ONU: seguradoras precisam de plano de transição net zero

Pnuma lança iniciativa para empresas montarem estratégias na prática; brasileira CNSeg é a primeira a aderir ao programa

Bússola aponta para Zero CO2
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Baku, Azerbaijão – Nos Estados Unidos, moradores de certas áreas costeiras na Flórida ou sob risco dos constantes incêndios florestais na Califórnia não têm opções de proteção. Seguradoras não querem mais assumir o risco ou o fazem mediante preços altíssimos.

O que para alguns negócios pode parecer uma ameaça futura é preocupação urgente para o setor de seguros. Adaptar modelos de risco das seguradoras para o impacto da mudança do clima é parte do desafio, mas isso não será suficiente, diz Butch Baccani, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) responsável pela iniciativa global da ONU relacionada às seguradoras.

Tampouco se trata de apenas vender mais apólices. “A resposta para a crise atual não é simplesmente dizer que precisamos de mais seguros”, afirmou Baccani ao Reset em Baku, durante a conferência do clima. “Precisamos entender e mitigar os riscos, do contrário os seguros vão ficar mais caros e, no fim das contas, inacessíveis.”

Isso significa o setor passar dos compromissos de ser net zero para planos efetivos que vão guiar essa transição.

Outro ponto essencial, diz Baccani, é uma aproximação maior entre o setor e os responsáveis por políticas públicas e as comunidades vulneráveis. “Que sentido faz permitir novas construções em áreas suscetíveis a enchentes? Quando vamos atualizar os códigos para obras?”, diz Baccani.

Essa distância dos formuladores de regras e a realidade econômica das seguradoras é “a receita para um setor insustentável”, afirma o filipino, que lidera o programa FIT, sigla em inglês para Fórum da Transição Net Zero dos Seguros.

Net zero na prática

Baccani apresentou em Baku o primeiro de três estudos que desenharão um plano de transição rumo ao net zero para as seguradoras do mundo todo.

A Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) foi a primeira entidade a aderir formalmente à iniciativa FIT, lançada em abril.

Embora muitas companhias já tenham se comprometido com a neutralidade de emissões, o compromisso precisa ser acompanhado por uma descrição detalhada para merecer credibilidade, afirma ele.

Regulamentações europeias, como a Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa, exigem que empresas divulguem planos de transição alinhados com o Acordo de Paris. “Essa obrigação ajuda a disciplinar o mercado”, afirma Baccani.

Outro motivo importante para ter clareza sobre o caminho até o net zero são os riscos prudenciais. “Reguladores dos setores de seguros e financeiros em geral precisam dessas informações. Eventuais desalinhamentos podem se refletir na estabilidade e na segurança das instituições financeiras.”

Hoje, as orientações para formular essas estratégias são genéricas e mais direcionadas às empresas. Do lado financeiro, elas são orientadas para investimentos e empréstimos, afirma o diretor do Pnuma.

O documento inicial trata da inclusão nos planos de transição das carteiras de subscrição das seguradoras, em todos os ramos de atuação, e das cadeias de valor. Os dois outros serão lançados em 2025.

Perdas e danos

Embora não seja chamado tecnicamente de seguro, o fundo de perdas e danos estabelecido na COP do ano passado na prática funciona como uma proteção financeira para os países atingidos por tragédias causadas pela mudança do clima.

Uma das expectativas desse mecanismo é que o repasse dos recursos seja rápido. Essa característica torna o conceito básico do seguro um instrumento importante diante do aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos, segundo o setor.

Uma das ideias que vêm recebendo atenção são as apólices paramétricas, que disparam automaticamente o pagamento dos prêmios mediante certos gatilhos, como a velocidade dos ventos ou a quantidade de chuvas em um determinado período.

“Não se trata de algo novo, mas essa ferramenta ainda não é amplamente utilizada”, afirma Baccani. Ele menciona como exemplo alguns arranjos regionais, como a Caribbean Catastrophe Risk Insurance Facility (CCRIF).

O mecanismo do Caribe foi desenvolvido com apoio técnico do Banco Mundial e capitalizado por doações de Canadá, União Europeia e Reino Unido, entre outros.

Três semanas depois da passagem do furacão Beryl pelo Caribe, no fim de junho, o país caribenho Granada recebeu ao todo US$ 55,5 milhões do CCRIF, entre recursos para o governo e as empresas nacionais de saneamento e eletricidade.

As perdas totais da ilha – país de origem de Simon Stiell, o secretário-executivo da Convenção do Clima – foram estimadas em US$ 218 milhões. “[O seguro] pode não cobrir todos os custos de reconstrução, mas nos permite começar a jornada de restaurar nossas casas, nossas comunidades e nossa nação”, afirmou o premiê granadino, Dickon Mitchell.

O governo mexicano lançou este ano uma parceria público-privada para proteger agricultores em casos de chuvas ou estiagens. O programa está em fase de testes.

Inovações como essa são uma maneira de estender o alcance da cobertura na nova realidade climática global, diz Dyogo Oliveira, presidente da CNSeg.

A estimativa da entidade é que a tragédia no Rio Grande do Sul tenha causado um prejuízo total de R$ 100 bilhões – e as seguradoras receberam avisos de sinistros (que não significam necessariamente pagamentos) totalizando R$ 6 bilhões.

“Poderíamos ter pagado muito mais se empresas, pessoas e governos estivessem segurados”, diz Oliveira. “Globalmente, a média de cobertura está em 30%, o que ainda é insuficiente.”