Governo avança em projeto para mercado regulado de carbono. O que você precisa saber

Ministério da Fazenda circula minuta de projeto de lei; regulação mira grandes emissores industriais e permite uso de offsets

Chaminés industriais soltando nuvens de fumaça
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(Este texto foi publicado em primeira mão na newsletter Carbono Zero. Inscreva-se aqui.)

Finalmente, o mercado regulado de carbono brasileiro pode sair do papel. Ainda há muitos detalhes a serem trabalhados e um indcerto percurso no Congresso, mas o governo federal parece ter chegado a um consenso sobre o que seriam as linhas gerais da regulação. 

Um rascunho de projeto de lei elaborado pelo Ministério da Fazenda, que circulou esta semana, estabelece um mercado de cap and trade, nos moldes da União Europeia, que mira as grandes fontes emissoras, de mais de 25 mil toneladas de carbono por ano. 

Como funcionaria? Na prática, estarão sujeitos ao mercado grandes indústrias nos setores mais poluentes, como siderurgia, cimento e alumínio. 

Nos sistemas do tipo cap and trade, são estabelecidos tetos de emissão para as entidades reguladas, que vão caindo progressivamente. Quem emite mais que o permitido compra as permissões para emitir de quem ficou abaixo do limite. (Serão reguladas as fontes unitárias de emissão, como cada fábrica em específico, e não as empresas, que reúnem várias unidades de produção.)

Outro ponto presente na minuta, à qual o Reset teve acesso, é que serão aceitos offsets ou compensações de emissões. Ou seja, as fontes sujeitas à regulação poderão comprar créditos de carbono de entidades não reguladas — desde que eles atendam a critérios de integridade a serem estabelecidos — para compensar suas emissões.

Este é um ponto relevante para o Brasil, onde a maior parte das emissões vêm da mudança no uso da terra, pois incentiva atividades como a de conservação e restauração de florestas, além de técnicas agrícolas que fixam carbono no solo.

Um decreto publicado esta semana restabeleceu o Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIM). Formado pelos principais ministérios do governo e com a previsão de contar com especialistas de “conhecimento notório”, estes sem direito a voto, o comitê seria a principal estrutura de governança, responsável pela regulamentação e implementação do sistema de comércio de emissões. 

“Até hoje, fizemos iniciativas pontuais de descarbonização, sem conexão com uma política climática mais ampla. É importante ter uma governança que garanta essa integração”, afirma Ronaldo Seroa da Motta, professor da UERJ. 

Costura política

O texto da Fazenda coloca o agronegócio como um dos setores passíveis de regulação — ainda que isso seja mais complicado do ponto de vista técnico, por conta das dificuldades de medição de fontes que não sejam “na chaminé”. 

Nos bastidores, está claro que o foco é a indústria e que o agro poderia entrar apenas num outro momento, participando, inclusive, como gerador de offsets.

“Mas essa é uma questão muito delicada do ponto de vista político”, argumenta uma fonte envolvida no processo. 

A indústria, por meio da CNI, já está mais comprada na ideia do cap-and-trade, especialmente por conta das sanções que serão estabelecidas na União Europeia para produtos intensivos em carbono. 

“Já o agro é o mais reativo e é a bancada ruralista que pode segurar essa pauta no Congresso”, aponta.

Nos últimos meses, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) vinha liderando as conversas com o Congresso, entidades do setor privado e da sociedade civil em relação ao tema. Uma minuta da pasta já circulava desde o fim de março. 

O texto apresentado esta semana já reúne boa parte das contribuições que foram feitas ao longo do processo, mas surpreendentemente foi apresentado pela Fazenda. Fontes do setor privado relatam uma ‘bateção de cabeça’, sem uma interlocução concentrada. 

“Nos bastidores está rolando uma espécie de Game of Thrones dessa pauta, com todo mundo querendo ter protagonismo no tema”, diz um interlocutor que acompanha de perto as negociações. 

Enquanto isso, no legislativo…

O governo tem dito que a minuta é um ponto de partida, ainda a receber contribuições. Com pouca força política para apresentar diretamente um projeto de lei, o mais provável é que o Executivo submeta seu texto como um substitutivo a um dos três projetos de lei que tramitam no Congresso sobre o assunto. 

O mais adiantado deles é o projeto 412, que está no Senado em fase de audiências públicas, sob a relatoria da senadora Leila Barros. Em torno dele já havia uma costura do MDIC para trazer um texto mais robusto à baila.

Na Câmara tramita o PL 2148, que aguarda ser pautado para a Comissão Especial. Trata-se de uma versão do PL 528, um texto que angariou bastante apoio do setor privado e quase chegou a ser votado às vésperas da COP26, de Glasgow.

Recentemente, foi apresentado no Senado o PL 2229, que trata do REDD (geração de créditos de carbono de desmatamento evitado), mas que tem diversos erros técnicos, na avaliação de especialistas, e não ganhou muita tração. 

O plano do governo, a princípio, é terminar decosturar um texto e colocá-lo para votação na volta das férias legislativas – de novo, para ter algo para apresentar até a próxima COP. Agora vai?

E como fica o mercado voluntário?

Entender quais créditos de carbono serão aceitos dentro de um mercado regulado dependerá de uma regulamentação adicional que deve vir num momento posterior. 

Em teoria, há dois caminhos a serem seguidos: a aceitação de certificadoras que hoje já atendem ao mercado voluntário ou a adoção de padrões específicos para o sistema de comércio de emissões nacional, a exemplo do que faz a Califórnia. 

Numa primeira leitura, a minuta da Fazenda parece prever um registro de créditos de carbono apenas para os projetos que quiserem atender ao mercado regulado.

Ela não cria um registro mandatório para os projetos do mercado voluntário, o que era uma preocupação das desenvolvedoras, que temiam ficar engessadas pelas exigências do governo. 

É um modelo que, se bem sucedido, pode ajudar a dissipar as desconfianças que vêm colocando em xeque o mercado voluntário, especialmente de créditos de conservação florestal.

“Os critérios a serem adotados pelo governo podem trazer um sinal importante de integridade para os projetos brasileiros, melhorando nossa imagem lá fora e levantando a barra do mercado em geral”, diz Natalia Renteria, chefe de assuntos regulatórios da Biomas.

As definições são importantes inclusive para dar mais clareza às empresas que querem fazer seus planos de mitigação e compensação.

“Um dos grandes desafios que as companhias vêm passando na jornada de descarbonização é a incerteza regulatória e jurídica”, aponta Viviane Romeiro, diretora de clima, energia e finanças sustentáveis do Centro Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).