Responsabilidade dos investidores sob lupa na temporada de assembleias

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Amy Cortese, do ImpactAlpha*

Responsabilidade dos investidores sob lupa na temporada de assembleias
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Antes mesmo da crise do covid, a temporada de assembleias de acionistas deste ano já vinha se mostrando decisiva.

O ritual da primavera no hemisfério norte, quando executivos e acionistas se encontram cara-a-cara, seria o primeiro a acontecer desde que 181 CEOs assinaram o compromisso do Business Roundtable para elevar outras partes interessadas dos negócios — funcionários, clientes, fornecedores e comunidades — ao mesmo patamar de importância dos acionistas.

Larry Fink, da BlackRock, alertou executivos que a gestora de US$ 7 trilhões em ativos poderia votar contra eles se falhassem em avançar nas agendas de risco climático e sustentabilidade.

A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, e o JPMorgan Chase, o maior banco do mundo, assinaram a iniciativa Climate Action 100+ para pressionar os maiores emissores de gases de efeito estufa a adotarem práticas limpas.

Os encontros presenciais não acontecerão, é claro, mas a covid-19 só aumentou os desafios para centenas de empresas que sofrem pressão dos acionistas para adotar medidas de responsabilidade climática, social e de governança.

“Este ano pode ser um ponto de inflexão”, diz Andrew Behar, da As You Sow, que promove responsabilidade socioambiental por meio do ativismo de acionistas. “A temporada de assembleias de 2020 será um teste para ver se investidores e empresas contribuirão para formatar um novo paradigma econômico ou se essas recomendações são apenas palavras ao vento”.

Os investidores mais engajados estão agora examinando também como as empresas protegeram e trataram seus funcionários durante a crise, e se revisaram planos de recompra de ações depois que muitas foram pegas sem caixa suficiente.

“Veremos como as empresas veem seu papel perante a comunidade, os funcionários e grupos de interesse, e se a visão deles sobre o propósito corporativo é consistente ou não”, diz Michael Passoff, da Proxy Impact, co-autor de um recente relatório sobre as tendências das assembleias.

Como os encontros, que costumam acontecer entre março e junho, serão on-line, algumas empresas aproveitaram para abafar a voz dos acionistas. Alterações propostas em novembro pela Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) tornam ainda mais difícil para acionistas sugerirem mudanças e obter recomendações sobre como votar. As novas regras devem ser finalizadas agora na primavera americana.

Sinal de alerta: as mudanças são há muito desejadas por grupos empresariais, incluindo o Business Roundtable, e despertam desconfiança de que as promessas grandiosas sobre um capitalismo de stakeholders eram, ao menos em parte, um esforço para sufocar acionistas ativistas.

Mais de 300 propostas sobre questões ambientais, sociais ou de governança em dezenas de empresas estão sendo votadas nas assembleias deste ano. As resoluções não são vinculantes, mas viraram uma ferramenta importante para permitir que os investidores se envolvam com as empresas e melhorem sua governança.

Um exemplo: a Legal & General Investment Management, a Aviva, a Robeco, a Schroders e o UBS no ano passado pediram à gigante petrolífera BP que explicasse como sua estratégia estava alinhada ao Acordo de Paris para mudanças climáticas.

Com um engajamento contínuo, eles ganharam o apoio do conselho e a proposta foi aprovada por unanimidade pelos acionistas na assembleia geral de 2019, abrindo caminho para o emblemático compromisso da BP, anunciado em fevereiro, de neutralizar sua pegada de carbono.

Os acionistas só vão acreditar nas novas promessas quando as virem sair do papel. Ainda assim, neste ano de acontecimentos excepcionais, a temporada de assembleias anuais pode entregar resultados inesperados. A crise da covid “é realmente um coringa”, diz Passoff. “Podemos ver algumas respostas interessantes das empresas”.

Isso já começou a acontecer, com os investidores exigindo que as empresas evitem comportamentos inadequados, Passoff acrescenta. Um exemplo: um grupo de 307 investidores liderados pela Domini Impact Investments, o Interfaith Center e a New York City lançaram um plano de cinco pontos cobrando as empresas para que protejam os trabalhadores e limitem as recompras de ações e pagamentos a executivos durante a crise.

Algumas das coisas que estamos vendo:

Preocupações com o clima dominam

As questões ambientais dominam novamente e o risco climático é o principal tópico da categoria, respondendo por 64 das 93 resoluções ambientais, de acordo com o Proxy Preview 2020. Muitas propostas deste ano pedem que as empresas expliquem como suas estratégias se alinham ao Acordo de Paris. A Climate Action 100+ fez pedido parecido a Chevron, Devon Energy, ExxonMobil e Marathon Petroleum.

O ‘S’ no ASG

Mesmo depois das retiradas, cerca de 40 propostas de remuneração justa e condições de trabalho equitativas serão levadas a votação. Elas foram preparadas bem antes do surgimento da pandemia, mas a crise deu destaque maior a essas questões. “Empresas com forte gerenciamento de capital humano vão se dar melhor no fim do dia”, diz Peter Reali, da Nuveen.

A crise da covid pode trazer mais rigor aos relatórios de uma área que tem tido pouca divulgação obrigatória, diz John Hoeppner, da Legal & General. Uma declaração recente feita por Jay Clayton e William Hinman, da SEC, sugere que ações das empresas para “proteger a saúde e o bem-estar dos funcionários e a segurança dos clientes” podem ser “de interesse material para investidores e incentivamos sua divulgação”.

Stakeholder economy

Desde que assinaram a declaração de propósito corporativo do Business Roundtable, 181 CEOs sinalizaram que seus funcionários, clientes, comunidades, fornecedores e sociedade em geral são prioridade, juntamente com os acionistas.

Mas membros de destaque do Business Roundtable tentaram barrar as resoluções dos acionistas sobre quase tudo, de mudanças climáticas a diversidade, e a própria organização apoiou as mudanças de regras propostas pela SEC que reduziriam drasticamente seu uso.

Depois que suas tentativas de bloquear as propostas falharam, a BlackRock e o Goldman Sachs enfrentam votos de acionistas em propostas que pedem detalhes sobre como planejam implementar a nova filosofia que contempla os vários stakeholders. Votações sobre propostas semelhantes que aconteceram no Citigroup e no Bank of America na semana passada não tiveram votos suficientes.

Banqueiro do combustível fóssil

O J.P. Morgan Chase, maior financiador de combustíveis fósseis do mundo, realiza sua reunião anual em 19 de maio. Na agenda, uma proposta da As You Sow questionando o banco sobre como pretende ser neutro em emissões de carbono até 2050, em conformidade com o Acordo de Paris, incluindo as emissões associadas a suas atividades de empréstimo.

Os acionistas também pedem que a companhia informe sobre suas operações de financiamento à exploração de areias betuminosas e outras atividades de alto carbono e fazem campanha para o banco demitir o ex-chefe da Exxon e conselheiro de longa data do J.P. Morgan, Lee Raymond.

Remoção de conselho na Exxon

A petroleira bloqueou um pedido de explicação sobre como pretende neutralizar sua emissão de carbono para atender ao Acordo de Paris. Mas está sendo desafiada pelos fundos de pensão da Igreja da Inglaterra e do Estado de Nova York, que na semana passada instaram outros acionistas a substituir todo o conselho da Exxon.

Os investidores foram motivados por “profunda insatisfação com a abordagem da ExxonMobil em relação aos riscos das mudanças climáticas e às falhas de governança que as sustentam”, escreveram em uma carta aberta. “Acreditamos que a ExxonMobil pode fazer muito mais, e que uma mudança de estratégia e de governança pode trazer uma melhoria há muito esperada nos retornos dos acionistas”.

Big Tech

A Amazon é mais uma vez alvo de investidores, incluindo funcionários e o Interfaith Center on Corporate Responsibility, que apresentou mais de 14 propostas de acionistas — o maior número para qualquer empresa dos Estados Unidos, refletindo a crescente influência da gigante do comércio eletrônico.

As resoluções tratam de temas que vão de clima à governança, sendo que metade é focada em direitos humanos, incluindo seu software de reconhecimento facial e condições de saúde e segurança dos colaboradores. A resposta da Amazon, diz Hoeppner, da Legal & General, será observada de perto. “É um símbolo maior para as empresas de tecnologia e de tendências futuras sobre como se envolver mais”.

Score de responsabilidade dos investidores

Conforme um punhado de gestores de fundos acumulam o controle de uma quantidade crescente de ações, eles estão sendo responsabilizados pelos investidores por sua administração — e as atas de votação estão sendo esmiuçadas.

O ‘stewardship’ ativo, ou seja o dever fiduciário dos acionistas que se manifesta em votações e engajamentos, é o novo diferencial competitivo para os gestores das carteiras passivas.

Isso coloca a BlackRock, em particular, em posição de destaque. Os investidores estão olhando para ver como ela se comporta depois que Fink declarou que “o risco climático é um risco de investimento”.

“Estaremos cada vez mais dispostos a votar contra a gerência e os diretores do conselho quando as empresas não estiverem fazendo progresso suficiente na divulgação de ações de sustentabilidade e às práticas e planos de negócios subjacentes a elas”, escreveu Fink em sua carta divulgada em janeiro.

Isso seria um início: a BlackRock votou contra 93% das propostas de resolução sociais e ambientais no ano passado, de acordo com a Morningstar. O gigante de gestão de ativos, que realiza sua assembleia em 21 de maio, se opõe a uma resolução que pede que explique como implementará o compromisso assumido pelo Business Roundtable.

Olhando para o futuro

A crise da covid pode resultar em uma onda de novas resoluções de acionistas no próximo ano, abrangendo vários assuntos e empresas, diz Passoff, da Proxy Impact.

Isso pode incluir preços e acesso a medicamentos em empresas farmacêuticas; saúde, segurança e remuneração dos trabalhadores nas empresas de varejo, alimentos, agricultura e transporte; despejos e empréstimos predatórios em empresas financeiras e imobiliárias; e a disseminação de informações erradas em gigantes das mídias sociais. A remuneração de executivos e como o dinheiro dos resgates do governo foi usado provavelmente serão uma grande questão também, especialmente em empresas que demitem trabalhadores, acrescentou Passoff.

*O Reset tem uma parceria de compartilhamento de conteúdo com o ImpactAlpha

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Amy Cortese, do ImpactAlpha*