COLUNA - GUSTAVO PIMENTEL

Integração ESG em fundos deve voltar com força em 2024

Depois de dois anos andando de lado, os critérios sustentáveis ressurgem nos investimentos; dívida verde deve ter outro bom ano no Brasil

Integração ESG em fundos deve voltar com força em 2024
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Ano novo, ciclo novo começando, é hora de fazer balanços do período que passou e identificar tendências para os próximos 12 meses e além.

As previsões deste colunista baseiam-se 100% em inteligência natural, ainda que a inteligência artificial tenha papel cada vez mais relevante em nossa sociedade. Vamos a elas.

1. A volta da integração ESG nos fundos

Entre 2019 e 2021, tivemos o boom ESG na gestão de recursos, com diversas casas independentes e ligadas a bancos iniciando ou dando saltos na integração ESG, principalmente em renda variável, crédito e private equity.

Estratégias e fundos existentes ganharam políticas e ferramentas de análise ESG, em geral não prescritivas, focadas em controlar risco (o que já é alguma coisa!).

Foram dezenas de novos fundos lançados com algum nível de integração ESG ou de impacto: na renda variável, a maioria eram fundos espelho de ETFs ou fundos internacionais com rótulo ESG; já em crédito, private equity e infraestrutura, os produtos eram focados em investimento local, trazendo liquidez adicional para ativos com perfil ESG.

Nos últimos dois anos, o mercado andou de lado: a maioria das gestoras não alcançou seus objetivos de captação para os fundos ESG, principalmente na renda variável.

O ambiente macro e micro foi particularmente desafiador para as classes de ativos de maior risco e potencial de integração. Elas sofreram com resgates e baixo desempenho (não relacionados ao ESG, mas que também tiveram impacto).

Tampouco ajudou a régua da Anbima na implementação de sua auto-regulação, que permitiu a classificação como Fundo IS – Investimento Sustentável, o nível supostamente mais alto – produtos com baixo impacto positivo.

Em 2024 o vento volta a soprar a favor da integração ESG. Primeiro, pelo ambiente macro mais amigável às classes de ativo renda variável, crédito, private equity e infraestrutura, que retomam captação.

Segundo, pela força da SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation), da União Europeia: fundos brasileiros que direta ou indiretamente possuam investidores europeus estão se adaptando para provar alinhamento com os artigos 8 e 9 da regulação.

Por último, uma questão reputacional: quem assumiu compromissos públicos há dois, três ou quatro anos – descarbonização de portfólios, conversão de produtos, implementação de políticas e reporte a cotistas, por exemplo – precisa começar a mostrar resultados.

2. Dívida ESG: mercado doméstico segue em alta

Após o pico de R$ 91 bilhões em 2021, as dívidas ESG captadas por entidades brasileiras caíram para R$ 54 bilhões em 2023. As captações internacionais caíram de R$ 62 bilhões para R$ 20 bi (sendo metade do Tesouro Nacional) e explicam a queda no agregado, enquanto as captações domésticas se mostraram resilientes, acima de R$ 30 bi.

Esse resultado doméstico deve ser comemorado, uma vez que o mercado de crédito brasileiro ficou parado no primeiro semestre de 2023 com os eventos da Americanas e Light.  

Neste ano o mercado doméstico seguirá como o principal da dívida ESG brasileira, aproveitando a melhoria do ambiente de crédito geral da economia e da agenda ESG mais ampla do país, podendo chegar a R$ 50 bilhões.

As operações baseadas em uso de recursos nos setores de saneamento, energia renovável (incluindo bioenergia) e transportes devem puxar os volumes. As operações baseadas em desempenho (vinculadas a metas ESG) proporcionam diversificação setorial, com destaque para metas relacionadas a diversidade na força de trabalho e clima (redução de emissões de gases de efeito estufa).

As captações internacionais podem representar outros R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões, a depender do apetite do Tesouro Nacional em realizar outra emissão soberana sustentável na esteira do sucesso de sua emissão inaugural do fim do ano passado.

No segmento corporativo, as empresas devem retomar as operações baseadas em desempenho, principalmente com metas relacionadas a descarbonização, tema preferido dos investidores internacionais.

Importante lembrar que a dívida ESG rotulada é a ponta do iceberg do crédito ESG. Uma parte significativa fica oculta no balanço dos bancos, por desafios de enquadramento ou custos de transação para ter o rótulo.

3. Desafios transversais permanecem

As políticas públicas no Brasil seguem ambíguas quanto aos temas ESG, sustentabilidade e clima. Por um lado há avanços em padronização de dados e exigência de transparência e gestão de riscos pelos reguladores do mercado financeiro (ex. CVM, Banco Central e Susep).

Mas Executivo e Congresso Nacional avançam em passos lentos nos marcos regulatórios que incentivam ou penalizam atividades econômicas de acordo com seus perfis de sustentabilidade.

É necessário avançar com o mercado de carbono regulado, o imposto seletivo para atividades poluidoras ou com impactos negativos e parar de dar subsídios para expansão de fontes fósseis de energia, por exemplo.

O recente aumento do imposto de importação de carros elétricos e painéis fotovoltaicos para custear subsídios à produção local desses itens é um exemplo dessa ambiguidade: talvez de fato ajude a desenvolver a indústria nacional no médio prazo, mas atrasa a redução das emissões de GEE no curto prazo.

Políticas públicas claras que mudam preços na economia real sinalizam ao capital financeiro as atividades que devem receber mais recursos e as que precisam ser “transicionadas”. Elas são essenciais para que os fundos e dívidas ESG atinjam escala e transformem a economia.

* Gustavo Pimentel é sócio fundador e CEO da ERM NINT