
Um caso de sincericídio climático está em curso na Justiça americana. A ação em questão é movida por 13 Estados americanos, todos controlados pelo Partido Republicano, do presidente Donald Trump. Eles acusam as gestoras BlackRock, Vanguard e State Street de interferirem na livre concorrência da indústria de carvão com suas metas climáticas.
Ao se defender da acusação de antitruste, as gestoras alegam que sua atuação no setor de combustíveis fósseis foi tão discreta que teve impacto mínimo no mundo real, embora elas tenham assumido compromissos para cortar as emissões de suas carteiras.
A posição que veio à tona no julgamento é algo que críticos apontam há tempos.
A argumentação oral dos advogados não foi um balanço sobre os resultados das promessas feitas por essas instituições, as maiores gestoras de recursos do mundo. Na verdade, foi uma admissão de que os planos nunca saíram do papel. As metas ficaram apenas no discurso.
Encabeçados pelo Texas, o berço da indústria petroleira americana, os Estados dizem que os fundos de índice (ETFs) usaram sua participação acionária em produtoras de carvão para restringir a oferta e aumentar os preços do combustível. O objetivo seria atingir a meta de emissões zero carbono das empresas que compõem seus portfólios.
O processo, aberto no fim do ano passado, é um dos esforços dos republicanos para intensificar sua guerra contra o que chamam de “capitalismo consciente” ou capitalismo “woke”. Eles também estão em uma cruzada contra Estados democratas que promovem políticas de transição energética.
Na última semana, o governo federal apoiou os Estados contra as gestoras. “O presidente declarou estado de emergência energética”, disse Abigail Slater, procuradora-geral da divisão antitruste do Departamento de Justiça. “Precisamos de concorrência na produção de carvão agora mais do que nunca.”
Cumprir as metas de portfólios net zero até 2050 prometidas exigiria uma queda drástica no consumo global de carvão. Para este cenário, a Agência Internacional de Energia projetou que a produção do combustível precisaria ser reduzida em 44% entre 2022 e 2030.
Defesa
“Este caso tece uma teoria absurda: três gestores de ativos conspiraram (sem se comunicarem) para reduzir a produção de carvão (que aumentou) controlando as decisões de produção de empresas de carvão (nas quais cada um deles nunca deteve mais do que pequenas participações minoritárias)”, disseram os advogados das gestoras.
Eles afirmam que, se BlackRock (que tem US$ 11 trilhões sob gestão) e State Street (US$ 4,7 trilhões) estivessem usando suas posições acionárias para induzir as empresas a produzir menos carvão, seus votos nos conselhos e assembleias das companhias teriam refletido isso.
“Em vez disso, votaram diversas vezes contra diretores cujas empresas reduziram a produção. E frequentemente não votaram contra diretores cujas empresas produziram mais carvão”, disseram no tribunal.
No caso da Vanguard (US$ 10 trilhões sob administração), das três empresas com as quais a gestora se reuniu em 2021 e 2022, duas aumentaram a produção. “Não há a menor indicação de que qualquer réu estivesse pressionando as empresas de carvão a reduzir a produção, muito menos de que elas estivessem fazendo isso de forma coordenada.”
Na soma de suas posições, as três gestoras detinham participações de 34% nas maiores produtoras de carvão listadas nos EUA.
Compromissos
Há cerca de cinco anos, grandes gestoras de ativos começaram a se posicionar publicamente com relação a ações climáticas, prometendo alinhar seus investimentos com a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, na comparação com a era pré-industrial.
As três instituições alvo do processo aderiram à iniciativas climáticas, entre elas a Net Zero Asset Managers (NZAM), lançada em 2022 como parte da aliança financeira global Gfanz.
Todas sofreram intensa pressão política por parte da extrema direita americana. Apesar do abandono, elas afirmaram que seus compromissos climáticos permaneciam inalterados.
Mas os resultados não vieram – pelo menos no caso do carvão nos EUA.
Embora a produção de carvão das empresas listadas nas bolsas de valores dos EUA tenha diminuído em 2020 em meio à pandemia de Covid-19 – já estando em declínio constante por mais de uma década –, ela aumentou nos dois anos seguintes. Ou seja, no ano em que os republicanos alegam que a suposta conspiração estava em andamento, alega a defesa.
Como os preços do carvão estavam em alta nesse período, mesmo com a queda da produção, os lucros do setor aumentaram, o que teria gerado retorno nos investimentos das gestoras às custas dos consumidores de energia dos EUA, segundo a acusação.
À medida que a pressão política sobre políticas climáticas aumentou, as três gestoras reduziram sua taxa de apoio a acionistas com propostas relacionadas ao clima. Assim que Trump foi eleito também se retiraram do Climate Action 100+ (os negócios internacionais da BlackRock continuam fazendo parte) e também do Net Zero Asset Managers, que foi suspenso após a saída em massa de gestores nos EUA.