Existem algumas generalizações correntes quando se fala em investimento de impacto. Tenta-se colocar todos os ativos dessa classe em uma espécie de categoria ‘café com leite’, como se eles necessariamente tivessem menor retorno financeiro em comparação com outros ativos similares.
Por outro lado, houve por muito tempo a ideia de que apenas um formato de capital pode resolver todos os problemas de um determinado setor. Bastaria encontrar os empreendedores ‘certos’. Eles resolveriam os problemas e fariam seus investidores terem os ganhos planejados.
O que falta a essa análise é segmentar os retornos aguardados e associá-los ao tipo de capital investido.
No mundo dos investimentos tradicionais, há uma cesta de ativos de investimento com retornos possíveis e riscos associados para cada perfil de investidor. De forma genérica, buscam-se maiores retornos e riscos para aqueles bolsos de longo prazo — aposentadoria, por exemplo.
Na outra ponta, estão os ativos de menor risco, consequentemente com menor potencial de retorno, para as necessidades de curto prazo, tais como recursos para emergências de saúde ou para um desemprego eventual.
Há, ainda, recursos de filantropia, para os quais não se espera retorno financeiro algum; miramos apenas que esses recursos atendam o maior número de pessoas e da melhor maneira possível.
A Teoria de Markowitz traz o conceito de “Fronteira Eficiente de Portfólio”, uma sistematização teórica desse exercício que até hoje é usada como ferramenta de alocação de recursos por parte dos investidores.
Falta para os investimentos de impacto categorização similar àquela criada por Markowitz. Falta uma Fronteira Eficiente dos Investimentos de Impacto, uma visão mais transversal, que compreenda os estágios de maturidade dos programas ou dos negócios sociais.
Em uma ponta estão as ações filantrópicas puras, geralmente associadas a causas que dificilmente geram modelos de negócios – retornos financeiros não são esperados.
Avançando na régua de evolução, há aqueles negócios sociais em estágio inicial que conceberam boas ideias de soluções para problemas socioambientais, mas que ainda estão em fase de validação dos produtos ou serviços ao mercado. Para estes, o capital semente e o capital-anjo devem ser os mais indicados.
Depois vêm as empresas em fase de tração, que precisam de financiamento para o capital de giro, para a expansão de time ou o investimento em processos já existentes. Empréstimos em condições adequadas, observando as perspectivas (e não apenas a retrospectiva), são mais indicados.
Por fim, existem negócios sociais em fase de escala, que podem ampliar ainda mais o impacto que geram se receberem uma injeção de capital via investimento de equity em série, visando a uma saída com bons retornos.
Nenhum dos capitais mencionados é certo ou errado. Eles apenas se encaixam melhor ou pior a cada estágio de maturidade do empreendimento. Essa análise é individualizada e vai depender muito do setor de atuação do negócio e do perfil do empreendedor à frente dele.
As árvores e a floresta
Se cada negócio social é uma árvore, o próximo passo é imaginar a floresta. A semente de hoje se transforma em muda amanhã e em árvore no futuro. Assim como na floresta, onde todos os nutrientes são importantes e vão variando ao longo dos ciclos, no campo dos investimentos de impacto todos os capitais importam e têm sua relevância.
Levando a analogia adiante, combinar os diversos perfis de capital e adequá-los aos estágios de desenvolvimento dos negócios sociais pode gerar um ecossistema vigoroso, como uma floresta.
Dois nomes têm sido usados com mais frequência no campo dos investimentos de impacto para esse uso combinado de diversos tipos de capital: venture philanthropy (algo como filantropia de risco) e blended finance (financiamento misto). A importância dessas combinações é pauta mundo afora.
No mês passado, a Stanford Social Innovation Review publicou um excelente artigo de Jim Bildner com o título Impact Investing Can’t Deliver by Chasing Market Returns (“investimento de impacto não pode alcançar seus objetivos procurando retorno de mercado”, em tradução livre).
O texto traz o caso do Woodward Corridor Investment Fund, um fundo de financiamento imobiliário para pessoas em situação de vulnerabilidade social, criado em Detroit, nos Estados Unidos, e dedicado a oferecer empréstimos de longo prazo a uma taxa bem menor que a praticada pelo mercado financeiro.
Os resultados do Woodward Corridor Investment Fund são bastante animadores sob várias perspectivas: houve decréscimo na taxa de desemprego, um aumento na renda, no valor das propriedades de médio valor e nos aluguéis dessas propriedades.
O fundo foi empreendido pela Kresge Foundation, que levantou algo em torno de US$ 30 milhões com diversos tipos de investidores divididos entre sêniores – os que têm prioridade de recebimento dos recursos investidos acrescidos dos retornos esperados – e subordinados, aqueles que têm mais apetite para o risco e só recebem os recursos investidos de volta depois do recebimento por parte dos investidores seniores.
Os subordinados poderiam ter feito os investimentos sozinhos. Mas, nessa estrutura, garantiram dois benefícios: alavancaram seus recursos e ajudaram a “educar” os investidores tradicionais para a importância de considerar impacto positivo na equação destes. Dito de outra forma, eles atuaram como um capital catalítico, que viabilizou mais aportes.
No Brasil, talvez a ação mais importante nesta frente tenha sido o edital de blended finance do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por meio dele, essa instituição se propõe a oferecer um capital concessional para destravar bolsos que não estariam dispostos a olhar este tipo de investimento.
O retorno para o banco? Talvez não seja o equivalente a outros tipos de investimento comparáveis. Mas certamente gerará uma dinâmica virtuosa que, como todo investimento de impacto, tem o potencial de reduzir um custo social futuro.
Em ambos os casos, fica claro que podemos criar um concerto em prol do impacto se houver coordenação entre os diversos bolsos — filantrópicos, de crédito, de equity — e associação com organizações intermediárias que apoiem capacitação empreendedora, gestão e mensuração de impacto.
Não existe uma resposta fácil nem única para qual retorno os investimentos de impacto geram. Mas precisamos gerar um ciclo virtuoso de criação, robustecimento e uma escala de negócios que combatam os graves problemas socioambientais que nos atormentam como sociedade.
* Luciano Gurgel é diretor-executivo da Artemisia. Bacharel em economia pela Universidade de São Paulo (USP), trabalhou por mais de 15 anos no mercado de capitais em diversos bancos (Santander, HSBC e Safra) e durante esse percurso se especializou em operações estruturadas de crédito. Na Yunus Negócios Sociais foi responsável pela estruturação e captação do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios da Yunus – o primeiro dedicado ao financiamento de negócios sociais no modelo Yunus no Brasil.