“Levo isso a sério”, disse o megainvestidor americano Warren Buffett sobre as mudanças climáticas na reunião anual de sua empresa, a Berkshire Hathaway, em 2007. “Deveríamos ter muito cuidado com isso.”
Aos 94 anos, Buffett anunciou sua aposentadoria neste último fim de semana, na reunião que reuniu 40 mil acionistas da Berkshire. Ele vai entregar o cargo de CEO da holding ao executivo do setor de energia Greg Abel até o fim deste ano.
Conhecido por seu histórico de bons resultados, o lendário investidor deixa um legado descrito como “complexo” e “heterogêneo” em suas apostas climáticas. Buffett investiu pesado em energias renováveis, mas também foi um grande financiador de combustíveis fósseis.
“Ele é obviamente um dos investidores mais lendários do mundo porque enxerga oportunidades. Algumas coincidiram com questões climáticas, outras não”, disse Ethan Zindler, líder da área de pesquisa da Bloomberg NEF.
Uma leitura atenta do histórico de investimentos e das declarações públicas de Buffett sugere uma visão bastante consistente do “oráculo de Omaha”: a transição energética está pronta para ganhar ritmo, mas será demorada, confusa e lenta demais para evitar níveis prejudiciais de aquecimento global, resumiu o Financial Times.
O grande passo de Buffett no setor energético foi dado em 2000 com a aquisição da MidAmerican Energy, uma concessionária que gerava quase três quartos de sua energia a partir do carvão. Desde então, a empresa – agora chamada Berkshire Hathaway Energy (BHE) – investiu US$ 39 bilhões para se tornar uma das maiores concessionárias de energia renovável dos Estados Unidos.
A empresa, no entanto, ainda tem as termelétricas a carvão que emitem mais gases de óxido de nitrogênio do que qualquer outra concessionária a carvão do país, segundo uma reportagem da Reuters. Apesar dos grandes investimentos em renováveis, a empresa tem resistido aos esforços dos órgãos reguladores para tornar as suas usinas mais limpas, com impactos prejudiciais às comunidades locais.
A Berkshire Hathaway Energy também voltou atrás no compromisso de desativar suas maiores usinas a carvão até o início da década de 2030. O movimento foi visto como uma tentativa de aproveitar o ambiente político favorável aos negócios de fósseis sob a gestão de Donald Trump.
Na assembleia anual neste fim de semana, Abel – o futuro CEO, hoje vice-presidente de operações da holding e CEO da BHE – destacou os bilhões em investimentos em energias renováveis para desativar cinco unidades de carvão. Ele acrescentou, porém, que outras cinco unidades ainda seriam necessárias para manter o sistema estável. “Não podemos ter uma situação como a de Espanha e Portugal”, afirmou ele, em referência ao recente apagão que atingiu os dois países. A plateia o aplaudiu.
“Não parece que o investimento ESG seja uma prioridade muito alta na lista deles”, disse Matthew Palazola, analista da Bloomberg Intelligence, sobre a Berkshire. “Eles enxergam energia como uma necessidade para a sociedade.”
‘Oportunidades’
Quando o otimismo dos investidores quanto à velocidade da transição energética estava no auge, Buffett viu uma chance de aproveitar a baixa das ações do setor de óleo e gás nos EUA. Em 2019 e 2020, a Berkshire fez grandes investimentos na Chevron e na Occidental Petroleum, ambas com ganhos substanciais.
Foi uma aposta contrária em um momento de ascensão da candidatura presidencial de Joe Biden, que tinha uma plataforma com políticas pró-clima. “Vamos precisar de muitos hidrocarbonetos por um longo tempo”, disse Buffett aos investidores em 2021, em meio a esforços no mundo para se afastar do petróleo.
Em sua última carta anual aos acionistas, Buffett disse que espera manter “indefinidamente” sua participação na Occidental Petroleum e destacou que a petroleira foi essencial para a independência energética dos EUA.
Na mão inversa, Buffett identificou oportunidades de investimento em baixo carbono antes da maioria de seus pares. Ele foi um dos primeiros investidores da BYD, empresa chinesa que se tornou a maior montadora mundial de veículos elétricos. Em 2008, a Berkshire fez um investimento de US$ 230 milhões. A participação chegou a valer US$ 8 bilhões em meados de 2022 e desde então vem sendo gradualmente reduzida.
Como nos anos anteriores, Buffett resistiu na reunião deste ano a uma proposta de acionistas para que a Berkshire divulgue de forma mais detalhada seus riscos climáticos – sugestão que descreveu anteriormente como “absurda”. Segundo o Financial Times, porém, essa postura teria mais a ver com o desejo de Buffett de manter uma operação centralizada e enxuta do que com suas visões sobre as mudanças climáticas.
O braço de seguros do grupo, que representa grande parte das operações, é onde está o maior risco climático. Buffett alertou que as tempestades cada vez mais severas do ano passado sugerem que “as mudanças climáticas podem ter anunciado sua chegada”.
No relatório anual de 2024, a empresa estimou que seu grupo segurador poderia incorrer em perdas antes dos impostos de aproximadamente US$ 1,3 bilhão com os incêndios florestais que devastaram o sul da Califórnia em janeiro – eventos que se tornaram mais prováveis devido ao aquecimento global.
As mudanças climáticas representam um risco crescente para as seguradoras e colocam o sucessor de Buffett diante de um grande desafio. Abel foi vice-presidente das operações não relacionadas a seguros da Berkshire, mas agora como CEO supervisionará todos os setores da empresa.
“Algum dia, a qualquer dia, ocorrerá uma perda de seguro verdadeiramente alarmante. E não há garantia de que haverá apenas uma por ano”, sentenciou o oráculo de Omaha – que agora assistirá isso de sua aposentadoria.