OPINIÃO

Por que o Fiagro da Vox não saiu – e as lições que ficaram

Daniel Izzo, CEO da gestora de fundos de impacto, reflete sobre a tentativa fracassada de captar um fundo para recuperação de pastagens

Por que o Fiagro da Vox não saiu – e as lições que ficaram
A A
A A

No final do ano passado, conforme reportado aqui no Reset, a Vox Capital, em parceria com a Regai, não conseguiu captar o valor mínimo de R$ 50 milhões para viabilizar sua oferta público de um Fiagro com objetivo de regenerar dezenas de milhares de hectares de terras degradadas no Cerrado brasileiro. 

Esse produto, desenhado a quatro mãos por mais de um ano, contava ainda com a Cocamar, uma das maiores cooperativas do Brasil, como parceira de execução. Famílias cooperadas e treinadas em ILPF (integração lavoura-pasto-floresta), metodologia de ponta desenvolvida pela Emprapa, iriam trabalhar nas terras e, assim, pastagens hoje inutilizadas por anos de agricultura e pecuária extensivas iriam se tornar produtivas novamente. 

O retorno do fundo viria da diferença do preço de venda de uma terra regenerada em comparação com o valor da terra degradada numa mesma região, que costuma variar de 3 a 4 vezes, segundo nossas pesquisas. Além disso, pela primeira vez na história da Vox, teríamos a parceria de um grande banco para a distribuição do fundo – um banco com uma grande base de clientes do agro. 

O produto prometia um retorno bastante competitivo, mesmo sem levar em conta possíveis upsides de geração de carbono e da própria produção de alimentos nas terras regeneradas. Com tudo isso, estávamos confiantes em nossa capacidade de atrair interesse para a tese.

Realidade paralela

Quando apresentamos o produto ao mercado, tivemos diversas negativas que fizeram sentido: era (e ainda é) um momento delicado da economia, afastando investidores de produtos de liquidez de longo prazo, como era o caso desse fundo.

Outro fator apontado foi a parceria recente entre Vox e Regai, associada ao fato de ser um primeiro produto de uma nova tese, gerando percepção de risco adicional de execução ao projeto, algo que traz desconforto aos alocadores de recursos. Tudo isso era previsível e faz parte do jogo.

Mas um tipo de feedback foi muito surpreendente: um bom número de investidores declinou a oferta e justificou a decisão argumentando que não fazia sentido comprar uma terra degradada, se é mais barato comprar terras ainda cobertas de vegetação e, legalmente, “abri-las” (um eufemismo para desmatar) e, com isso, obter uma taxa interna de retorno (TIR) mais robusta.

O argumento parecia vir de alguém vivendo em um universo paralelo, sem conexão com este em que estamos vivendo. 

Esse tipo de pensamento denota uma total prevalência do retorno financeiro sobre qualquer outro aspecto da vida: o clima, as gerações futuras, a nossa própria sobrevivência. Os recentes e extremamente infelizes acontecimentos no Rio Grande do Sul mostram os resultados de “juros compostos” de atitudes e escolhas nessa direção por anos a fio. Mesmo quando as consequências resultantes desse modelo são claras, a TIR financeira segue única e soberana. 

Aprendizado

Num primeiro momento, isso nos trouxe uma profunda preocupação. Há mais de 15 anos trabalhando com o tema de impacto positivo nas finanças e, mesmo com o crescimento da agenda de sustentabilidade e ESG, entre outras sinalizações, nos pareceu que muito pouco estava realmente mudando. 

Mas, como diz meu sócio Daniel Brandão, nem tudo é terra desolada – ou degradada, no caso.

Não conseguimos chegar ao valor mínimo necessário para viabilizar o fundo, mas tivemos o comprometimento de investidores no valor de R$ 40 milhões, que está longe de ser desprezível. Afinal, existem, sim, investidores preocupados com o que o seu dinheiro está fazendo para obter retorno. É para eles que trabalhamos. 

Ao final de 2023, com base nos aprendizados dessa experiência e no trabalho ao longo do ano com o Climate Policy Initiative Lab, oficializamos a criação da nossa área de Soluções Baseadas na Natureza, que continua prospectando e estruturando instrumentos financeiros para dar conta de iniciativas de regeneração, agricultura e pecuária sustentáveis, cadeias de valor de insumos agroflorestais, entre outros. 

Há tanto tempo falando de impacto positivo no mercado financeiro, já enfrentamos todo tipo de ceticismo, críticas e preconceitos. 

A mudança, infelizmente, não está vindo na velocidade que gostaríamos e, talvez, que precisamos como sociedade. Mas isso serve de combustível para fortalecermos nosso compromisso e continuarmos trabalhando. Afinal, resiliência faz parte de nossa história.