É difícil construir consenso quando estamos falando de combate às mudanças climáticas. As conferências de biodiversidade e do clima da ONU estão aí para provar. Talvez a única coisa certa é que será preciso uma montanha de dinheiro.
Uma parte sairá do bolso de governos, mas o maior desembolso terá que vir da iniciativa privada. E aí entram em campo dois importantes mobilizadores de capital: bancos e gestoras de recursos.
O evento Reset Conecta: Finanças Climáticas no Brasil: dos milhões aos bilhões, realizado pelo Reset em parceria com a ERM nesta segunda-feira (25), colocou alguns dos principais atores dessa conversa no mesmo palco para contar como estão trabalhando para financiar a transição para uma economia de baixo carbono.
Dois bancos com metas trilionárias de financiamento de projetos verdes e duas gestoras que captam bilhões de reais para fundos ESG. Confira os destaques do debate.
Do bilhão ao trilhão
O principal negócio dos bancos é emprestar dinheiro. Então não tem como atingirem suas metas de net zero sem ajudar seus clientes na descarbonização. E nada mais convincente do que transformar isso em condições dentro dos financiamentos.
“Olhamos as finanças sustentáveis e, principalmente, a transição climática dos nossos clientes. Tem um trabalho sendo feito desde que a gente aderiu ao Net Zero Bank Alliance em 2021, quando olhamos para os nove setores de carbono intensivo”, diz Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco.
O banco anunciou recentemente sua nova meta de concessão e estruturação de crédito para atividades sustentáveis: R$ 1 trilhão até 2030. Desses, R$ 430 bilhões foram concedidos entre 2019 e julho de 2024.
Em outra moeda, o Citi tem ambição parecida. O banco pretende desembolsar US$ 1 trilhão no financiamento de projetos de sustentabilidade globalmente até 2030. Desses, já realizou US$ 440 bilhões até agora.
“Reposicionamos o banco para apoiar nossos clientes”, diz Daniel O’Czerny, head de infraestrutura e project finance do Citi na América Latina. O banco criou áreas específicas para isso, entre elas uma de transição energética global, que trabalha em conjunto com as áreas de corporate e investimentos.
“Elas trabalham juntas para buscar negócios e dar suporte para os clientes, de forma que a gente consiga estruturar os projetos, métricas, para que eles consigam, ao longo do tempo, entregar o net zero”, diz O’Czerny.
Soluções
“Nascemos como uma casa de fundos multimercados, mas com o tempo ficou claro que nos tornamos uma empresa de soluções de capital. Somos demandados a criar cada vez mais estruturas sofisticadas”, diz Alexandre Muller, diretor de investimentos em crédito da JGP e diretor executivo da Régia Capital.
Casamento de JGP com a asset do Banco do Brasil, a Régia Capital é uma gestora especializada em ESG e planeja captar R$ 20 bilhões até 2025.
Muller conta que a grande mudança de perspectiva foi passar a olhar as outras externalidades não financeiras que os negócios das empresas investidas têm. “E rapidinho a gente percebeu que essa era uma mudança de paradigma, que fazia todo o sentido dentro da forma que a gente pensa o investimento, já que procuramos empresas perpetuáveis”, diz Muller.
E dentro dessa estratégia, a gestora oferece desde opções de operações de crédito mais líquidas e emissões certificadas, até soluções mais complexas, como FIDCs de blended finance e fundos de private equity.
O diretor da Régia cita o exemplo do fundo de metais de transição que a gestora vai administrar junto com a gestora mineira Ore, que tem Vale e BNDES como investidores-âncora. “Será o primeiro private equity focado em metais de transição com uma cabeça sustentável, deve levantar mais de um bilhão de reais”, conta.
Demanda externa
A Vinci Partners, uma das gestoras mais tradicionais do Brasil em infraestrutura, foi provocada por investidores estrangeiros a voltar sua atenção para produtos climáticos, conta Rodrigo Rocha, sócio da área de infraestrutura.
“Entendemos que muitas das coisas que fazíamos já se qualificavam como investimentos climáticos, mas obviamente não tínhamos intencionalidade no passado. Agora, criamos um produto com essa intenção”, disse o gestor.
A Vinci está captando R$ 2 bilhões para um fundo com tese climática, e atraiu nomes de peso, como o Banco de Investimento Europeu (EIB, na sigla em inglês) e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB).
Parte do sucesso se deu pela adequação do veículo ao Artigo 9, uma parte do Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFRD), a regulação europeia. “Não era uma preocupação para nós, mas também fomos provocados por um investidor que disse que só investe em fundos enquadrados no Artigo 9.”
Na prática, para se enquadrar nos critérios exigidos, a Vinci precisou apresentar um compromisso maior, com mais obrigações de reporte, maior número de indicadores e a mensuração das emissões de carbono de sua cadeia de valor (o chamado escopo 3), por exemplo.
Ter um compromisso importante de reporte com o regulador, de modo geral, ajuda muito a gestora a cumprir com as demandas dos investidores nessa frente, diz Rocha.
Criando bons projetos
Bancos e gestoras têm papel complementar no financiamento dos projetos, com soluções diferentes para cada etapa de desenvolvimento. Operações de empresas e setores nascentes, que são atrativas para gestoras e após atingirem um nível de maturidade, vão passar a acessar os bancos.
“Estamos olhando com muita atenção os projetos menores. Operações pequenas, que nem sempre o mercado tem interesse, mas que podem ser escaláveis. Como a emissão de um CRA verde de R$ 32 milhões da Tobasa para produção de babaçu”, conta Muller.
A gestora também está de olho em projetos de reflorestamento. Um tema que inevitavelmente passa pelo agronegócio, observa Muller. “É um setor pulverizado por natureza. Então a gente tem que pensar de forma diferente. E projetos de reflorestamento são intensivos em capital, com ciclos longos de investimentos, então a sofisticação da solução financeira é maior”, diz.
Na Vinci, a estratégia é trazer novos projetos para o mercado, chamados de “greenfield”. “Um bom projeto é aquele em que conseguimos correr os riscos a que nos propomos. No caso da nossa estratégia, a gente não se propôs a correr riscos de desenvolvimento, a gente quer implementá-los”, diz Rocha.
A gestora busca bons desenvolvedores de projetos, para fazer a pesquisa e desenvolvimento, e entram na fase de implementação. “Eles trazem o projeto até um certo ponto e, dali para frente, com o nosso capital, ajuda a tornar aquele projeto uma realidade.”
O Itaú voltou sua atenção para projetos não tão maduros, mas com potencial para serem escalados por meio da estrutura criada pelo banco, diz Nicola. “Aqueles que conseguiríamos ajudar de alguma forma a acessar capital, trazendo dados e uma visão de oportunidade.”
São muitas as boas propostas, mas poucas as que têm um grau maior de maturidade, segundo a diretora. “Quando você vai para aquelas que ainda não estão maduras, o ganho é maior. Você consegue fazer mais empresas gerarem mais impacto [positivo] e ter um portfólio de cases de boas práticas”, diz ela.
O’Czerny, do Citi, destaca que a parte mais difícil do trabalho é a seleção dos projetos e parceiros. Segundo ele, peneirar projetos e escolher desenvolvedores é essencial para o desempenho dos negócios. Para o Eco Invest, o banco olhou para dentro da própria carteira de clientes para fazer a seleção.