
Antes da COP30 começar em Belém, grandes investidores do mundo todo desembarcaram em São Paulo para discutir um tema que, à primeira vista, parece bastante etéreo: investimentos responsáveis.
“Isso ainda está em discussão, o que o investidor entende que está dentro ou não do conceito de investimento responsável”, diz Marcelo Seraphim, head do Principles for Responsible Investment (PRI) no Brasil.
O PRI é uma rede global de investidores criada em 2005 com o apoio das Nações Unidas para acelerar a integração das lentes ambientais e sociais aos investimentos. O seu crescimento nos últimos anos foi exponencial junto com o movimento de ESG.
Hoje, a rede do PRI conta com perto de 5,3 mil signatários com US$ 130 trilhões em ativos sob gestão. São donos de ativos como fundos de pensão, endowments, fundos soberanos e subnacionais, family offices e fundações, além das gestoras de recursos que administram essa pilha de dinheiro.
“Quer dizer que tudo isso está canalizado para investimento sustentável? Não, é o que eles têm na carteira. Mas mostra o potencial que a gente tem de mobilização de capital que hoje gera externalidade negativa e pode se mover para gerar uma externalidade positiva”, diz Seraphim.
De hoje até quinta-feira (6), os sócios desse “clube” se reúnem no evento “PRI in Person”, na capital paulista. Estão na programação principal e eventos paralelos representantes dos fundos de pensão dos funcionários públicos da Califórnia, o Calpers (US$ 506 bilhões em ativos), da Igreja da Inglaterra (3,4 bilhões de libras); e gestoras como a Apollo (US$ 840 bilhões sob gestão).
Fluxo do $
“Hoje, falamos até de questões de defesa”, diz o head do PRI no Brasil.
Ele se refere ao aumento dos gastos com orçamentos de segurança e defesa principalmente de países europeus, diante das ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de retirar o apoio militar à Ucrânia e possivelmente abandonar a aliança militar do Atlântico Norte, a OTAN.
Há um temor de que os gastos com políticas climáticas também sejam alvos de cortes. A ONU chegou a fazer um apelo para que a Europa não troque o clima pelas armas.
Esse risco, no entanto, não é apenas uma questão geopolítica que afeta o portfólio desses investidores.
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, o número de fundos de ações ESG na Europa expostos à indústria de armas nucleares aumentou 89%, segundo um levantamento da Bloomberg. São US$ 20 bilhões alocados em empresas que fabricam, fornecem ou transportam armas nucleares, as mais mortais já fabricadas na história.
O movimento é visto por seus críticos como a perversão máxima da agenda de investimentos responsáveis. Ele expõe a drástica evolução das práticas de investimento ambiental, social e de governança desde que o termo foi cunhado, há mais de duas décadas, por uma equipe apoiada pelas Nações Unidas.
Edgars Rinkēvičs, o presidente da Letônia, está confirmado na programação do PRI in Person para debater as implicações para o investimento responsável dos conflitos e guerras persistentes, ao lado de Philippe Zaouati, CEO da Mirova, gestora de recursos referência em investimentos sustentáveis.
Clima
“O mundo mudou muito desde que as três letrinhas [ESG] e o PRI foram criados. Precisamos olhar para isso de forma prospectiva e verificar o que vai ser a regulação daqui para frente, como ela vai impulsionar essa agenda, como os eventos climáticos, cada vez mais severos, vão afetar a velocidade dessas transformações”, diz Seraphim.
O PRI trouxe seu principal evento para o Brasil no ano da COP30, em que o financiamento para o mundo se adaptar às mudanças climáticas está na agenda. Nos últimos dois anos, o evento foi realizado em países desenvolvidos: Canadá (2024) e Japão (2023).
Uma das trilhas de programação chama “ação climática” e terá mineração e agricultura como destaques, duas atividades econômicas relevantes do ponto de vista econômico, ambiental e social no Brasil.
“Há uma sensação de um retrocesso geral, mas o retrocesso não é geral”, diz o head do PRI no Brasil. Com quase um quarto de seus signatários nos Estados Unidos, o PRI tem observado as mudanças nos investimentos em clima e sociais desde a eleição de Trump.
“Não verificamos um número significativo de saídas de signatários no último ano. O que percebemos é que os signatários nos Estados Unidos ficaram muito menos vocais”, diz Seraphim.
No Brasil, segundo ele, 10 novos proprietários de ativos entraram na rede do PRI nos últimos 12 meses. “Dou destaque para essa categoria de investidores, porque são eles que movem a roda do investimento. E eles promovem um efeito cascata, ao exigir que seus gestores também adotem práticas responsáveis e de sustentabilidade.”
Entre eles, estão o BNDESPar (braço de participações societárias do BNDES), o Banco da Amazônia (Basa) e segmentos que até pouco tempo tinham graves questões de governança e fraude, como os institutos de previdência de cidades e Estados, conhecidos como RPPS. “Um segmento que a gente, até dois anos atrás, jamais poderia pensar que teria um novo signatário”, diz Seraphim.
Segundo ele, seguros é um outro segmento que o PRI ainda encontra muita dificuldade para entrar. Muitas seguradoras são signatárias do Principles for Sustainable Insurance (PSI), mas ele não traz normas e diretrizes para a gestão de portfólio. “Então, seria muito complementar se as seguradoras também se juntassem ao PRI.”
Atualmente, o PRI tem 125 signatários no país. “Quando entrei no PRI, tinha menos de 50. Éramos visto um pouco como eurocêntrico, mas estamos num esforço para trazer a realidade dos países emergentes, para desenvolver ferramentas que sejam mais aplicáveis à nossa realidade”, diz Seraphim.