Em sua aguardada carta aos cotistas, a gestora de fundos Dynamo trouxe esta semana uma reflexão sobre a ascensão dos investimentos ESG e a necessidade de se repensar o modo como investimentos e negócios são feitos no pós-pandemia.
Uma das mais tradicionais do país, a gestora de ações de R$ 23 bilhões é conhecida por suas análises fundamentalistas profundas e pelas posições de longo prazo, que renderam um retorno anualizado de 47% para o Dynamo Cougar, o carro-chefe da casa, desde a fundação em 1993, contra 29% do Ibovespa. O fundo reabriu para captação pela primeira vez em nove anos no fim de março e levantou R$ 1 bilhão em menos de 24 horas.
A casa não tem uma política ESG oficialmente estabelecida, mas vem estudando o assunto há algum tempo, num movimento que, ao que indica a carta, deve ganhar corpo — evidenciando como a preocupação em incorporar fatores socioambientais à tomada de decisões investimento tem saído do nicho para ganhar corpo no mainstream.
“Nestes dias de pandemia, a classe de ativos ESG apresenta desempenho superior à maioria dos demais, registrando influxo positivo de recursos”, diz a equipe da Dynamo no documento.
“Trata-se de uma mensagem clara: o entendimento por parte dos investidores de que problemas graves e inesperados terão de forma crescente origem no ambiente externo, e que as companhias que tenham formado cultura, incorporado vivência e desenvolvido mentalidade respeitando cada um desses aspectos estariam melhor preparadas para enfrentar tais desafios.”
Em meio ao que chamou de ‘tsunami microscópico’, a carta traz mais dúvidas que certezas, com a humildade de quem já passou por diversas crises e agora se vê diante de uma conjunção inédita de fatores desconhecidos.
Numa seção chamada ‘Introspecções’, a Dynamo aponta que é hora de a sociedade rever alguns de seus ‘atalhos cognitivos’ — em uma extrapolação da teoria de Daniel Kahnemann, que aponta que os indivíduos tendem a automatizar tarefas rotineiras para liberar recursos cognitivos para atividades que exigem maior capacidade de deliberação e raciocínio.
“Quando o ambiente muda, estes julgamentos e seus comportamentos/hábitos derivados podem eventualmente mostrar-se mal adaptados”, aponta. “Talvez estejamos experimentando um destes momentos transformacionais que demandam um ‘reset’ em nosso sistema operacional, a fim de repensarmos novas maneiras de navegação diante de interfaces distintas.”
Fazendo um paralelo com a medicina tradicional chinesa, que enxerga as patologias de forma mais holística, a gestora aponta que a covid é a expressão de que algo precisa mudar.
“Pensar o mundo de forma mais sistêmica é uma das transformações que vinha se desenhando. Como vimos, nos tornamos mais conectados, aproveitando as especializações de cada recanto”, escrevem os gestores. “Benefícios foram colhidos, como os milhões de desfavorecidos que ultrapassaram a linha da pobreza. Por outro lado, externalidades negativas e consequências não intencionais surgiram e estas ninguém reivindica autoria. Benefícios intramuros, custos porta para fora”.
A Dynamo cita o fato de que, em algumas regiões da China, com a redução da poluição por conta da menor atividade industrial durante o auge da pandemia, a queda no número de óbitos esperados por questões respiratórias foi maior que o aumento de mortes provocado pela covid.
“Quando o desastre ‘salva’ vidas é sinal de que atingimos um limiar insustentável.”
Imunidades diferentes
Para navegar sem bússola no mar revolto, a Dynamo fez uma força-tarefa para analisar as necessidades de saída de caixa de cada empresa da carteira e submetê-las a cenários testes de estresse para avaliar os potenciais impactos sobre os resultados de curto prazo.
Não encontrou problemas de liquidez, e viu uma ‘imunidade’ diferente das empresas do portfólio ao cenário atual de curto prazo.
Companhias mais conectadas com a entrega física de bens e serviços terão um ano mais difícil, como é o caso de Natura, Renner e BR Malls.
“Outras sofrerão menos, seja pela sua posição competitiva privilegiada (B3), pelo perfil de longo prazo de seus contratos (Eneva), pela qualidade de seus ativos estratégicos (Vale), pela matriz diversificada de seus segmentos de atuação (Cosan), pela capacidade de ocupar espaços deixados pela concorrência mais fragilizada (Localiza), pela proposta de valor diferenciada para seus clientes (XP), ou pelo seu ecossistema de negócios, preparado para capturar os benefícios das transformações que vimos assistindo (Mercado Livre)”.
Sem citar nomes, a Dynamo diz que aproveitou para rebalancear a carteira, aumentando a exposição a alguns nomes e zerando outros ao longo dos próximos meses. Uma matéria da Bloomberg do fim de março mostra que a gestora aproveitou a baixa para comprar Natura, Alpargatas, Localiza, Ultrapar e Vale.
Das poucas certezas
Dentre as inúmeras incertezas, a Dynamo aponta algumas tendências que já se desenham para o mundo pós-coronavírus, entre elas: um ambiente com mais dívida, menos globalizado e mais digital.
Outra é a capacidade de adaptação das empresas, que se reflete principalmente pela qualidade do seu corpo de executivos.
“Companhias com executivos inspiradores, que pensam estrategicamente e fora da caixa, que se antecipam às tendências, que tomam riscos quando têm de ser tomados, invariavelmente aproveitam estes momentos de solavancos para saltarem adiante”, diz a equipe da gestora.
Outra vantagem no darwinismo corporativo imposto pela covid, aponta a gestora, será a capacidade de preservar suas relações de troca, com cuidado com fornecedores e clientes (qualquer semelhança com o ‘stakeholder capitalism’ não é mera coincidência).
“Algumas [empresas], no reflexo de sobrevivência, cancelaram contratos, acionaram cláusulas de força maior e abandonaram fornecedores. Talvez não tenham tido alternativa. Ou não: talvez tenham se precipitado correndo na direção errada, indo ao encontro do epicentro do tornado. No outro extremo, temos conhecimento de companhias que estão se valendo de sua vantagem competitiva de liderança em seus mercados e de seus balanços robustos para reforçarem os elos estratégicos com fornecedores e clientes. Não temos dúvida que a retomada para este conjunto privilegiado de companhias será virtuosa”.
Neste ano até abril, o Cougar teve queda de 23,9% contra 30,4% do Ibovespa. Em 60 meses, o fundo rende 94,9% contra 43,2% do índice de referência da B3.