refinar a tecnologia e aumentar a escala para reduzir o custo de produção do hidrogênio verde.
Diversos nomes de cor são associados ao hidrogênio de acordo com a intensidade de emissões associadas ao processo produtivo (mas o gás é incolor). Eis as principais delas.
Hidrogênio cinza
É a “cor” de mais de 90% do hidrogênio usado no mundo hoje, principalmente na indústria petroquímica. A principal matéria-prima é o gás natural. Esse método produtivo é altamente poluente: para cada quilo de hidrogênio são lançados entre 11 e 13 quilos de CO2 na atmosfera.
Hidrogênio azul
Indica o hidrogênio produzido a partir do gás natural, mas com uma diferença importante: as emissões de CO2 são sequestradas na fonte usando tecnologias de captura. Evita-se a maior parte das emissões, mas capturar carbono representa mais complexidade e custo.
Alguns apontam o hidrogênio azul como uma solução intermediária até o H2 verde ganhar escala.
Hidrogênio rosa
Como o hidrogênio verde, ele não tem emissões de CO2 associadas à sua produção, mas a fonte de eletricidade são usinas nucleares.
Como ele é produzido?
Existem diferentes rotas para a obtenção do hidrogênio verde, mas a mais promissora – e a que recebe mais investimentos – é a eletrólise da molécula da água, que requer somente água e energia renovável. Em equipamentos chamados eletrolisadores, uma corrente elétrica separa os átomos de oxigênio e hidrogênio da água.
O insumo mais importante para a produção do hidrogênio verde é a eletricidade limpa. Não é exagero dizer que o H2 verde é uma maneira de capturar e transportar a energia do sol ou dos ventos.
Energia eólica e solar
Os principais projetos em desenvolvimento hoje estão localizados em regiões do planeta onde há abundância de irradiação solar ou fortes ventos.
Na maioria dos casos, a produção de H2 verde será intermitente, conforme a disponibilidade de energia, mas alguns projetos consideram o uso de baterias para que não haja interrupções.
Eletrolisadores
O coração das usinas de hidrogênio são os eletrolisadores. Embora a tecnologia seja conhecida e dominada há um século, o interesse pelo hidrogênio verde está gerando uma corrida por eficiência.
Algumas startups focam em componentes críticos dos eletrolisadores, enquanto companhias tradicionais estão entrando no negócio de olho no mercado nascente.
Em comparação com dois anos atrás, a capacidade de todos os eletrolisadores em uso no mundo deve decuplicar no final de 2022, de acordo com a empresa de pesquisa BloombergNEF.
Para que serve?
Em teoria, os potenciais usos do hidrogênio verde são inúmeros e vão do aquecimento de edifícios às turbinas de jatos de passageiros.
Mas a produção em grande escala deve demorar um bom tempo. A expectativa é que ele seja utilizado inicialmente em setores e indústrias que emitem muitos gases de efeito estufa e cuja descarbonização é particularmente complicada. Eis alguns exemplos:
A siderurgia e o aço verde
Os bilhões de toneladas de aço consumidos anualmente respondem por cerca de 7% de todas as emissões de CO2. As grandes siderúrgicas do mundo estão desenvolvendo novos processos que usam hidrogênio verde, em vez do carvão, para transformar o minério de ferro e produzir “aço verde”.
Navios e aviões movidos a hidrogênio verde
Baterias seriam a solução ideal para substituir os combustíveis fósseis em todo tipo de transporte, mas no caso de grandes veículos elas têm um problema: pesam muito e não duram o suficiente para longos trajetos.
Fabricantes de avião (como a Embraer) e de navios cargueiros apostam que o hidrogênio verde – puro ou na forma de amônia ou metanol – seja o caminho mais curto para reduzir a pegada de carbono.
Os fertilizantes verdes
O hidrogênio é um insumo essencial para a produção da amônia, uma das matérias-primas base da indústria de fertilizantes.
A substituição do atual hidrogênio cinza pela versão verde tem o potencial de reduzir as emissões de gases de efeito estufa da cadeia produtiva dos alimentos.
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A produção de hidrogênio verde no Brasil
Países com grande potencial eólico ou solar, especialmente aqueles em que as usinas renováveis são economicamente competitivas, são candidatos naturais para produzir hidrogênio verde. É o caso do Brasil.
Três portos estão criando hubs de produção de H2 verde, e a Unigel anunciou uma unidade instalada no polo petroquímico de Camaçari, na Bahia.
O hidrogênio verde no Ceará
O hub mais avançado do país está no Porto de Pecém, ao norte de Fortaleza. O porto já tem estudos avançados com pelo menos dez companhias ou consórcios interessados em produzir H2 verde no Ceará.
A produção do novo combustível foi um dos motivos apontados pela ArcelorMittal para a aquisição da Companhia Siderúrgica do Pecém, instalada no complexo portuário.
Pecém tem entre seus sócios o Porto de Roterdã, que se posiciona como uma das principais portas de entrada do hidrogênio no continente. A expectativa é que a produção comercial tenha início em 2025 ou 2026.
Produto de exportação
Os mercados internacionais, dispostos a pagar mais caro enquanto a produção ainda está ganhando escala, devem ser os primeiros clientes do hidrogênio verde brasileiro.
Um dos países que mais incentivam a indústria globalmente é a Alemanha. Dono de um enorme parque industrial e carente de boas fontes de energia renovável, o país deve ser um grande importador.
A produção para consumo interno
Existe um grande potencial para o desenvolvimento de uma economia do H2 verde também dentro do país.
O governo federal promete um estudo abrangente sobre o potencial da economia do hidrogênio no país. Siderúrgicas, mineradoras e o setor de transportes são todos interessados nessa alternativa de descarbonização.
A estratégia do Porto do Açu, no litoral norte do Rio de Janeiro, é justamente essa. A localização próxima à indústria pesada nacional posiciona o terminal como um potencial agente da descarbonização da economia brasileira. O plano da companhia é produzir hidrogênio verde com energia eólica gerada por tubinas offshore.
Quem investe em hidrogênio verde?
Não é exagero comparar o frenesi de investimentos dos últimos dois anos a uma corrida do ouro. De grandes petroleiras a novas entrantes no setor de energia, o interesse em hidrogênio verde explodiu nos últimos meses.
As petroleiras
A Shell vai construir uma planta piloto no Porto do Açu (RJ), um investimento de até US$ 120 milhões. Outras gigantes, como a britânica BP e a francesa Total Energies, anunciaram investimentos bilionários em plantas de hidrogênio verde para começar a se reposicionar como companhias de energia – não mais como empresas de óleo e gás.
Grandes exportadores de petróleo, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, também têm projetos de grande escala para produzir o combustível livre de carbono usando parques solares instalados no deserto.
Os investimentos das brasileiras
A Vibra, ex-BR Distribuidora, já anunciou ter iniciativas ligadas ao H2 verde, como parte de um posicionamento como uma companhia que entrega a energia demandada pelo cliente. A Essentia, empresa de renováveis do fundo Pátria, estuda projetos de produção do combustível no Chile.
As novas entrantes
Não são apenas empresas do setor que investem no combustível. A quarta maior mineradora de ferro do mundo, a australiana Fortescue Metals, quer que sua subsidiária Fortescue Future Industries seja a maior produtora global de H2 verde (a companhia explora produção também no Brasil).
O maior projeto do mundo anunciado até aqui, localizado no Texas, será desenvolvido pela Green Hydrogen International, uma startup americana fundada em 2019. A empresa terá entre seus clientes a SpaceX, empresa aeroespacial de Elon Musk.
Que outros países produzem hidrogênio verde?
O hidrogênio verde deve alterar o equilíbrio geopolítico global. Países que não ganharam na “loteria geológica” e não detêm grandes reservas de combustíveis fósseis podem se tornar grandes produtores dessa nova fonte de energia.
O Brasil é um dos candidatos naturais a ocupar a liderança global, mas a disputa será acirrada.
O programa chileno
O vizinho sul-americano foi um dos primeiros a apresentar um plano nacional para explorar o hidrogênio, em 2020. O sol no deserto do Atacama e os ventos do estreito de Magalhães são duas das maiores fontes potenciais de energia renovável do mundo.
O país tem mais de 60 projetos em estudos e já definiu usos para o H2 verde na descarbonização da economia do país, além da exportação.
A ascensão dos Estados Unidos
Além de diversos projetos já anunciados, o megaplano ambiental de Joe Biden prevê investimentos e incentivos para o hidrogênio verde. As primeiras estimativas indicam que o país pode ter um dos custos de produção mais baixos do mundo.
A aposta australiana
Com enorme potencial solar no oeste desértico do país, a Austrália tem um plano ambicioso para ser uma das líderes mundiais na produção de hidrogênio verde. O objetivo é tanto cortar as emissões do próprio país quanto exportar para grandes economias asiáticas, como Japão e Coreia do Sul.
A amônia verde
Para que seja usado de forma ampla, o hidrogênio terá de superar alguns desafios técnicos importantes, principalmente em relação ao transporte e à segurança.
Em forma gasosa, o hidrogênio ocupa espaço demais em relação ao seu potencial energético. Ele pode ser comprimido ou liquefeito, mas ambos os processos significam uma redução da eficiência energética.
A expectativa é que, pelo menos inicialmente, o hidrogênio verde seja transformado em amônia para ser transportado de maneira econômica.
Para que serve a amônia verde?
A amônia obtida com hidrogênio verde pode substituir a que já é utilizada hoje, por exemplo na fabricação de fertilizantes, plásticos e explosivos. Já existe uma grande infraestrutura global para lidar com essa versão limpa do químico.
A amônia como ‘embalagem’
Para transformar o H2 em líquido, a maneira mais segura para transportá-lo, é necessário resfriar o gás a -253°C. Já a amônia pode ser liquefeita a -33°C ou submetida a baixas pressões.
Por esse motivo, os primeiros carregamentos internacionais de H2 verde devem ser realizados na forma de amônia. Uma vez no destino, basta “quebrar” as moléculas de amônia para extrair o hidrogênio, um procedimento simples e seguro.
No tanque de combustível
Também se espera que a amônia ajude a descarbonizar navegação pesada. A australiana Fortescue Future Industries quer colocar no mar o primeiro cargueiro movido a amônia verde.
A Maersk, uma das maiores empresas de transporte marítimo do mundo, está desenvolvendo navios movidos a metanol verde, um combustível que pode ser produzido a partir de fontes limpas como biogás ou hidrogênio verde.