Diz o ditado que há duas formas de aprender: pelo amor ou pela dor.
Na gestora de fundos JGP, a decisão de integrar temas socioambientais ao processo de investimento veio pelo caminho mais difícil.
Com uma posição pesada em Vale no seu principal fundo de ações, no começo do ano passado a casa viu seu desempenho cair junto com a barragem de Brumadinho, ficando atrás dos pares num momento em que a bolsa brasileira decolava após a eleição de Jair Bolsonaro.
Desde então, vem passando por um processo de transformação, um dos mais emblemáticos no movimento ainda nascente de incorporação de fatores ESG [ambientais, sociais e de governança] entre os fundos ‘mainstream’ do Brasil.
Uma das casas independentes mais tradicionais do País — com R$ 17 bilhões sob gestão na asset e R$ 10 bilhões na área de wealth —, a JGP é uma gestora ‘raiz’. Carrega o DNA pragmático e sangue-no-olho do fundador André Jakurski, o ex-Pactual considerado um dos melhores traders do Brasil.
Agora, está prestes a lançar seu primeiro fundo de ações completamente ESG, no qual não entram Vale, Petrobras e talvez nem sequer empresas de vestuário que trabalham com fast fashion. “Quem precisa de 10 calças, 30 camisetas?”, questiona Márcio Correia, o sócio responsável pela área de renda variável. “É o tipo de discussão que estamos tendo nessa estratégia”.
A transformação mais profunda — e que de fato pode fazer diferença nos volumes da indústria —, no entanto, está na incorporação gradual de critérios ESG ao processo de investimentos dos fundos principais da casa, de crédito a ações, passando pelos multimercados.
“Não dá para estudar o ESG, aculturar minha equipe para considerar isso e não levar em conta nos fundos tradicionais”, diz.
Céticos dirão que ainda é preciso esperar para ver o resultado do processo. Mas tem uma base sobre a qual podem cobrar: a estratégia ESG da gestora foi toda formalizada numa política formal de investimentos responsáveis, que abarca todas as áreas da companhia e coloca a consideração de fatores socioambientais como dever fiduciário.
Ver para crer
Além do tombo com Vale, o empurrão para adoção de ESG veio de um cliente específico: a SKP, um family office que administra a fortuna de algumas famílias de origem alemã, descendentes dos pioneiros da indústria cervejeira para o Brasil, incluindo a Brahma.
“Nos últimos dois a três anos, nossos clientes vêm advogando por investimentos mais responsáveis”, diz Philippe Prufer, CEO da SKP. “E uma coisa ficou clara: não dá mais para investir em empresas poluentes e fundos que não sigam a cartilha ESG. A responsabilidade de como decidimos alocar nossos investimentos é nítida para nós.”
Depois de provocados pela SKP, Correia destacou um de seus analistas sênior de ações para estudar a fundo as mudanças climáticas. Foram dois meses debruçados sobre o assunto. “Vimos o quão complexo era a questão e não queríamos ser levianos.”
Munida de ciência, a casa decidiu então colocar a estratégia em marcha.
Em agosto, a JGP migrou a carteira da SKP para um fundo específico voltado para investimentos ESG. Além de mirar companhias que se saem bem nesses quesitos, o fundo aplica uma lista de exclusão de setores considerados nocivos para a sociedade e o meio-ambiente.
O ‘negative screening’ praticado pela JGP nesse fundo puro-sangue vai bem além da prática considerada banal de excluir setores como de cigarro e armas e atinge mineração em área de risco e petróleo, para ficar em dois pesos pesados da bolsa brasileira.
Vale e Petrobras estão banidas da carteira, que contempla Natura, empresas de energia renováveis como Cesp e Ômega, além de de ecommerce, como B2W, Mercado Livre e Magazine Luiza.
Desde o lançamento, o fundo performa melhor que os outros produtos da casa: cai 13,36% desde 13 de agosto, contra queda de 24,26% do Ibovespa e de 18,51% do fundo de ações tradicional da JGP.
No começo do ano, o produto foi aberto para captação de funcionários da gestora e deve estar, em breve, disponível ao público geral. “Com a crise do coronavírus, ficamos um pouco paralisados, mas já temos interessados”, diz Correia.
Ele rechaça um dos argumentos mais comuns contra a adoção de critérios ESG. “Questionaram num primeiro momento se a gente não teria muita limitação de ativos nesse escopo. A resposta é não: o Brasil tem diversificação suficiente para montar carteira só com ESG.”
E, acrescenta, a correção no mercado por conta do coronavírus abriu uma oportunidade: “Muitas empresas que aparecem no topo do ranking ESG estavam muito caras. Agora ficou mais fácil implantar a estratégia”.
Reavaliando os dogmas
A gestora está no início de um longo processo para integrar os fatores ESG à tomada de decisão de todos os fundos da casa. Mas, além dos desafios para sistematizar os métodos de avaliação, Correia destaca que não dá pra mudar o estilo de sopetão.
“Não dá para chegar para os clientes e falar: eu não invisto mais em Petrobras. Isso se chama ‘style drift’, mudar completamente o estilo de gestão, e o cliente resgata na hora, independentemente de performance”, diz. “É um processo.”
O gestor considera agora que a Vale está muito barata e tem uma fatia no fundo tradicional. Mas equivalente a cerca de um terço do que teria se não levasse em conta os fatores ESG.
“E por que eu não tenho mais se acho que está barato? Porque sei que essas empresas serão piores olhando para a frente. Vão ser negociadas com múltiplo menor, custo de capital maior, as pessoas não vão querer trabalhar com elas, a marca vai ficar afetada”, afirma, dizendo que prefere ter exposição a commodities em empresas que não agridem o meio ambiente, como Suzano, Klabin e São Martinho.
Por outro lado, o fundo está investido em empresas que o critério ESG reforçou, como Natura, Localiza, Alpargatas e Magazine Luiza.
Nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra
Para os fundos considerados tradicionais, a ideia é que o escopo seja menos restritivo, com engajamento com empresas de setores mais polêmicos, mas que têm potencial para melhorar o perfil.
Algumas coisas têm que ser eliminadas, diz Correia, como térmicas a carvão, que tem substitutos menos poluentes. “Por outro lado, tem coisas que não têm um substituto ainda, como o uso de plástico para a indústria automotiva, o querosene de aviação”, pondera. “Temos que engajar e ver maneiras de melhorar a eficiência dessas indústrias que não vão simplesmente deixar de existir da noite para o dia.”
Entre as prioridades no engajamento estão a diversificação dos conselhos de administração, com o incentivo a participação de mais mulheres, e a criação de comitês de ESG dentro das empresas para trazer o tema para o centro das decisões de negócio.
Semeando a palavra
Para a JGP, o maior desafio para incorporar o ESG é a falta de padronização de informação. A gestora trabalha agora na criação de estruturas específicas de análise para cada setor, baseadas no padrão internacional SASB para reporte de sustentabilidade e uma metodologia proprietária — e considera disponibilizar os dados numa plataforma aberta ao mercado.
As empresas, diz Correia, estão mais avançadas que os investidores na agenda ESG. “A recepção dos executivos em relação aos temas socioambientais é grande, eles estão preocupados.”
A dificuldade é de evangelizar o próprio investidor brasileiro. Ao contrário de outras gestoras que começaram a adotar critérios ESG sob demanda de investidores estrangeiros, a JGP praticamente não tem gringos na base.
“Nossas reuniões com clientes aqui ainda não são triviais”, diz. “Uma pequena parte valoriza essa postura, mas uns 90% ainda têm, no fundo no fundo, algum temor de que estejamos abrindo mão de retorno.”