Está prestes a nascer um dos projetos mais ambiciosos no país quando se trata de canalizar capital para a transição verde da economia.
Numa casa alugada na região da Cidade Jardim, em São Paulo, aos poucos toma forma a Yvy, gestora de recursos fundada pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes e pelo ex-presidente do BNDES, Gustavo Montezano.
Ao lado deles, circulam por ali outros sócios sênior de peso que foram atraídos para a empreitada. Entre eles, o diplomata e ex-diretor geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) Roberto Azevedo e o ex-CEO do UBS Pactual e do Bank of America no Brasil Rodrigo Xavier.
O endereço por ora é provisório, enquanto o escritório na região da avenida Faria Lima não fica pronto. Mas as ideias já estão avançadas.
A gestora pretende mobilizar capital internacional em escala para projetos que destravem o potencial brasileiro de oferecer soluções nas mais diversas áreas da transição para uma economia de baixo carbono.
“O mundo está evoluindo na direção de uma economia descarbonizada e, no Brasil, temos um tremendo potencial de suprir demandas internacionais. Mas está faltando quem conecte o capital a bons projetos, de empresas com capacidade de ter escala e rentabilidade”, diz Roberto Azevedo, sentado ao lado de Montezano, na primeira entrevista concedida pelos dos sócios da gestora.
“Dez a 15 anos à frente, o percentual de empresas que estão na economia verde vai aumentar. A migração é inexorável. Nosso objetivo é apoiar a transição ambiental-climática do Brasil, de forma sustentável, ambiental e financeiramente”, emenda o ex-presidente do BNDES.
A tese da Yvy não é inédita. Outras gestoras de private equity também já enxergaram esse caminho, como GEF Capital e EB Capital. “Para o Brasil é uma grande oportunidade e quanto mais gente fizer, melhor. Melhor para o ecossistema como um todo”, diz Montezano (à esquerda na imagem).
Enquanto muitos países já enxergaram as oportunidades da transição e dispõem de tecnologias, capacidade intelectual e capital, a disponibilidade de recursos naturais é algo escasso.
“O Brasil tem recursos em escala. Mas temos uma certa carência de capital financeiro, de patrimônio científico, de capital intelectual e, até certo ponto, também de projetos. É um diamante bruto que precisa ser lapidado”, diz Montezano.
Para quem acompanhou seu trabalho à frente do banco de desenvolvimento, dando impulso à agenda verde, a notícia não chega a surpreender. Antes mesmo de encerrar seu mandato, diz, o desenho do que viria a ser a Yvy já estava na sua cabeça.
Mas é com uma boa dose de ceticismo que a associação de Guedes ao projeto é recebida por quem já transita no meio dos investimentos e negócios sustentáveis. Afinal, está fresco na memória o desastroso legado ambiental do governo Bolsonaro, de quem Guedes foi um dos principais auxiliares.
“Essa não é uma agenda de uma corrente política. É uma agenda do Brasil, de uma geração inteira. E todos os sócios estão convencidos na tese, inclusive o Paulo”, diz Azevedo.
Primeiro fundo
Os sócios definem a Yvy como uma gestora de fundos de longo prazo. A autorização para operar deve sair no mês que vem, e o primeiro produto deve vir na sequência.
Será um fundo de private equity que comprará participações minoritárias. Startups que trabalham em novas tecnologias da transição estão fora do radar.
“Estamos interessados em tecnologias já aprovadas e queremos correr risco de adoção tecnológica, o risco da escala dessa execução”, diz Montezano.
A gestora definiu quatro verticais de investimento: transição energética, recursos naturais (onde cabem de mineração a celulose), agroindústria e, por fim, saneamento e resíduos. Os três primeiros têm um perfil global, exportador, enquanto o último é voltado para soluções domésticas.
A ideia é que o fundo funcione como uma espécie de proteção para o portfólio dos investidores, ajudando a reduzir a volatilidade que o processo de transição da economia fatalmente trará.
“A poupança global é vendida a descoberto em carbono. O que vamos oferecer é um produto de longo prazo com ações que têm uma correlação positiva com o preço do carbono. Ou seja, quanto mais o preço dos ativos ambientais climáticos subir, mais o investidor vai ganhar com a cota do fundo, compensando perdas no restante do portfólio”, diz Montezano.
Para tangibilizar a tese de investimento, ele toma como exemplo a matriz logística do país, intensiva em carbono por conta da dependência do transporte de caminhões movidos a diesel. “Se migrarmos de transporte rodoviário para hidroviário ou ferroviário a diesel já é uma economia absurda [de carbono]. Mas aí você ainda pode adicionar hidrogênio ou biocombustível.”
Nesse contexto, diz, a gestora poderia eventualmente entrar num operador de terminais que abastece os navios com biocombustível, ou numa empresa que faz otimização de frota de caminhões para reduzir as emissões.
Os sócios ainda não falam em estimativa de captação, mas deixam no ar que a pretensão está na casa do bilhão.
“Estamos em conversas com potenciais investidores-âncora, especificamente investidores institucionais estrangeiros para ajustar o produto à necessidade”, diz Montezano.
A expectativa é atrair principalmente institucionais estrangeiros, mas os sócios gostariam de contar também com alguns locais. “Mas a gente percebe que a demanda de escutar a história e de se interessar é muito mais forte por parte dos investidores de grande porte internacionais do que investidores locais”, diz Montezano.
Boa parte do tempo da equipe atualmente está dedicada a conversas com potenciais empresas investidas. A ideia é anunciar os primeiros aportes no primeiro trimestre de 2024.
“E ainda é cedo para dizer se o private equity vai se desdobrar em outros tipos de produto. A jornada vai determinar isso.”
Cinco pilares
Montezano explica que a filosofia de atuação da Yvy se baseia em cinco pilares.
O primeiro é que a transição da economia é uma jornada multidimensional. “Não é só financeira e nem puramente climática. Tampouco é só governamental, corporativa ou tecnológica. Também não é só uma demanda social. É tudo isso e a habilidade de navegar todos esses fatores é fundamental.”
O segundo pilar é que a Yvy pretende identificar os ‘climate winners’, os negócios e empreendedores mais bem posicionados para serem os vencedores da economia verde.
Para esses, a gestora quer se colocar como ‘parceira de jornada’, se associando como investidora minoritária. “Este é o terceiro pilar. Queremos acoplar os nossos conhecimentos, nossos relacionamentos a esses empreendedores.”
O quarto conceito, diz, é que a casa pretende trabalhar de forma colaborativa. “Num mundo imprevisível, multidimensional, temos que ter humildade e admitir que não sabemos para onde ele vai. É preciso atuar como um ecossistema. Quanto mais robusto for o ecossistema da economia verde no Brasil, melhor para todo mundo.”
Por fim, diz, está o conceito de que o retorno financeiro está sempre associado ao impacto. “Não existe dicotomia entre eles; isso é uma visão do passado. Quanto mais rentável financeiramente eu for nessa jornada, através do impacto climático ambiental, mais eu estou acelerando a transição.”
A equipe
A equipe da Yvy tem 18 pessoas, todos sócios, sendo seis sênior: Montezano, Azevedo, Paulo Guedes, Rodrigo Xavier, o ex-ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite e o ex-diretor de concessões e privatizações do BNDES Fábio Abrahão.
Além do próprio Montezano e de Abrahão, outros ex-diretores do banco também devem se juntar à Yvy. “O grosso do time veio do BNDES, um total de 13 pessoas que entraram e saíram comigo do banco e que trabalham juntas há quatro anos.”
Os perfis dos sócios, diz, são complementares para fazer frente ao aspecto multidimensional da transição da economia. “Você tem que ter um diplomata, um cientista, um banqueiro, um economista e um ambientalista na sala para montar a tese de investimento e os possíveis cenários.”
Roberto Azevedo seguirá vivendo em Nova York, usando a experiência diplomática e de negociações de comércio internacional e geopolíticas. “Meu papel é identificar tendências regulatórias que estão emergindo, navegar o mundo das políticas públicas, que está mudando bastante.”
Estar conectada a tudo isso, diz, é fundamental para a gestora. “A agenda do investidor não é apenas climática por acreditar na causa. Evidentemente que se acredita. Mas é também uma estratégia de mitigação de impacto. Novos marcos regulatórios vão acontecer e a condição competitiva entre as empresas vai mudar, definindo novos vencedores.”
Outra vertente do seu trabalho será ajudar no reposicionamento da marca Brasil. “Sempre que o país surge nas conversas sobre mudança climática, é lembrado pela Amazônia. É evidente que é um assunto da maior importância, mas não é só ali que o Brasil tem escala e potencial para mudar a equação climática global.”