O setor financeiro brasileiro e o desafio climático

Não é surpresa que bancos dos EUA tenham saído de alianças climáticas, mas no Brasil o compromisso com a transição conta com ferramentas efetivas do setor

O setor financeiro brasileiro e o desafio climático
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O compromisso global com a transição para uma economia de baixo carbono é uma jornada complexa, mas cheia de oportunidades para inovação e crescimento sustentável.

No Brasil, essa agenda inclui metas de transição energética, agricultura de baixo carbono, indústria de matriz mineral e proteção de florestas. Essas iniciativas têm apoio crescente do setor privado e contam com ferramentas efetivas do setor financeiro.

A atuação das instituições financeiras em prol da transição para emissões líquidas zero (net zero) depende do quadro regulatório em que operam, bem como das percepções e do apetite do setor privado e dos investidores para avançar nessa direção.

Não é surpresa que algumas instituições financeiras americanas tenham deixado recentemente a NetZero Banking Alliance. Essa aliança, lançada na COP26 como parte da Glasgow Financial Alliance for Net Zero (Gfanz), reúne 144 instituições de 44 países comprometidas em alinhar carteiras de investimento e financiamento às metas de emissão zero até 2050.

Articulada com o trabalho regulatório da Network for Greening the Financial Sector (NGFS), que abrange cerca de 150 países, a aliança multiplica o impacto dos compromissos e ações individuais e reduz riscos de inconsistências.

A realidade climática nos Estados Unidos é cada vez mais evidente para o setor financeiro, inclusive para as seguradoras. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, desastres climáticos representaram uma perda superior a US$ 100 bilhões nos EUA só em 2023.

Eventos extremos, como a perda de patrimônio com incêndios na Califórnia e a elevação dos prêmios de seguros residenciais na Flórida,  já impactam a economia. Mesmo fora de alianças, a gestão de risco climático continuará a orientar muitas instituições americanas.

Evolução brasileira

No Brasil, o cenário de finanças sustentáveis tem evoluído significativamente. Comprometido com o Acordo de Paris, o país adota uma regulamentação financeira robusta, que integra critérios socioambientais e de governança, com intersecção das mudanças climáticas.

O Banco Central do Brasil tem liderado esforços para integrar o risco climático às práticas prudenciais e comerciais. A Resolução 4.943 de 2021 exige que instituições financeiras considerem riscos socioambientais em suas operações de crédito, incluindo a pegada de carbono atual e futura de suas carteiras de empréstimos.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) incorporou à regulação nacional o padrão internacional de divulgação de sustentabilidade do International Sustainability Standards Board (ISSB), que exige que empresas divulguem informações sobre riscos e oportunidades no campo da sustentabilidade, notadamente no aspecto climático. Essas exigências, obrigatórias a partir de 2026 para empresas listadas, devem influenciar fornecedores e pequenas empresas, promovendo transparência e segurança para investidores e gestores empresariais.

As regulações do BC e da CVM são referências globais, com potencial para destacar o setor financeiro brasileiro em mercados internacionais.

No Brasil, quase toda finança é, em última instância, verde, dado os riscos e oportunidades aos quais está sujeita. Exemplos incluem financiamento de fontes de eletricidade sustentável, biocombustíveis, mineração e saneamento.

Além disso, já existem diversos fundos verdes, que movimentaram perto de R$ 10 bilhões em 2022 com a emissão de mais de R$ 50 bilhões em títulos verdes (green bonds) e títulos com taxa de remuneração indexada a metas ambientais.

Recentemente, o Tesouro Nacional concluiu com muito sucesso uma competição envolvendo diversos bancos brasileiros para alavancarem recursos oferecidos pelo governo para promover projetos verdes, abrindo possibilidades até em áreas ambiciosas como a do hidrogênio verde.

Para desbloquear o pleno potencial das finanças sustentáveis, é essencial garantir transparência sobre os riscos enfrentados pelas empresas, suas intenções de lidar com o impacto de suas operações para o clima e as ações concretas tomadas. Transparência e métricas confiáveis são pilares para conquistar a confiança dos investidores e tornar as ações financeiras mais efetivas, atraindo capital internacional e fortalecendo a posição do Brasil em foros globais.

Apesar do aumento na divulgação de dados de sustentabilidade pelas empresas, falta uma agregação consistente que permita visão ampla e detalhada da pegada de carbono das empresas no Brasil – e de seus esforços para redução. A integração de relatórios ESG com plataformas de dados climáticos será cada vez mais relevante, inclusive com o uso de ferramentas de inteligência artificial para ampliar a acessibilidade.

Iniciativas como o Climate Finance Hub, que oferece modelos e ratings de descarbonização, são um ponto de partida para demonstrar a capacidade do país de aderir à transição climática.

Há outros exemplos, como a colaboração com instituições como o CDP, que detém importante inventário das declarações empresariais; o capítulo brasileiro do Gfanz, que congrega instituições financeiras líderes, incluindo o setor de gestão de ativos; o trabalho de associações do setor financeiro e projetos de estimativa de emissões. Todas essas iniciativas reforçam o papel de liderança do Brasil no enfrentamento dos riscos climáticos.

Essa liderança pode abrir muitas portas para o país e potencializar a liderança e inovação que o setor financeiro brasileiro possui diante do enfrentamento dos riscos climáticos, quiçá a tempo da COP 30.

* Joaquim Levy foi ministro da Fazenda e preside o conselho do Climate Finance Hub