O Santander relançou hoje o fundo Ethical, pioneiro em investimentos responsáveis no Brasil lançado há quase 20 anos, e está colocando na prateleira um fundo de previdência que vai seguir a mesma metodologia de análise das companhias, com uma pitada de renda fixa.
Os produtos que sobem para a prateleira são fruto de uma reforma mais abrangente, desenvolvida junto à matriz espanhola, em que a asset local do banco passa a incorporar uma avaliação de fatores ESG (ambientais, sociais e de governança) para todos os ativos em carteira.
Isso não quer dizer que de uma hora para a outra todos os fundos adotam esses critérios. Mas, com as ferramentas criadas, os gestores poderão executar estratégias de gestão que deem mais ou menos peso à dimensão ESG.
“Fazemos isso há muito tempo e, enquanto o mercado começa a discutir conselhos e os conceitos mais iniciais de ESG e sustentabilidade, estamos trazendo metodologia, indicadores e processos que têm a ver com ESG”, diz Gilberto Abreu, CEO da Santander Asset Management.
A nova metodologia é fruto de um trabalho iniciado em 2018 pelo Santander global, que desenvolveu uma estratégia de sustentabilidade para ser aplicada em todos os produtos do banco internacionalmente.
O banco escolheu como provedora de dados ESG a Clarity, que compila dados e ratings ESG de MSCI, Refinitiv, Bloomberg e Sustainalytics. O banco considera que essa compilação minimiza a enorme discrepância entre as notas atribuídas para as empresas por cada uma das casas de análise.
“A base de dados global vai propiciar comparar os produtos internos e lá fora, tenham eles propostas ESG ou não. E também ajuda na análise de crédito privado e até a equipe de risco de crédito”, afirma Luzia Hirata, analista de sustentabilidade da Santander Asset Management.
O ‘lifting’ do pioneiro
Herdado do Banco Real, que foi adquirido pelo Santander, o Ethical nasceu quando não existia sequer o Novo Mercado, nível de governança mais elevado da bolsa brasileira, e antes mesmo do florescimento do mercado acionário local.
Nesse contexto, o processo de seleção considerava as respostas de um questionário sobre as dimensões de produto, gestão e transparência, governança corporativa, gestão de risco e relacionamento com stakeholders.
E contava com um conselho consultivo especializado em sustentabilidade, que fazia uma análise mais criteriosa das empresas respondentes.
A revisão traz o Ethical para um momento em que há mais abundância de dados e ferramentais para análise ESG.
A aplicação mínima é R$ 100, com liquidez em D+4 e uma taxa de administração de 2% ao ano. Não há taxa de performance.
Além do fundo de ações, o Santander Brasil anunciou o lançamento do fundo Previdência Ethical, que terá 70% do portfólio em ações e 30% em renda fixa e seguirá os mesmos critérios de seleção do Ethical tradicional. Nesse caso, a taxa de administração é de 1,6% ao ano.
Agora, a análise das empresas está sendo feita em duas etapas.
Uma primeira, fundamentalista, é tocada pela equipe de gestão, liderada por Raquel Diniz, head de equities do banco. Sobre o universo de empresas listadas na bolsa, são considerados os setores de maior potencial, e indicadores macroeconômicos. A próxima etapa acrescenta a metodologia ESG definida pela matriz.
As companhias brasileiras têm um score absoluto e outro relativo, que as posicionam em relação a seus pares setoriais.
As dimensões ambientais, sociais e de governança são analisadas quanto a indicadores específicos e grupos de impacto. Por exemplo, na dimensão ambiental, há 25 indicadores que medem cinco grupos de impacto do negócio: emissão de gases poluentes, eficiência energética, biodiversidade, gestão de recursos naturais e gestão de resíduos.
Parte dessas informações já vem da Clarity. Mas a equipe local faz a revisão e ajuda a atualizar a base de dados global com informações conseguidas in loco.
As empresas são encaixadas em quatro níveis de pontuação. No Ethical, a estratégia é ter 80% do capital alocado nas firmas dos dois maiores níveis, e 20% no terceiro nível.
Mas há exceções: podem entrar na carteira empresas no quarto nível desde que o gestor conheça bem o negócio, ou quando se trata de um IPO.
O fundo também considera o engajamento. “Companhias da América Latina têm mais dificuldade em divulgar as informações, e isso baixa o score, ainda que sejam empresas interessantes. Nós vamos apoiar as mais bem analisadas pela equipe local para ajudar na divulgação das informações e acompanhá-las mais de perto, no conceito mais tradicional do engajamento”, diz Luzia Hirata, analista de sustentabilidade da asset.
Procurando alpha
Apesar da mudança de metodologia no Ethical, na prática, pouco mudou na carteira por enquanto, segundo Hirata. A nova metodologia já está sendo empregada há dois meses.
No recorte por setor, os destaques são consumo e varejo (31%), transporte (16%), telecomunicações (12%), saneamento (11%), financeiro (11%) e distribuição de combustíveis (7%).
Desde o lançamento, o rendimento do fundo deixou a desejar, ficando historicamente abaixo do Ibovespa. Mas isso vem mudando no horizonte mais curto. Nos últimos 12 meses, que inclui a crise da pandemia, o rendimento do fundo foi de 8,6%, acima do Índice de Sustentabilidade Empresarial (3,6%) e Ibovespa (-7,2%).
“Aprendemos bastante com Ethical nos últimos 19 anos. Foi uma grande referência. Nos últimos anos tivemos período em que ele não performou. Mas, de 12 meses pra cá, a evolução foi notória”, diz Hirata.
Segundo ela, esse movimento reflete a mudança na cultura das próprias empresas e do amadurecimento das empresas em relação às questões ESG.
“A melhoria do fundo passa pela melhoria das empresas. A partir do momento em que mais companhias entendem que as práticas de ESG e de longo prazo vieram para ficar, e se aprimoram nesse sentido, o resultado chega no fundo”, diz Hirata.